Regra matriz de incidência do imposto de doações de competência estadual

7 de abril de 2021

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Um estudo de caso acerca da incidência do gravame sobre os contratos de doações de rede nas operações de concessionárias de energia elétrica

  1. Introdução 

Pretende-se com a presente investigação técnica jurídica discutir acerca da incidência e tributação do Imposto Estadual sobre Doações (ITCMD), nos termos da Lei nº 4.826, de 27 de janeiro de 1989, e suas alterações posteriores (Lei do ITCMD do Estado da Bahia), quando de operações realizadas pelas empresas concessionárias de Energia Elétrica, que, no intuito de operacionalizar e viabilizar o fornecimento de sua matéria prima – energia elétrica, nos termos do programa de eletrificação rural – Luz no Campo, vem a firmar e concretizar com os usuários e consumidores dos seus serviços, contratos sob a égide do direito privado – DOAÇÃO DE REDE, PARTICIPAÇAO FINANCEIRA DO CONSUMIDOR E SUBENÇÕES DESTINADAS A INVESTIMENTOS NO SERVIÇO CONCEDIDO, e as conseqüências fiscais da aplicação da legislação do setor elétrico (Lei n.º 10.848/2004, Decreto nº 5.163/2004, Resolução ANEEL nº 223/2003, que institui indenização ou restituição dos valores ou bens doados, enquanto causas legais que teriam o condão de desnaturar a operação de doação levada a efeito pelas concessionárias de energia elétrica.

Para tanto, firmamos nosso ponto de partida na análise semiótica do direito, quer seja na sua dimensão sintática, semântica e pragmática. Ademais, como afirma Paulo de Barros Carvalho: “a norma jurídica tem sido, muitas vezes, o ponto de referência para importantes construções interpretativas do direito” (in Direito Tributário Linguagem e Método. Edt. Noeses, São Paulo. pp126), para concluir que isto não afastou a abordagem pouco científica e metódica no enfrentamento do tema, sem buscar a sua essência, para de logo o autor propor uma abordagem exclusivamente normativista do fenômeno.

Porém, como o mesmo e festejado autor esclarece, o seu método, baseando-se nos aportes do giro lingüístico, ao qual nomeia de “construtivismo lógico semântico, “cingir-se-à manifestação do deôntico, em sua unidade monádica, no seu arcabouço lógico, mas também na sua projeção semântica e em sua dimensão pragmática, examinando a norma por dentro, num enfoque intranormativo, e por fora, numa tomada extranormativa, norma com norma, na sua multiplicidade finita, porém indeterminada”. (ob, cit. pp.127). Portanto, fica clara a apresentação dos instrumentos da semiótica a serem desenvolvidos na análise da teoria da norma e no enfrentamento da questão proposta nesse estudo.

Valemos, portanto, do método teórico explicativo da regra matriz, especialmente na seara do direito tributário, tão bem desenvolvido pelo Jus-filósofo Paulo de Barros Carvalho, para fins de submetermos os contratos de doações firmados entre concessionárias públicas de energia elétrica e usuários rurais dos serviços finais de fornecimento de energia no bojo dos projetos de eletrificação Luz no Campo de âmbito nacional e estadual.

  1. Do Arquétipo Constitucional e infraconstitucional do Imposto de Doações

Com efeito, prevê a Magna Carta constitucional promulgada em1988, quando do desenho estrutural do nosso sistema tributário no intuito benfazejo da distribuição das autosidades fiscais, no seu artigo 155, inciso I, o seguinte, in verbis:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

  1. “Transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;”  
  • 1º. O imposto previsto no inciso I:
  • Relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;
  • Relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicilio o doador, ou ao Distrito Federal;
  • Terá a competência para sua instituição regulada por lei complementar:
  1. Se o doador tiver domicílio ou residência no exterior;
  2. Se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior;

                       IV- terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal.

Assim sendo, o legislador baiano editou a Lei n. º 4826, de 27 de janeiro de 1988, que criou no Estado da Bahia o Imposto Sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos.

Podemos afirmar com os ensinamentos clássicos acerca deste imposto desenvolvido pelo saudoso professor Petrônio Baptista de Araújo, no seu livro “O Imposto sobre a Transmissão da Propriedade”, publicado em 1954 pela fundação Getúlio Vargas, que o imposto de sucessão existe desde a antiguidade, sendo a sua origem assinalada no Egito, entre 666 a 654 AC. C. Posteriormente foi trazido ao mundo ocidental pelos conquistadores romanos, com o nome de Vicesima hereditatum. Na Idade Média tributavam-se os bens decorrentes da morte do vassalo. O “rachat”, como era conhecido esse imposto no período medieval, conferia aos herdeiros do falecido o direito de uso e gozo do imóvel que, afinal, era propriedade do senhor feudal.

Todavia, o imposto sucessório com as características do nosso tempo surgiu especificamente na Inglaterra, com o “probate duty”, de 1694, e se destinava a gravar e tributar os bens móveis insusceptíveis de serem enfeudados, e recaía sobre a massa hereditária líquida.

Em 1796, acrescentou-se o “legacy duty”, que tributava cada cota sucessória, isoladamente considerada, restrito, porém, ainda, aos bens móveis.

A razão para não se tributar os bens imóveis com este imposto salta aos olhos, visto que a classe aristocrática era a detentora do poder e grande proprietária de bens de raiz.

Todavia, em 1889, na Inglaterra, foi completada a tributação do imposto de sucessões, que passou a gravar a herança global superior a 10.000 libras esterlinas, com a criação do imposto “esta te duty”.

No entanto, a nossa origem promana de Portugal, onde melhor poderemos observar a evolução do imposto de sucessões, que já existia anteriormente a 1661, desaparecendo, contudo, no período de ocupação francesa, com Napoleão, e ressurgindo em 1838, com a denominação de “Imposto de Transmissão por Título Gratuito”, modificada sucessivamente para “Contribuição de Registro de Título Gratuito”, por lei de 1860, e daí para “Imposto sobre Sucessões e Doações”, em 13 de abril de 1929.

No nosso Brasil, o imposto sucessório vem desde a época colonial, com a sua criação tendo origem em Alvará Régio de 1809.

Vale ressaltar que, inicialmente conhecido como “Imposto de Selo de Heranças e Legados” e “Décima” ou “Taxa de Heranças e Legados”, este tributo teve seu nome mudado para “Imposto de Transmissão de Propriedade”, pela Lei n.º 1507, de 26 de setembro de 1869, que também compreendia a transmissão inter vivos, por título gratuito ou oneroso.

Portanto, que, com o advento da República, este imposto foi deferido com exclusividade aos Estados Federados recém-criados.

A Constituição de 1934 manteve este imposto, porém atribuiu ao mesmo a feição da progressividade sobre heranças e a sua alíquota não poderia ser maior que 20%. A Constituição de 1937 manteve o mesmo imposto, porém sem limitação máxima de alíquotas.

Com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 05/1961, restou modificada a competência para cobrança do imposto sobre a transmissão de propriedade imobiliária inter vivos, que passou a ser exercida pelos municípios brasileiros.

A emenda constitucional Passos Porto (EC. n.º 18/65) trouxe nova roupagem ao velho imposto de sucessões, que passou a contar com a união dos fatos jurígenos concernentes à transmissão inter vivos, e que passou à competência exclusiva dos Estados (causa mortis e inter vivos) e, ainda assim, restou suprimida a possibilidade de cobrança sobre bens móveis. Estas alterações foram mantidas pela Constituição de 1967 e pela C.F de 1969.

Com o advento da Democracia e nova Constituição em 1988, o imposto voltou a ser dividido no relativo aos seus fatos jurígenos. Os Estados ficaram com a transmissão causa mortis e doações de quaisquer bens e direitos e os Municípios ficaram com a competência para cobrar imposto das transmissões onerosas inter vivos de bens imóveis.

Portanto, encontramos como fatos geradores do imposto de transmissão dos Estados às transmissões causa mortis de quaisquer, bens móveis ou imóveis, e de qualquer direito e também das doações – transmissões gratuitas de bens móveis e imóveis e demais direitos.

Destarte, nosso sistema tributário após a Constituição de 1998 alberga como competência dos Estados federados e Distrito Federal a tributação das doações. Assim, todas as transmissões gratuitas, de quaisquer bens e direitos, enquadram-se na moldura constitucional e poderão sofrer a incidência do imposto de doações.

Numa análise puramente econômica e de política fiscal, tal possibilidade se presta a corrigir grave erro financeiro e de política pública, quando se sabe hoje que parte da riqueza é móvel e também é transmitida via doações, além do que esse tipo de riqueza e conseqüente tributação servem para melhorar a distribuição de renda, como também padronizar a tributação à medida que equipara e padroniza a tributação dos bens móveis e imóveis e direitos recebidos gratuitamente, sem qualquer esforço , seja por parte do herdeiro ou legatário , seja por parte do donatário.

“Por isso se convencionou chamar este imposto de “transmissão gratuita”, uma vez que, quase sempre, são” atos que contêm a mesma substância em igual medida. Efetivamente, a sucessão e a doação são economicamente idênticas; numa como noutra se verifica o enriquecimento gratuito do adquirente” (Petrônio Baptista de Araújo, in Imposto sobre Transmissão , 1954).

A despeito da importância da materialidade traduzida na locução “transmissão causa mortis”, cingiremos a nossa análise aos fatos geradores da doação, já que este é o cerne da questão posta a nossa análise.

Com efeito, o primeiro obstáculo na construção da regra matriz de incidência do imposto de doações de quaisquer bens e direitos diz respeito à falta de previsão em lei complementar das normas gerais deste imposto, os fatos jurígenos, base de cálculo e contribuintes, obrigação, lançamento, crédito etc., porque em relação à transmissão causa mortis de bens imóveis e móveis e de direitos a eles relativos, o Código Tributário Nacional, que é lei complementar material, foi plenamente recepcionado.

Então, como todos são sabedores, a Constituição determina no seu art. 146, inciso III, a necessidade imperiosa de lei complementar para estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária.

A par da discussão acerca das posições doutrinárias favoráveis ou não à lei complementar como condicionante do exercício da competência tributária pelos estados e DF, restou o grave problema de saber se na ausência de lei complementar disciplinando até hoje a tributação de bens móveis e doações, poderiam os Estados Membros e o Distrito Federal legislar sobre a matéria, instituindo os seus tributos de doações.

Por mais óbvio que seja o exercício da competência constitucional de criar o tributo ou de integrar as suas hipóteses de incidência caberá aos estados-membros ou ao Distrito Federal, que poderão legislar criando seus impostos, e a edição de lei complementar prestar-se-á para, na forma do inciso III, do art. 146 da CF, dirimir conflitos de competência ou regular as limitações ao poder de tributar, visto que assim autoriza o princípio federativo e o republicano, corroborados que restaram pelo Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, ao estabelecer no seu art. 31 e § 3º, 4º e 5º que, com a entrada em vigor do novo sistema tributário, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderiam editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nelas previsto.

A competência concorrente prevista no art. 24, inciso I da CF, autoriza a edição de normas para atender a suas peculiaridades, bem como a omissão legislativa do Congresso Nacional também segue no mesmo sentido, ademais, assim tem sido o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no tocante à criação do IPVA e ao adicional estadual do imposto de renda extinto pela Emenda Constitucional n.º 03/93 (RE 236.931-8/SP. Rel. Min. Ilmar Galvão.)

Resumindo, não resta dúvida de que inexistindo lei complementar dispondo sobre normas gerais para os impostos sobre transmissão causa mortis e doação de bens móveis e direitos, os Estados e o Distrito Federal poderão editar suas leis, por se tratarem de entidades federativas detentoras da competência impositiva plena e complementar e pelo princípio republicano. Assim, mais uma vez na esteira do permissivo constitucional, o Estado da Bahia criou o seu imposto de transmissão causa mortis e doações.

Importa, agora, estabelecer o desenho e as estruturas da imposição fiscal incidente sobre doações, construindo a sua regra matriz com base na Lei n.º 4826/89 e disposições constitucionais aplicáveis, para, afinal, respondermos às questões suscitadas na presente consulta.

  1. 1 Do Critério material do imposto de doações:

Com efeito, em relação ao primeiro aspecto da regra matriz do ITD, diz a segunda parte do inciso I do art. 155 da CF, que este imposto terá como materialidade a doação de quaisquer bens e direitos. Assim, o verbo “doar” e o seu complemento “quaisquer bens e direitos” caracterizam a materialidade desta hipótese.

Ao se falar em campo de incidência do ITBI, que nós adaptamos para o imposto de doações, “já estamos, como diz Paulo Celso Bergstrom Bonilha (in ITBI: aquisição do imóvel por mandatário. Direito Tributário e o Novo Código Civil, Ed. Quartier Latin, São Paulo, 2004), pisando no terreno do direito tributário, mas continuamos em seara delimitada pelos conceitos de direito privado. O texto da Lei Maior utilizou, na demarcação do campo impositivo, institutos sedimentados e disciplinados pela lei civil: a propriedade, direitos reais, como se dá a transmissão desses bens e a cessão de direitos em espécie”, bem como de novo acrescentamos, por pertinência, o instituto civil da doação. “Eis porque não pode a lei tributária, sob pena de manifesta inconstitucionalidade, alterar-lhes a fisionomia ou compostura que lhes foi atribuída pelo direito privado”.

A citação foi longa, todavia pela autoridade do seu emissor, bem como pela tradução da mensagem legislativa do art. 110, que diz que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privados utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas constituições dos Estados ou pelas leis orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias”, impõe-se a definição do instituto civil da doação como conceito plasmado no direito privado civilista brasileiro e expressamente usado pela constituição republicana de 1988, para fins de delimitação da competência dos Estados e Distrito Federal.

Vale aduzir, que o papel do intérprete e a função de interpretar serão cruciais ao processo de intelecção da regra matriz do imposto de doações. Contudo, reafirmamos que a interpretação era aplicada, primordialmente, a textos sagrados (hermenêutica teológica), literários, filosóficos, históricos (documentos, epigrafia, monumentos) e jurídicos, evidentemente. Neste sentido, o intérprete se enfrenta com um texto cujo conteúdo, e, sobretudo seu sentido e finalidade, deve-se entender e aclarar para aplicá-lo.

É como ensinou Pablo Verdú: “A congruência da vida social com as normas constitucionais que integram um ordenamento, sua aplicação efetiva, sua virtualidade, tudo depende do modo como são interpretadas as normas, “La norma a sua volta sarà sempre quale è interpretata”. Nenhuma norma escapa à operação interpretadora. O axioma” in claris non fit interpretatio” não é exato. Um preceito que parece óbvio em um dado momento pode tornar-se complicado e mesmo nebuloso, podendo extrair-se de sua aparente claridade conseqüências jurídicas inicialmente não pensadas. Se todo direito positivo fosse evidente por si só, ele seria supérfluo.” (in O Sentimento Constitucional. Forense, Rio de Janeiro, 2004. Trad. Agassiz Almeida Filho).

O Direito, como é peculiar aos objetos culturais, “se constrói e se constitui mediante sua comunicação, de maneira que sua força normativa só fará presente e restará assegurada na medida do êxito do processo comunicativo, que em primeira instância passa pela suas dimensões semântica, sintática e pragmática, especialmente pelo seu veículo máximo de     repasse de idéias – a Constituição.

Não é senão a idéia preconizada por Guido I. Risso, quando assevera com propriedade que: “por consiguiente La fuerza normativa Del derecho no depende tanto de las normas y de los respectivos mecanismos de control, como de La propia contingencia de su estabelecimiento cognitivo. ES por ello que poponemos reemplazar El concepto de norma o expectativa normativa por El expectativa cognitiva. (…) Partiendo Del supuesto básico que El derecho como subsistema Del sistema social global siempre se forma a través de La comunicación mediante procesos de selección y exclusión múltiples que se determinan unos a otros por medio de La antecipación o La reacción.” (in Comunicación Constitucional y Fuerza Normativa. Edt. EDIAR, Buenos Aires, Argentina, 2006).

Portanto, enquanto conceito legal e doutrinário, por doação, deve-se entender “donatio – ato pelo qual alguém transfere um bem de sua propriedade para outra pessoa, a título gratuito” (Dicionário Jurídico. Maria Chaves de Mello, Ed. Elfos, Rio de Janeiro, 1998. De igual forma, a mesma conceituação estipulativa e semântica encontramos na obra” Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva, Ed. Forense, Rio de Janeiro, 2002, no verbete doação: Derivado do latim “donatio”, de donare – dar, brindar, presentear, bem exprime o vocábulo, por sua etimologia, o ato de liberalidade, pela pessoa que dispõe de bens ou vantagens integradas em seu patrimônio em benefício de outrem, que a aceita.”

Portanto, pressupõe a doação a existência de um contrato unilateral, porque se forma da vontade exclusiva do doador, pelo qual se aliena ou se transfere para outrem, a título gratuito, coisa que pertencia ao doador.

Ademais, a doação pressupõe bens ou vantagens; assim, poderá a mesma ser constituída de qualquer coisa ou direito, seja corpórea ou incorpórea, desde que pertencente ao doador e que pro mane de ato de pura liberalidade sua.

Doação, no dizer de Carlos Lasarte, citado por Silvio Venosa, “é a transmissão voluntária de uma coisa ou de um conjunto delas que faz uma pessoa, doador, em favor de outra, donatário, sem receber nada como contraprestação”. Assim fixado o seu caráter contratual, a bilateralidade lhe é ínsita, ainda que, aparentemente, possa não ser perceptível outra vontade, qual seja a do donatário.

Portanto, a doação é, sem sombra de dúvida, contrato peculiarmente: a) gratuito, pois traz beneficio ou vantagem apenas para uma das partes, o chamado donatário. O animus donandi (intenção de doar) estará permeando todo o ato, ainda quando presente uma contrapartida por parte do favorecido, como sói ser o caso da doação remuneratória ou modal; ela nunca deverá ser caracterizada como contraprestação.

Ademais, podemos afirmar que a doação tem uma segunda característica: b) é um contrato unilateral, visto que cria obrigações apenas para o doador; ainda que presente o encargo à doação, a mesma não se desvirtua.

Por fim, o contrato de doação é via de regra, formal. Assim normatiza o art. 541 do Código Civil, que atribui o formato de escritura pública ou instrumento particular para a sua validade, salvo a doação verbal aceita sobre bens móveis e de pequeno valor, se lhe seguir incontinenti a tradição.

Devemos então aduzir com a melhor doutrina que nos contratos de doação encontraremos 02 (dois) elementos constitutivos, a saber:

  1. Elemento subjetivo – é a manifestação da vontade de efetuar a liberalidade – o animus donandi;
  2. O elemento objetivo caracterizado pela diminuição do patrimônio do doador que se agrega ao ânimo de doar.

Neste sentido, a regra matriz de incidência do vetusto imposto sobre doações, encontra correspondência na legislação italiana, onde são destacadas preocupações cruciais para a configuração legal do conceito de doações.

“L´, innovazione, sebene sai passata inosservata ai primi commentatori, assume particolare rilevanza in quanto riduce l´orbita di assoggeattamento al tributyo. Giova, infatti, ricordare Che non ttuti gli atti gratuiti sono liberalità, essendo la categoria generale più ampia ( pur nella diversità delle posizioni, la dottrina civilistica è concorde nel considerare il negozio gratuito come il genere, la liberalità, la specie, e la donazione, la principale liberalità: così A. Torrente ( in Le donazioni – Trattato di diritti civile. Milano, 1964). Prescindendo, in   questa sede, da problematiche di ordine, generale, è opportuno precisare che nell’atto gratuito non vi è interdipendenza fra le prestazioni a cui lê parti sono reciprocamente tenute, difettando la conessione giuridica fra i reciproci vantaggi di caratterre patriomoniale´. L’atto di liberalità invece, oltre a presupporre la mancanza del sinallagma, indice inequívoco di onerosità, si caratteizza per il fatto che l’ arricchimento di una delle parti `e disposto con animus donandi”   ( in Il Diritto Tributario – Commento al testo unico delle imposte sulle sucessioni e donazioni. Coordinato da Antonio e Victor Uckamar e Nicola D’amati. CEDAM, Italy. 1996.)    

Caracterizado o contrato de doação e seus elementos compositivos, resta saber como identificar na prática um contrato de doação, uma vez que, se em vários momentos o conteúdo do contrato de doação é claro, em outras oportunidades essa forma contratual não é facilmente identificável ou ostensiva, como, por exemplo, aparentemente se apresentam os contratos e operações atribuídas Às concessionárias de energia elétrica.

Falamos em “aparente” porque em todas as suas formas claro resta os elementos caracterizadores do contrato de doação realizados pelas concessionárias de energia elétrica na forma apresentada aqui. De qualquer modo, o novo Código Civil Brasileiro de 2002, modificando a redação do art.1165 do antigo Código Civil, manteve a substancialidade do instituto da doação, suprimindo apenas a última locução do artigo revogado, que, sem necessidade aparente, condicionava a sua validade à aceitação do donatário. Assim, o novo art. 538, testifica a doação:

“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”  

Aqui chegando, podemos afirmar que muitos atos de liberalidade não se constituem em doação, posto que lhes faltasse à vontade precípua de doar. Citamos, por exemplo, o caso do comodato, onde alguém recebe algo de outrem, porém sem a vontade de transferência do domínio.

O que também caracteriza a doação é a gratuidade na obrigação de transferir um bem, sem recompensa patrimonial. Todavia não devemos confundir essa ausência de patrimonialidade com a noção de desinteresse, já que por trás de cada doação sempre haverá um interesse remoto no ato da liberalidade da doação, cuja avaliação, esta sim, é despicienda e irrelevante para o direito. Afinal, são motivos de ordem religiosa, política, científica, desportiva, afetiva, amorosa etc., que não dizem respeito à lei.

Ainda assim, não devemos perquirir os motivos que ensejam as doações, porque nem mesmo, como afirma o professor Silvio Venosa, com base em lição de Guilhermo Borda, a expectativa de receber benefícios indiretos suprime-lhe o caráter de liberalidade, pois, se assim procedêssemos, estaríamos valorizando o motivo que o nosso direito não leva em consideração como elemento do contrato, e que não se deve confundir com a causa ou objeto do contrato.

Outro aspecto relevante a considerar para o deslinde da consulta posta a nossa análise é de que a doação, ao contrário dos contratos onerosos, não se perfaz, não se realiza, tendo por objetivo a contraprestação patrimonial.

Contudo, os céticos poderiam aduzir em abono das suas teses com a estipulação de encargos nos contratos de doações para derrubar por terra a premissa supracitada. Todavia, este não é o entendimento esposado pelo novo Código Civil Brasileiro, aliás, seguindo o previsto anteriormente no código revogado, diz o art. 540 do Código pátrio que “a doação feita em contemplação do merecimento do donatário não perde o caráter de liberalidade, como não o perde a doação remuneratória, ou a gravada, no excedente ao valor dos serviços remunerados ou ao encargo imposto.”

No mesmo sentido são os julgados dos nossos tribunais;

“Doação – Encargo de destinar a área doada à educação agrícola de órfãos e desvalidos – obrigação não cumprida por mais de noventa anos – Ilegitimidade da Prefeitura Municipal de Lorena e de exigir o cumprimento do encargo a pretexto de conceder licença para realização de loteamento nas áreas objeto da doação – Decurso do tempo que consolida a propriedade como direito da impetrante – Exigência que, assim, não mais se justifica – Segurança concedida em primeiro grau – Recurso não provido” (TJSP – Apelação Cível 37.328-5 – Lorena – 7ª Câmara/ julho/98. Rel. Des. Rui Cascaldi).

Em outras palavras, a estipulação de um encargo a ser cumprido pelo donatário não desvirtua o caráter de gratuidade do contrato de doação que cria obrigações apenas para uma das partes, o doador, já que a existência de encargo eventualmente determinado constitui simples modus – encargo.

Afirma o magistério de Silvio Rodrigues que devemos entender por encargo “a restrição à vantagem criada para o beneficiário de um negócio jurídico, quer estabelecendo o fim a que se destina a coisa adquirida quer impondo uma obrigação ao favorecido em benefício próprio do instituidor, ou de terceiro ou da coletividade anônima, que, todavia não pode se constituir em contraprestação (…) menos, portanto, que um correspectivo recebido, é mais do que uma recomendação ou um conselho ao beneficiado, porque feito com caráter impositivo, e sancionado pela exigibilidade a que o obrigado se sujeita.”

Ainda assim, os encargos que podem deixar intacto o valor patrimonial da liberalidade ou abranger uma parte, ou esgotar todo o valor recebido. Logo, o encargo não poderá ser confundido com a contraprestação, pois, se assume este último aspecto, perde aquela significação, ou seja, passa a ser contrato oneroso. Ademais, o encargo deve ser lícito e possível, uma vez que, se assim não o for, encerrará a anulação por não escrito. O efeito do encargo é possibilitar a exigência do seu cumprimento pelo próprio instituidor ou seus herdeiros, ou pelas pessoas beneficiadas. Afinal o seu descumprimento gerará duas ações. A primeira tendo por finalidade a exigência do seu cumprimento e a segunda, visando à revogação do negocio modal.

Conceituados e caracterizados os elementos da doação e o que devemos entender por encargos, resta definir quais os tipos de contratos de doação existentes, buscando-se enquadrar as hipóteses sub consulta.

Classificam-se as doações em: a) pura ou simples (diz-se daquela que é feita em mutação de bem no propósito de favorecer o donatário, sem nada lhe ser exigido, ou de subordinação extraordinária ou sob condição); b) doação modal ou com encargo (diz-se daquela que, sem prejuízo da vontade livre de doar, contém imposição de um dever ao donatário, que deverá cumpri-lo diretamente ao doador, a terceiros, ou a alguém indeterminado); c) doação remuneratória (aquela que se efetua com o propósito de recompensar serviços recebidos pelo doador e atribuídos ao donatário); d) doação em contemplação do merecimento (a que se baseia não na recompensa do donatário, mas no apreço especial que tem o doador pelo mesmo, como forma de agraciá-lo; e) doação mista, doação condicionada, doação indireta, doação simulada.

Como todo negócio jurídico, no CONTRATO DE DOAÇÃO DE REDE (operações) firmado pelas concessionárias de energia elétrica com os usuários/consumidores ou potenciais consumidores, geralmente localizados em zona rural ou em áreas de expansão urbana nova, estes últimos assumem e constroem com recursos próprios um trecho da rede de distribuição de energia elétrica a partir do ponto em que se encerra e/ou é o ponto mais próximo da rede elétrica da concessionária até o seu medidor, comprometendo-se e até mesmo assinando termo de doação de todos os equipamentos e bens empregados na construção e complementação da aludida rede para a Concessionária, que fornecerá a energia elétrica que, mesmo assim, passa a ser cobrada do usuário; condição similar ocorre no contrato de PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CONSUMIDOR, em que o usuário ou tomador do serviço paga a Concessionária um valor correspondente ao custo da obra necessária para a construção e extensão da rede elétrica existente a partir do ponto final da rede da concessionária até sua unidade residencial ou empresarial (quadro de medição), sendo que o usuário ou tomador de serviço não receberá nada em troca, e os bens utilizados na aludida extensão serão incorporados ao patrimônio da empresa concessionária de energia elétrica, constituindo-se em contratos de doação modal, visto que os requisitos para tais tipos de contrato, na forma exaustivamente prevista no Código Civil Brasileiro para esses tipos de avenças (ex vi do art. 538 usque 564) estão todos os presentes, a saber:

  1. Liberalidade ou animus donandi caracterizado pela vontade livre e desimpedida e pela possibilidade de conduta diversa a cargo do doador, mas com opção em última instância na translação de seu patrimônio em beneficio do donatário;
  2. Unilateralidade traduzida pela obrigação da transferência da rede construída ou de doação de dinheiro (bens móveis) para o donatário;
  • Forma prescrita em lei. Contrato por instrumento particular, posto que se trate de bens móveis e não se configura a hipótese da doação verbal do art. 541, Parágrafo único.

Portanto, não resta dúvida que a materialidade prevista na lei de regência do imposto estadual sobre doações (Lei n.º 8.426/89) – doar quaisquer bens e direitos, encontra-se exaustivamente prevista na hipótese normativa, ainda que relacionado a encargo imposto à favorecida – concessionária de energia elétrica, vez que o encargo determinado – proceder-se a ligação da rede doada com a rede de fornecimento de energia elétrica do donatário, não desnatura o modus e não se assemelha à contraprestação imposta ao beneficiário, visto que não haverá correspondência financeira ou econômica entre os bens transferidos (rede elétrica construída) e o encargo livremente assumido pelo donatário.

Além disso, no exercício da sua competência legislativa suplementar, só para citar um exemplo legal, o Estado da Bahia disciplinou os respectivos fatos geradores deste imposto estadual (Lei n.º 4.826/89. ITD) para abarcar também as doações, inclusive aquelas com encargos, senão vejamos:

“Art. 2º Para efeito desta Lei considera-se doação qualquer ato ou fato, não oneroso, que importe ou resolva em transmissão de quaisquer bens ou direitos.” 

  • “1º A estipulação de condições de fazer não desvirtua a gratuidade da doação.” 

Desse modo, podemos concluir que um dos aspectos material da regra matriz de incidência do imposto ITD é a doação (transmissão gratuita inter vivos) de quaisquer bens ou direitos, no que se enquadra na própria tipicidade da lei estadual as operações de doação de rede ou participação financeira do consumidor, tecnicamente chamados de contratos de doação modal, como já explicitamos acima.

  1. 2 Do Critério temporal do imposto de doações:

Comprovada a materialidade do imposto de doações, cabe-nos testar a procedência da regra matriz no tocante ao aspecto temporal do ITD. Assim sendo, devemos entender que este aspecto diz respeito ao marco de tempo revelado pela norma fiscal em que se dá a ocorrência do fato gerador.

Tratando-se de bens imóveis sujeitos a doações, o momento de ocorrência será o previsto na Lei n.º 6.015/73, ou seja, o momento do registro do título aquisitivo junto ao cartório de imóveis e/ou preenchimento da respectiva guia de doação.

  1. 3 Do Critério espacial do imposto de doações:

O critério espacial apresentará o lugar específico e preciso em que aconteceu a materialidade (verbo + complemento – doar bens móveis – rede elétrica). No caso das doações, por força da regra constitucional, haveremos de distinguir as doações de bens imóveis e bens móveis.

Quanto aos bens imóveis, diz a CF que compete ao Estado à situação dos bens ou ao Distrito Federal.

Com relação aos bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado, onde possuir domicílio o doador, ou ao Distrito Federal. Todavia, se o doador residir ou possuir domicílio no exterior, caberá à lei complementar dispor acerca da matéria. Como no caso do ITD não existe, até a presente data, lei complementar para tanto, o Estado da Bahia editou sua lei,que, no uso da competência suplementar para regulação extraordinária , estipulou que o local será o do domicílio do donatário, no caso de o doador possuir domicílio ou residência no exterior ( “ex vi” do art. 8º, inciso II, alínea “b” da lei n.º 4.826/89).

  1. 4 Do Critério pessoal   do imposto de doações:

Quanto ao sujeito ativo, que será o credor da obrigação tributária, tendo, portanto, o direito subjetivo de exigir o tributo de doações, pelo desenho constitucional das competências tributárias, afirmamos, com base na Carta Magna, que serão os Estados e o Distrito Federal os sujeitos ativos do ITD.

Por seu turno, o sujeito passivo será aquela pessoa de quem se exigirá o cumprimento da prestação, ou seja, quem terá, por lei, a obrigação ou dever jurídico de cumprir e programar a prestação pecuniária, dando aos Estados e ao Distrito Federal certa quantia em dinheiro.

  1. 5 Do Critério quantitativo do imposto de doações:

 

  1. a) base de cálculo – para os bens imóveis, vale o mesmo raciocínio desenvolvido no item anterior – critério pessoal. O CTN, no seu art.38, define que a base de cálculo será o seu valor venal.

A base de cálculo para bens móveis sujeitos a doação também se submete, por falta de lei complementar para tanto, aos ditames suplementares dos Estados e Distrito Federal. Assim sendo, o Estado da Bahia definiu como base de cálculo, na sua Lei n.º 4.826/89, pela dicção do seu art. 10, o seguinte:

Art. 10. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos à época da ocorrência do fato gerador, apurado mediante avaliação de iniciativa da Secretaria da Fazenda, com base nos valores de mercado correspondente ao bem, ressalvado ao contribuinte o direito de requerer avaliação contraditória administrativa ou judicial.

  1. b) alíquotas – as disposições constitucionais deste imposto de doações – art. 155, § 1º, inciso IV, formalizaram a competência do Senado Federal na fixação das suas alíquotas máximas. Com efeito, a Resolução n.º 09/92 do órgão senatorial fixou as alíquotas máximas deste imposto em 8%.

Porém, vigora no Estado da Bahia, conforme Lei n.º 4.826/89, no seu art. 9º, que as alíquotas do ITD, nas doações de quaisquer bens ou direitos, serão de 2% (dois por cento) sobre o valor tributável.

  1. DAS CONCLUSÕES FINAIS

Em arremate, podemos asseverar que: 

  1. Podemos afirmar que à natureza jurídica das operações realizadas pelas Companhias de Energia Elétrica Estaduais, cognominadas de:
  2. a) DOAÇÃO DE REDE: Operação em que o consumidor ou potencial consumidor, geralmente localizado em zona rural ou em áreas de expansão urbana nova, assume e constrói com recursos próprios um trecho da rede de distribuição de energia elétrica a partir do ponto em que se encerra e/ou é o ponto mais próximo da rede elétrica da concessionária até o seu medidor, comprometendo-se e até mesmo assinando termo de doação de todos os equipamentos e bens empregados na construção e complementação da aludida rede para a Concessionária, que fornecerá a energia elétrica, que, ainda assim, passa a ser cobrada do usuário; e
  3. b) PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA DO CONSUMIDOR: Operação em que o usuário ou tomador do serviço paga ao concessionário um valor correspondente ao custo da obra necessária para a construção e extensão da rede elétrica existente a partir do ponto final da rede da concessionária até a sua unidade residencial ou empresarial (quadro de medição), sendo que o usuário ou tomador não receberá nada em troca e os bens utilizados na aludida extensão serão incorporados ao patrimônio da empresa concessionária de energia elétrica, se enquadram, pelos excertos doutrinários e jurisprudenciais trazidos a colação no presente estudo e tendo em vista as imposições de ordem legal do disposto no art. 155, inciso I da CF/88; art. 109 e art.110 do Código Tributário Nacional e art. 1º e art. 2º da Lei Estadual n.º 4.826/89, em hipóteses de doações modais, ou por encargo, logo se sujeitando a incidência do gravame estadual sobre doações, posto que preenchidos todos os critérios e/ou aspectos da regra matriz de incidência tributária do aludido tributo.
  4. Que, a despeito dos esforços levados a cabo pelos prepostos fiscais das Unidades Federativas em que se apresentam os fatos jurígenos dantes narrados, as operações tipificadas como “SUBVENÇÃO DESTINADA A INVESTIMENTOS NO SERVIÇO CONCEDIDO” não se enquadram, a nosso ver, na hipótese de doações puras e simples, e muito menos na de doação modal.

O nosso convencimento está gizado no que dispõe o Código Civil brasileiro quando trata e conceitua doação como ato contratual envolvendo uma pessoa que, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. (art. 538).

Entendemos que não se encontra no ato administrativo plenamente vinculado das subvenções previstas na Lei n.º 4.320/64, e na lei das concessões públicas, o principio da liberalidade ínsito dos contratos de doações, bem como o animus donandi caracterizada pela vontade livre e desimpedida e pela possibilidade de conduta diversa a cargo do doador, posto que as subvenções requeiram ainda autorização legislativa específica.

Ademais, por subvenção, devemos ter por conceito estipulador legal as transferências destinadas a cobrir despesas com custeio das entidades beneficiadas, distinguindo-se as subvenções sociais e as subvenções econômicas, que são aquelas que se destinam a empresas públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola ou pastoril (ex vi do art. 12, § 3º, incisos I e II da Lei n.º 4.320/64).

Portanto, trata-se de contrato de prestação de serviços submetido única e exclusivamente ao regime de direito público, especialmente normatizado pela Lei n.º 8.987/95, que trata das concessões de serviços e que exige plano de aplicação e investimento para as subvenções/aportes financeiros efetuados pelo poder público, que, inclusive, deverá acompanhar a sua execução e contraprestação efetuada pelo prestador dos serviços, nos termos do art. 37 da Constituição Federal.

De igual forma, não vislumbramos a unilateralidade traduzida pela obrigação da transferência de certa quantia em dinheiro, a título de investimento, como propriamente conceitua a sua lei de regência (lei de orçamentos) para o donatário, posto que o donatário tenha também que garantir a contraprestação efetiva e correspondente ao investimento realizado pelo Estado, não a um só usuário especifica, mas a todos os usuários e consumidores, indeterminados, do serviço concedido.

Portanto, existe a previsão contratual no Termo de Concessão do Setor Elétrico do aporte de recurso a ser feito pelo poder público visando à consecução de programas específicos de interesse de governos locais ou regionais e/ou nacional.

Porém, entre confundir o instituto das subvenções e/ou contribuições do setor público com doação pura ou modal, vai uma abissal diferença, posto que na natureza jurídica das subvenções aqui descrita encontrássemos encargos financeiros claros a serem cumpridos pelos concessionários e que em última análise desvirtuam o seu caráter não remuneratório e modal.

Aduzimos, também, com a previsão contratual do acordo de concessão das empresas de energia elétrica, e as da Lei das Concessões sob n.º 8987/95, que estabelece que nem todos os bens são reversíveis ao fim da concessão, todavia, os bens vinculados ao serviço (aqueles realizados pela Concessionária e efetivamente utilizados na prestação dos serviços), deverão sempre retornar ao patrimônio da Concedente.

Todavia, como sabemos de antemão quais os bens que não foram consumidos ou desgastados durante a execução do serviço concedido, o que poderia suscitar dúvidas quanto ao seu caráter de doação, ou os que não poderiam ser acrescidos ao patrimônio da concessionária ou concedente. A doação não pode ser qualificada, quase sempre, pela destinação dada ao bem doado, e sim pela natureza do encargo assumido e pelo seu caráter modal ou não, o que in casu se torna impossível nesta simples abordagem técnica jurídica.

III. Portanto, aos problemas apresentados e após a sujeição ao método hipotético normativo e estudo de caso, impõe-se respostas, em parte, favoravelmente à tributação (itens I e II) e ao enquadramento das operações das concessionárias ao imposto de doações.