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A (in)segurança jurídica

24 de janeiro de 2018

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A segurança é necessidade primordial do ser vivo. Observa-se isso em todos os momentos da vida. Uma simples mudança climática é fator suficiente para alteração imediata de comportamentos em busca de segurança. Se o tempo fechar, de imediato, as pessoas procuram lugar seguro e, mesmo estando dentro de suas  casas, fecham  janelas, cercam-se de cuidados. Os animais recolhem-se em seus abrigos. Os pássaros param de voar e procuram as árvores mais frondosas porque ali se sentem protegidos dos ventos e da chuva.  Sentem-se seguros.

Infelizmente, não é só esse tipo de segurança que o ser humano precisa para viver em paz interagindo com os demais. Se há relação humana há litígio, e daí surge a necessidade de regular condutas, direitos e obrigações. É imprescindível que o homem saiba os seus limites, porque além deles já viola o direito de outrem. Mas também é imprescindível que ele saiba que se mantendo nos seus limites ninguém poderá atingi-lo.

A incerteza na cabeça do homem é tormenta. Traz desassossego. Adoece. Fere o físico e a alma.

Cientes disso, todos os legisladores brasileiros procuraram deixar claro nas Constituições e nas leis regras que asseguram a segurança jurídica. O exemplo disso pode-se observar no art. 153, § 3º da Constituição brasileira de 1967, emendada em 69, que assegurava: “a  lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Fundamento repetido na Constituição Federativa do Brasil de 1988, art. 5º, inciso XXXVI. Na mesma toada anda a preclusão regulando o tempo certo para  o exercício do direito de ação.

Mas o princípio da segurança jurídica não vem só daí, ele está também na divisão das funções entre os Poderes, e no respeito de um pelo outro. Não é porque membros de um Poder não se dão ao respeito que se vai anular esse Poder. Não se mata o boi porque tem carrapatos. O princípio torna-se efetivo, principalmente, nas decisões judiciais, que devem retratar a norma interpretada.

De forma sábia, para garantir a efetividade do princípio da segurança jurídica, o Constituinte deixou a cargo do Poder Legislativo, e somente do Pder Legislativo, a alteração da norma. Obviamente, e levando em consideração tamanha responsabilidade, traçou rito para a alteração. Não se dá de forma simples, mas tão somente após processo legislativo rigoroso e por maioria de votos para as leis comuns e três quintos nas emendas e, nesse caso, votadas em dois turnos. É como se colocasse um cofre dentro de outro cofre, tamanha a importância do principio.

Para retratar o alcance da segurança jurídica, e a importância das decisões judiciais no mundo todo, virou lenda a frase: ainda há juízes em Berlim. Isso porque, segundo prega-se em salas de aulas e em solenidades de colação de grau de acadêmicos de direito, nos idos do século XVIII, François Andriex (1759-1833), no conto “O Moleiro de Sans-Souci”, narrou um episódio envolvendo o Monarca Frederico II e um aldeão. Segundo contam,  Frederico II era um dos monarcas caracterizado como “déspota esclarecido”, porque era um homem de letras e muito culto.

Certa vez, resolveu ele mandar construir um palácio de verão em Potsdam, próximo a Berlim, e para tanto escolheu a encosta de uma colina, onde já havia um moinho.

Alguns anos após, tendo resolvido aumentar algumas alas do palácio, e precisando então avançar sobre o terreno onde se encontrava aquele antigo moinho, decidiu comprá-lo, e mandou chamar o moleiro para fazer a proposta de compra. Propôs então comprar o moinho e a propriedade. O moleiro recusou, argumentando que não poderia vender a casa na qual seu pai havia falecido, que lhe deixara por testamento, e onde seus filhos nasceriam e se criariam.

O Monarca não gostou da resposta e insistiu na sua oferta. Contudo, advertiu o moleiro que se quisesse podia, simplesmente, tomar-lhe a propriedade, tendo o aldeão, de forma incisiva, dado a resposta que ficou registrada nos anais históricos da humanidade: isso seria verdade se não existisse juízes em Berlim.

Voltando à triste realidade que nos atormenta nos dias atuais, poucos, ou talvez nenhum brasileiro que acompanha o dia a dia do nosso pais, teria a convicção de que o seu direito está garantido porque temos juízes em nosso pais. As razões e os exemplos são muitos. Só para ilustrar, cito o fato que aconteceu no Rio de Janeiro, ao se prender parlamentares depois que a Assembleia Estadual havia relaxado suas prisões, com base no art. 27, § 1º da Constituição Federal, que assegura ser “de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-sê-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.

Ora, que dúvida pode existir nesse caso, se o art. 53, § 2º, da Constituição Federal da República assim diz: “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão”.

E não venha com o argumento que, nesse caso, quem foi preso realmente merece estar nessa condição. Não é essa a discussão. A questão é muito mais séria. Todos podem ser presos, independentemente de raça, cor, credo ou religião. Mas só podem ser presos de acordo com o direito em vigor. Jamais para agradar maioria ou minoria.

Nesse contexto, e tendo em vista que o Supremo Tribunal, entre outras coisas, entendeu que o servidor inativo deveria contribuir com a previdência, mesmo já tendo completado seu ciclo de contribuição para se aposentar; que está prestes a mudar uma recente decisão, com apertado placar de 6 a 5 na Suprema Corte, permitindo que condenados em segunda instância pudessem ser presos, para voltar ao velho hábito de não se prender ninguém que possa pagar um bom advogado para recorrer, recorrer e recorrer até que ocorra a prescrição, realmente, resta só a esperança de que um dia nossos netos possam dizer que esse tipo de coisa não acontece, porque em Brasília há juízes.