Prorrogação das concessões do setor elétrico

23 de junho de 2013

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O caso Cemig

1. Breve histórico sobre as concessões no setor elétrico

A CEMIG, Companhia Energética de Minas Gerais, foi criada sob a vigência do Código de Águas, de 1934, que conferia ao Poder Público Federal o controle do aproveitamento industrial das águas1 e dos serviços de transmissão e de distribuição de energia elétrica2, submetidos ao regime de autorização ou concessão. No entanto, embora a delegação a particulares fosse possível, o Estado era o grande protagonista na prestação dos serviços referidos, executando-os diretamente ou por meio de paraestatais constituídas a partir das décadas de 40 e 50, como é o caso da própria Cemig.

Mesmo após a Constituição de 1988 – que repetiu a norma acerca da possibilidade de delegação dos serviços em questão3 – a Administração Pública permaneceu praticamente a única responsável pela exploração de todas as atividades relacionadas à geração, à transmissão e à distribuição de energia elétrica. Este cenário só começou a se alterar por volta de 1995, quando novo contexto econômico e jurídico levaria à ampliação do espaço reservado à iniciativa privada e à redução do papel do Estado na qualidade de empresário, com seu correlato aparelhamento para a atividade regulatória. As primeiras distribuidoras de energia – federais e estaduais – começaram a ser privatizadas, dando-se início a um processo de ampla reformulação do marco legal do setor, que passou por várias fases e diversas alterações legislativas.

O marco inicial desse novo modelo de exploração foi a Lei nº 9.074/95, de que falaremos mais à frente, que regulamentou de forma específica a concessão, a permissão e a autorização de serviços e instalações de energia elétrica e aproveitamento energético dos cursos d’água. Antes de tal diploma, as empresas concessionárias operavam mediante atos de outorga gerais, pelos quais ficavam encarregadas de todas as etapas do serviço. Na prática, as concessionárias eram responsáveis por promover o aproveitamento da energia hidráulica de determinada região geográfica, geralmente delimitada pela identificação de trechos de rios4. Em oposição a isso, o modelo inaugurado pela Lei nº 9.074/95 previa a segmentação das atividades de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. Além disso, as concessões passaram a ser objeto de contratos vinculados a empreendimentos específicos, como no caso que apresentaremos, e não mais ao aproveitamento do potencial hídrico de determinada região.

Diante da transformação do modelo até então existente, como era de se esperar, foi necessário estabelecer um sistema de transição para as concessões oriundas do regime anterior.

Em verdade, a transição teve início com a Lei nº 8.987/95, que regulamenta o art. 175 da Constituição Federal5 e dispõe sobre o regime de concessão e permissão para a prestação de serviços públicos em geral. A Lei nº 8.987/95, além de estabelecer regras gerais para o futuro, procurou adequar as antigas concessões de serviço público às exigências constitucionais da matéria, em especial as relativas à prévia licitação e à celebração de contratos específicos: a regra geral na matéria, contida em seu art. 426 , reflete o princípio da irretroatividade das leis, resguardando da incidência de suas próprias disposições as concessões anteriores à sua entrada em vigor.

Paralelamente a estas regras gerais, e tendo em vista as particularidades do serviço, a Lei nº 9.074/95 previu regras específicas para a transição relativa às concessões do setor elétrico. Com efeito, no que diz respeito especificamente às concessões de geração alcançadas pelo art. 42 da Lei nº 8.987/95, o art. 19 da Lei nº 9.074/95 permitiu sua prorrogação pelo prazo de até 20 (vinte) anos, nos seguintes termos:

Art. 19. A União poderá, visando garantir a qualidade do atendimento aos consumidores a custos adequados, prorrogar, pelo prazo de até vinte anos, as concessões de geração de energia elétrica, alcançadas pelo art. 42 da Lei n° 8.987, de 1995, desde que requerida a prorrogação, pelo concessionário, permissionário ou titular de manifesto ou de declaração de usina termelétrica, observado o disposto no art. 25 desta Lei.

Fato relevante: a regra de transição do art. 19 da Lei nº 9.074/95 engloba todas as hipóteses de concessão alcançadas pelo art. 42 da Lei nº 8.987/95, incluindo aquelas em caráter precário, com prazo vencido e/ou vigorando por tempo indeterminado. No entanto, como aqui referido, inicialmente, o pedido de prorrogação não poderia ser apresentado de imediato nos casos em que o prazo remanescente da concessão fosse superior a um ano, devendo ser efetuado nos seis meses anteriores ao advento do termo final respectivo. Ainda segundo a Lei nº 9.074/95, todas as prorrogações estariam condicionadas à assinatura de contrato específico, pelo qual se promoveria não apenas a adaptação das concessões ao regime da Lei nº 8.987/95, mas também o estabelecimento de novas metas de eficiência e produtividade7.

Foi precisamente nesse cenário de transição que a CEMIG firmou o Contrato de Concessão nº 007/97, do qual trataremos. O ajuste englobou todas as concessões de energia elétrica outorgadas à Cemig antes da entrada em vigor da Lei nº 8.987/95 – as quais foram individualizadas em seu anexo –, adaptando-as ao novo marco regulatório do setor. Em contrapartida, e tendo em vista que se consideraram atendidas as exigências de qualificação técnica, foi igualmente aplicada a regra de transição contida no art. 19 da Lei nº 9.074/95, relativa à extensão do vínculo por prazo adicional de vinte anos.

2. A MP nº 579, 2012, convertida na Lei nº 12.783/2013

Antes que fosse efetivada a prorrogação, porém, o Poder Concedente editou a Medida Provisória nº 579/2012, que foi convertida na Lei nº 12.783/2013. Além de pequenas alterações de texto irrelevantes, em essência, a MP 579/2012 ofereceu aos concessionários – inclusive nos casos em que já tivesse ocorrido a prorrogação única facultada pela Lei nº 9.074/95 – outra opção de extensão de seus vínculos contratuais, agora por um prazo de trinta anos. Tal prorrogação foi, porém, condicionada à submissão dos novos contratos a um conjunto relevante de “condições”, “in verbis”:

Art. 1º. A partir de 12 de setembro de 2012, as concessões de geração de energia hidrelétrica alcançadas pelo art. 19 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, poderão ser prorrogadas, a critério do poder concedente, uma única vez, pelo prazo de até 30 (trinta) anos, de forma a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço e a modicidade tarifária.
§ 1º. A prorrogação de que trata este artigo dependerá da aceitação expressa das seguintes condições pelas concessionárias:
(…) (Grifamos)

Como mencionado, o novo Diploma estabeleceu um conjunto de condições para a prorrogação das concessões. Em verdade, porém, tais exigências deram origem a um novo regime jurídico, com alterações substanciais em relação ao anterior. A título de exemplo, nos termos do art. 1º, § 1º, inc. I, a remuneração das concessionárias passou a dar-se por tarifa calculada pela ANEEL, e não mais por preço livre. Ainda na mesma linha, o inciso II passou a exigir das concessionárias a alocação de cotas de garantia física de energia e de potência em favor das distribuidoras, o que simplesmente inexistia no regime anterior. Assim, longe de constituírem questões laterais, tais inovações modificaram a própria lógica de exercício da atividade, rompendo com o sistema de livre mercado que ainda vigora – e continuará a vigorar – para as concessões de geração que não foram afetadas pela Medida Provisória nº 579/2012.

3. O contrato de concessão da Cemig nº 007/1997

Com base no referido Contrato de Concessão n. 007/97, a Cemig apresentou à ANEEL o pedido de prorrogação da concessão da Usina de Jaguara, localizada no Município de Sacramento, em Minas Gerais. A Empresa sustentou seu direito de prorrogar a concessão, em face da especificidade desse Contrato, celebrado em 1997, à luz da Lei nº 9.074/95, como salientado anteriormente, contrato singular no contexto do setor elétrico brasileiro. Veja-se a redação da citada cláusula contratual:

Cláusula Quarta – As concessões de geração de energia elétrica reguladas por este contrato tem seu termo final estabelecido nos respectivos atos de outorga, conforme relacionados no Anexo I, garantida às aquelas ainda não prorrogadas, nesta data, a extensão do seu prazo. (Grifamos)

A ANEEL decidiu por recomendar ao Ministério das Minas e Energia o não conhecimento do pedido, ao argumento de sua intempestividade, o que foi acatado pelo órgão ministerial. Para o Ministério, a Empresa deveria ter baseado o seu pedido nos termos da MP 579, convertida na Lei nº 12.783/13. Ora, se estamos entendendo – e vamos demonstrar – que o nosso Contrato não está regido pelas novas normas, a Companhia não poderia submeter-se a regime jurídico a que não aderiu. Como demonstrado no parágrafo anterior, a prorrogação de que trata a MP, hoje Lei nº 12.783/13, art. 1º, dependia da aceitação expressa pelas concessionárias das condições ali impostas!

Se a Cemig não manifestou interesse, tampouco aderiu às novas regras da MP, não nos parece crível que fôssemos adotar o prazo ali previsto. Por óbvio, a Empresa aplicou o prazo da Lei nº 9.074/95, por ser o regime jurídico vigente à época do contrato.

Imperioso lembrar, do magistério do Prof. Marçal Justen Filho8, que “a outorga da concessão constitui ato jurídico perfeito, cujos efeitos se prolongam no tempo, mesmo que uma nova lei venha a ser adotada”, sendo certo que “seria impossível submeter uma concessão a regras diversas daquelas previstas na licitação que lhe deu origem”. Foi o que a Cemig fez: aplicou a regra vigente ao tempo do contrato que deu origem à sua concessão!

Como a concessão foi outorgada antes da Lei nº 12.783/13, o art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil e, no mesmo sentido, o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal são claros: a lei em vigor terá efeito imediato, respeitados o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Se a própria Lei de Introdução dispõe que lei nova não altera situação pré-constituída, é de se concluir que o novo regime jurídico não pode afastar o direito da Companhia de pedir a prorrogação com base no contrato celebrado em 1997.

Veja-se o paradoxo: o próprio Poder Concedente, a União, por meio de seu representante, o Ministro de Estado das Minas e Energia, à época, Raimundo Brito, assinou um contrato no qual expressamente apôs uma cláusula que garantia às concessões ainda não prorrogadas naquela data a extensão de prazo!

Segundo o Dicionário Aurélio, garantia é ato ou efeito de garantir; significa ato ou palavra com que se assegura obrigação, intenção.

Extensão, por sua vez, é: efeito de estender, ampliar; espaço de tempo; duração. Do que se conclui que estas palavras não foram utilizadas no contrato, à toa, sem razão. O sentido só pode ser um: assegurar à concessionária que o prazo de duração seria estendido, ampliado por 20 anos.

Ainda que se reconhecesse a faculdade da União de conceder, ou não, a prorrogação, em esforço de argumentação, o Poder Concedente a exerceu ao garantir, no Contrato nº 007/97, a prorrogação. O Ministério poderia não ter garantido a prorrogação do contrato ou mesmo não ter concedido a prorrogação. Mas, não foi o que fez.

Além do mais, o Contrato de Concessão da Cemig nº 007/97 também estabeleceu que o deferimento ou indeferimento do pedido de prorrogação “deverá ser feito com base em relatórios técnicos fundamentados emitidos pelo órgão de fiscalização, comprovando-se o descumprimento, pela concessionária, de suas obrigações legais.”

Decisão, portanto, a reclamar motivação! Quanto a isto, não se tem notícia de qualquer relatório nesse sentido. E a Cemig é referência na geração de energia no país, tendo sido premiada no ano passado com o Prêmio Nacional de Qualidade. Por isso, não se pode confundir discricionariedade, reconhecida ao Poder Concedente, com abusividade, arbitrariedade, rechaçada pela ordem constitucional do país.

A norma aplicável, por disciplinadora do Contrato de Concessão nº 007/97 da Cemig, é a Lei nº 9.074/95. A lei nova não pode desfazer os efeitos da Outorga por violação do princípio da segurança jurídica.

Neste sentido, a ilustre Ministra Carmem Lúcia, do STF, em recente decisão relativa à ADI 4917 MC/DF, apreciando a Medida Cautelar na aludida Ação Direta de Inconstitucionalidade, que trata das mudanças das regras de distribuição de royalties, entendeu que aplicar uma nova legislação a atos e processos aperfeiçoados segundo as normas vigentes de determinado contrato – como in casu – seria caso de retroação, senão vejamos:

Aplicar a nova legislação àqueles atos e processos aperfeiçoados segundo as normas vigentes quando de sua realização seria retroação, dotar de efeitos pretéritos atos e processos acabados segundo o direito, em clara afronta à norma constitucional do inc. XXXVI do art. 5º, antes mencionado.
Como indaguei em outra decisão, se nem certeza do passado o brasileiro pudesse ter, de que poderia ele se sentir seguro no Estado de Direito? Já se disse que o Brasil vive incerteza quanto ao futuro (o que é da vida), mas tem também insegurança quanto ao presente (o que precisa ser depurado para que as pessoas vivam o conforto da certeza das coisas, pois certezas das gentes não há), e o que é pior e incomum, também tem por incerto o passado.
A expressão normativa questionada põe em ênfase este dado: não seria dever do Estado, acatando a Constituição, que tem na segurança jurídica e no respeito incontornável e imodificável ao ato jurídico perfeito, garantir a certeza, pelo menos quanto ao passado e acabado, como se dá com as concessões feitas? (Grifamos)

Por derradeiro, há que se destacar que o Poder Conce­dente, no processo de elaboração das novas regras das concessões de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, deveria ter instituído uma regra de transição, como nas situações anteriores. Isto não foi observado na MP nº 579/2012, tampouco no processo de conversão da MP na Lei nº 12.783/2013, em que não foi adotada regra alguma para assegurar que os direitos das concessionárias não fossem prejudicados com a aplicação da nova legislação.

A imposição da aplicação das regras da Lei nº 12.783/13, sem nenhum prazo de transição, fere o princípio da proteção da confiança. Aliás, esta foi a posição da Presidente da República, quando vetou parcialmente o Projeto de Lei nº 2.565, de 2011 (nº 448/11 no Senado Federal), que modificou as Leis nº 9.478, de 6/08/97, e 12.351, de 22/12/10.

Em suas razões do veto, a Presidente assim se justificou:

As novas regras de distribuição dos royalties previstas no art. 3º do projeto, ao não ressalvar sua aplicação aos contratos já em vigor, violam frontalmente o disposto no inciso XXXVI do art. 5º e no § 1º do art. 2º da Constituição. (Grifamos)

Neste caso, a Lei nova não podia ser aplicada aos contratos já em vigor, por violação da Constituição (art. 5º, inc. XXXVI, e art. 20, § 1º). Contudo, para a prorrogação da Concessão da CEMIG, a lei nova, MP nº 579/12, convertida na Lei nº 12.783/13, “pode” ser aplicada ao Contrato assinado em 1997, ferindo direito já constituído. Vale a máxima: “dois pesos, duas medidas!”

4. A exigência constitucional do equilíbrio econômico-financeiro da concessão

O direito ao equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração está positivado no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal: as obras, serviços, compras e alienações serão contratados com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei.

A cláusula “mantidas as condições efetivas da proposta” consubstancia afirmativa – garantia constitu­cional da equação – de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a Administração e suas entidades. A recomposição desse equilíbrio deve ser procedida contratualmente. O prazo, portanto, do contrato administrativo de concessão de serviço público integra o valor da equação econômico-financeira da concessão. Isto, porque a amortização do investimento feito pelo contratado para a prestação de determinado serviço encontra base na tarifa.

O vencimento antecipado do contrato, ou sua não prorrogação, quando assegurada pelo contrato, como no caso, acarreta dano ao concessionário do serviço público, na medida em que deixa de receber receitas relativas ao período posterior ao vencimento antecipado da concessão, ou sua não prorrogação. Trata-se, aí, de receitas cuja percepção, em vista da amortização do investimento e obtenção de lucro, integrava o horizonte de previsibilidade e calculabilidade do concessionário em relação aos comportamentos da Administração.

Não é sem razão que a doutrina administrativista considera cláusula essencial do contrato administrativo, a que trata da equação econômico-financeira, núcleo verdadeiramente imutável do contrato administrativo. Quem haveria de sustentar que uma cláusula que garante a prorrogação do contrato por mais 20 anos não influa na remuneração e no retorno dos investimentos que foram realizados pela concessionária? A cláusula de prorrogação integra, sim, a equação econômico-financeira do contrato. A Companhia planejou, assumiu custos e investimentos, contando com a hipótese da prorrogação!

Nesse contexto, o direito à prorrogação foi incorporado ao patrimônio jurídico da Concessionária, a fundamentar o próprio equilíbrio econômico financeiro do Contrato. Qualquer alteração que desrespeite tais parâmetros ferirá o princípio da segurança jurídica e acarretará danos irreparáveis à Companhia.

5. A boa fé e a confiança legítima como cláusulas gerais do direito

A preservação da regra de prorrogação contratual, no caso presente, faz-se necessária ainda, diante dos primados da boa fé e da confiança legítima, princípios estes que devem reger as relações entre o Poder Público e seus contratados.

Tanto a legislação, quanto a jurisprudência, já consolidaram a aplicação do princípio da boa-fé nas relações administrativas. Encontram-se no Contrato de Concessão nº 007/97 da Cemig, todos os elementos configuradores da confiança legítima:

a) um comportamento objetivo do Poder Público (a assinatura de um contrato);

b) a manutenção no tempo, por prazo substancial, da conduta geradora da expectativa (estabilidade temporal do comportamento);

c) a impossibilidade de previsão pelo particular de conduta diversa, uma vez que sempre se suporá que a Administração atuará conforme a lei.

No presente caso, primeiro, houve direito assegurado à Companhia, pelo Poder Concedente, por um contrato; segundo, este direito estabilizou-se no tempo. Passaram-se 16 anos desde a assinatura do Contrato em 1997! Em momento algum, o Poder Concedente questionou esse direito da Cemig, que, por evidente, se consolidou, estabilizou- se no tempo! E finalmente, não seria crível à Concessionária esperar conduta diversa daquela geradora da expectativa, se poucos meses antes do nosso pedido de prorrogação, aliás, antes da própria MP 579, o Poder Concedente prorrogou a concessão de Serra da Mesa, de Furnas, e de outros ativos da própria CEMIG.

Portanto, está em jogo um bem muito maior a ser tutelado: a boa-fé e a confiança legítima. São cláusulas gerais do direito que não podem ser inobservadas. A boa-fé traduz o comportamento ético, de transparência e lealdade do Poder Concedente para com as concessionárias e agentes econômicos que atuam no setor elétrico. Portanto, é este mandamento ético que estamos lembrando ao Ministério das Minas e Energia. A lesão e o prejuízo decorrentes de sua decisão são muito graves! A CEMIG fundamenta o seu pedido com base na boa-fé com que sempre se pautou desde o início da concessão na confiança legítima que depositou no Poder Público. Esperamos que o Ministério, ao decidir, sinalize ao mercado, aos agentes econômicos, investidores, que, em nosso país, respeita-se, há lealdade com aqueles que contratam com boa-fé e confiam no Poder Público.

Segundo Luís Roberto Barroso9,

a boa fé traduz uma atitude de lealdade e transparência entre os partícipes de uma relação, sem a intenção de lesar, locupletar-se ou obter vantagem indevida ou irrazoável. É a versão jurídica do mandamento ético de respeito ao próximo, do qual se extrai o dever de tratar o outro com a mesma medida com que gostaria de ser tratado. (Grifamos).

6. Conclusão

Como exposto, além de a prorrogação do Contrato de Concessão nº 007/97, da Cemig, ter fundamento legal e ter sido concretizada em cláusula contratual específica, é fato que a Administração prorrogou, nos termos originais, as concessões de diversas usinas hidrelétricas da própria Cemig e da Usina de Serra da Mesa, de Furnas, inclusive em período recente, antes da edição da MP 579/12. Neste contexto, a quebra da confiança pode ocasionar grave desequilíbrio à equação econômico-financeira da concessão, não só pela necessidade súbita de redirecionamento de investimentos, mas também por impossibilitar o cumprimento de uma série de obrigações já assumidas com terceiros.

Fazemos nossas as palavras, mais uma vez, do Professor Luís Roberto Barroso:

A obrigação dos órgãos do Poder Público de não vulnerar a confiança legítima e de agir com boa fé é inerente ao Estado democrático de direito. Sob o regime constitucional, Estado e sociedade não podem ser vistos como antagonistas ou como polos opostos de uma relação conflituosa.10

É o que esperamos.

Notas ______________________________________________________________________

1 Decreto nº 24.643/34, art. 139: “O aproveitamento industrial das quedas de águas e outras fontes de energia hidráulica, quer do domínio público, quer do domínio particular, far-se-há pelo regime de autorizações e concessões instituído neste Código”.
2 Decreto nº 24.643/34, art. 157: “As concessões, para produção, transmissão e distribuição da energia hidroelétrica, para quaisquer fins, serão dadas pelo prazo normal de 30 anos”.
3 CF/88, art. 21: “Compete à União: (…) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: (…) b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos”.
4 V., e.g., Decreto nº 55.512/65, art. 1º: “É outorgada às Centrais Elétricas de Minas Gerais S.A. concessão para o aproveitamento de energia hidráulica do trecho do rio Paranaíba, compreendido entre pontos situados aproximadamente, o primeiro, a oito (8)Km à jusante da foz do Ribeirão dos Patos, afluente da margem esquerda e o segundo à jusante do canal de fuga da Usina de Cachoeira Dourada, nos Municípios de Cachoeira Alta e Santa Vitória, respectivamente nos Estados de Goiás e Minas Gerais, respeitados os direitos de terceiros.”.
5 CF/88, art. 175: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – a obrigação de manter serviço adequado”.
6 Lei nº 8.987/95, art. 42: “As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto no art. 43 desta Lei.
7 Lei nº 9.074/95, art. 25: “As prorrogações de prazo, de que trata esta Lei, somente terão eficácia com assinatura de contratos de concessão que contenham cláusula de renúncia a eventuais direitos preexistentes que contrariem a Lei nº 8.987, de 1995. § 1º Os contratos de concessão e permissão conterão, além do estabelecido na legislação em vigor, cláusulas relativas a requisitos mínimos de desempenho técnico do concessionário ou permissionário, bem assim, sua aferição pela fiscalização através de índices apropriados”.
8 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviços públicos. São Paulo: Dialética, 1997. p. 369.
9 BARROSO, Luiz Roberto. Mudança na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria Tributária. Segurança jurídica e modulação dos efeitos temporais das decisões judiciais. Disponível em http://www.luisrobertobarroso.com.br/wpcontent/LRB/pdf/parecer_mudanca_da_jurisprudencia_do_stf.pdf
10 Idem, ibidem.