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Uma CPI absolutamente desnecessária

5 de maio de 1999

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(Discurso proferido por ocasião da posse dos Desembargadores Federais Alberto Nogueira, Arnaldo Esteves Lima e Frederico José Leite Gueiros no Tribunal Regional Federal da 2a Região)

“Tomam posse hoje, como Presidente, Vice-Presidente e Corregedor, os Exmos. Srs. Desembargadores Federais Alberto Nogueira, Arnaldo Esteves Lima e Frederico José Leite Gueiros. Falar sobre os méritos de Suas Excelências, seria discorrer sobre o óbvio. Todos que aqui militam bem os conhecem, e sabem que estão excepcionalmente qualificados para as altíssimas responsabilidades que agora aceitam.

É uma tranquilidade para todos nós, e, principalmente, para os jurisdicionados, que assim seja. Isto porque Suas Exas. assumem os honrosos cargos em uma época em que o Poder Judiciário é alvo de violenta campanha difamatória por parte de alguns que, com larga folha de serviços prestados a extinta ditadura, buscam, enganando, mentindo, e distorcendo, o voto fácil dos desinformados!

É notório que o Judiciário tem deficiências. Mas, de um modo geral, será culpa dos juízes?

Há lustros se diz que a Justiça é morosa, e se aponta o absurdo de processos levarem anos até que transite em julgado a decisão final. Realmente, não deveria ser assim. Mas, também é certo que o Brasil, país de dimensões continentais e população numerosa, não conta, sequer, com 10% do número de juízes que seria razoável.

Quando se fala em deficiência do número de magistrados, se fala, igualmente, na carência de servidores cartorários, pois pouco poderá fazer um juiz se não contar com diretores de secretaria, técnicos e oficiais de justiça. No entanto, todos sabemos que existem juízes de Direito que acumulam diversas comarcas, trabalhando com funcionários de prefeituras fazendo as vezes de ‘escrevente’, e pessoas estranhas aos quadros do funcionalismo, como ‘oficiais de justiça ad hoc’. De quem é a responsabilidade por este quadro de indigência? É, certamente, de quem possui ‘a chave do cofre’, e este, nem no plano federal, nem no estadual, é o Poder Judiciário, que não tem receita própria, salvo a parte que lhe é destinada nas custas judiciais.

Dizem alguns que, ante o contingenciamento de recursos, é necessário alterar a legislação adjetiva, suprimindo-se recursos e tribunais, para que os feitos tenham tramitação mais célere. Pretende-se, assim, em nome da celeridade, sacrificar a qualidade da prestação jurisdicional. Sem entrar no mérito da proposta (que, por enquanto, está sendo colocada em termos vagos), deve ser lembrado que a reforma de códigos não se inclui na competência dos Tribunais, e que, boa parte dos que hoje afirmam excessivo o número de tribunais e recursos votou, na Constituinte de 1988, favoravelmente ao texto que assegurou existência destes recursos e tribunal.

É, pois, de se indagar por que, de um momento para outro, se levanta esta celeuma, com tanta agressividade, quanta a problemas tão antigos quanto a própria República. É necessário que se denuncie que o objetivo principal não é aperfeiçoar a instituição, quer sob o aspecto da eficiência, quer sob a aspecto da moralidade, mas retaliar em face da postura digna e independente com que, em regra, a Magistratura aprecia as reclamações dos cidadãos jurisdicionados contra os abusos de poder. A esta independência são avessos certos áulicos, especialmente quando o abuso visa sacrificar ainda mais o funcionário público, que, dependesse da vontade de alguns poderosos, estaria hoje reduzido a condição análoga a de escravo! E, já que estamos falando em remuneração de uma categoria de trabalhadores, falemos, também, sobre as demais, manifestando perplexidade quanta a pretensão de se extinguir a Justiça do Trabalho, a pretexto de acabar com os juízes classistas e atacar casos de nepotismo.

Nada impede que se suprima a obsoleta participação de leigos na distribuição da justiça nem que se modifique critérios para preenchimento de cargos de confiança. Mas, e o poder normativo da Justiça do Trabalho, exercido através dos julgamentos dos dissídios coletivos? Quem, na falta do TST, dará ao obreiro o mínimo de proteção que a lei ainda permite contra a política de arrocho salarial vigente desde 1964 até hoje?

Como a já sobrecarregada justiça comum poderia arcar com a pletora dissídios individuais, de reduzida expressão econômica, entre empregados e empregadores?

É preocupante que esta campanha tenha resultado em uma CPI absolutamente desnecessária, pois se propõe a investigar irregularidades que já são notórias, e que foram, ou estão sendo, objeto das providências legais, por iniciativa do Ministério Público ou do próprio Judiciário. Tal preocupação decorre, não apenas do viés eleitoreiro que poderão tomar os trabalhos desta comissão, como, principalmente, de estar sendo noticiado, na imprensa, que o nobre Senador que a idealizou estaria colecionando manifestações de inconformismo, de partes vencidas, contra sentenças, e acórdãos.

O Senado não é, nem pode ser, instância revisora de decisão judicial. Nenhum juiz, nenhum tribunal, deve satisfações a Senador sobre as razões que o levaram a julgar uma ação procedente, ou improcedente. É obrigado, isto sim, a expor no próprio decisório seus fundamentos, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da Constituição Federal) para que a parte, acaso inconformada, recorra. Aliás, hoje em dia, com as facilidades que a lei concede para a cassação de liminares, para a concessão de efeito suspensivo ao recurso de agravo, isto sem falar na possibilidade de mandado de segurança em casos de teratologia forense, dificilmente um despacho, sentença, ou acórdão, manifestamente contrário ao Direito, produzirá consequências inevitáveis.

Decisões polêmicas existem e sempre existirão. Entretanto, muito mais prejudicial à sociedade, do que o erro no julgar, (que, ao menos em tese, pode ser corrigido através de instrumentos processuais), seria a intimidação do juiz, para que não julgasse de acordo com o seu convencimento — ainda que equivocado — afim de não sofresse censura, execração, ou qualquer tipo de reprimenda por parte do outro Poder. Poder este, aliás, que habitualmente sequer coloca em votação os pedidos do Egrégio Supremo Tribunal Federal para autorizar o processo de seus integrantes denunciados por crimes comuns!

É certo que nenhum de nós quer o confronto entre Poderes. Devemos obrar, não no sentido do acirramento das paixões, mas no do entendimento, da harmonia, das concessões recíprocas em tudo aquilo que não alentar contra a ordem jurídica democrática e o estado de direito. Mas, estejam certos os Srs. Desembargadores, esteja certa a opinião pública, de que, se o conflito, apesar disto se instaurar, vier a repercutir nesta Casa, não estaremos em campos opostos. Antes, dividiremos a mesma trincheira, que não, a do corporativismo, mas, apenas, a dos homens de bem.”