Análise de impacto regulatório: estrutura e finalidade

14 de fevereiro de 2013

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Muito além da discussão, já um pouco desgastada, de quão amplas podem ser as intervenções do Estado sobre as atividades privadas, a conjuntura contemporânea coloca como objeto prioritário de análise a qualidade dessa intervenção. Afinal, seja em um modelo mais próximo ao liberal, seja no cumprimento de uma atividade planificadora, ou desenvolvimentista, os meios de que se vale o Estado são quase tão importantes quanto os fins almejados pelo ente político na busca pela consecução dos valores sociais. Os meios devem ser, sobretudo, razoáveis.

Dessa premissa geral decorre, em particular, a diretiva de que a intervenção regulatória do Estado deve ser fruto da ponderação entre os valores econômicos e sociais que sofrerão a sua incidência. E, na busca por tais valores, quanto maior o grau de informações agregadas pelo agente regulador, na figura do Estado, mais adequada será sua decisão, já que ela será decorrência da ponderação ótima entre valores eventualmente colidentes e da avaliação dos custos e benefícios da regulação.

A ponderação entre valores e políticas públicas eventualmente colidentes e a estimativa dos custos e benefícios da regulação, da incidência da intervenção estatal, não é uma tarefa fácil. A avaliação prospectiva dos resultados e a explicitação dos custos da regulação são complexas e estão diretamente relacionadas à sua finalidade.

Veja-se com mais especificidade o tema da intervenção pública na esfera privada por meio da regulação das atividades econômicas.

A regulação busca, precipuamente, a manutenção do equilíbrio do sistema econômico por meio da correção das falhas de mercado, a eficiência econômica, a modificação do sistema econômico e a equidade econômica e a promoção de valores como o desenvolvimento social e econômico. A realização dos fins da regulação, entretanto, depende de uma avaliação da necessidade e eficácia dos seus instrumentos, dos seus custos e dos efeitos por ela pretendidos. A razoabilidade da intervenção regulatória do Estado pode – e deve – ser testada mediante o que se convencionou nominar procedimento de Análise de Impacto Regulatório.

A Organisation for Economic Cooperation and Development – OCDE, atenta a esta problemática, sugere que a regulação deve ser antecedida da análise de impacto regulatório – AIR, a qual deve avaliar as seguintes questões: (i) se o problema que demanda a atuação do Estado foi corretamente definido; (ii) se a ação estatal é justificada, considerando os seus possíveis custos e benefícios e as alternativas cabíveis; (iii) se há base legal para a regulação estatal; (iv) se o grau de intervenção é o mínimo possível para atingir o objetivo visado; (v) se os benefícios da regulação justificam os seus custos; (vi) se a distribuição dos efeitos positivos e negativos da regulação na sociedade é pautada pela transparência; (vii) se a regulação é clara, consistente, compreensível e acessível aos administrados; (viii) se todas as partes interessadas tiveram a oportunidade de apresentar as suas opiniões e críticas a respeito das normas regulatórias através de mecanismos de consultas públicas; (ix) se a observância das normas regulatórias pelos particulares é incentivada e assegurada através da distribuição eficiente de competências entre órgãos do Estado; (x) se a regulação foi implementada da maneira como o esperado. O estudo dos impactos da regulação deve compreender, ainda, a análise das suas consequências à concorrência, aos grupos socialmente vulneráveis ou excluídos, ao meio ambiente, aos direitos dos administrados e dos agentes econômicos.

Para Colin Kirkpatrick e David Parker, a análise de impacto regulatório é um método capaz de ajudar no desenho, na implementação e no monitoramento de melhorias dos sistemas regulatórios, oferecendo uma metodologia de avaliação das consequências da intervenção regulatória do Estado. A análise de impacto regulatório fortalece a governança regulatória, a melhoria da competitividade e o apoio à tomada de decisão no processo de execução de políticas públicas.

Em sua origem, como definem Robert W. Hahn e Paul C. Tetlock, a análise de impacto regulatório seria uma ferramenta utilizada pelos economistas para analisar as medidas regulatórias.

Por outro lado, tendo por base o cenário europeu, portanto mais abrangente, Claudio M. Radaelli entende a análise de impacto regulatório como um prerrequisito para a produção de uma decisão regulatória, sendo que a proposta de medida deve passar por algumas etapas para ser elaborada e sugerida ao agente político ou administrativo competente, quais sejam: (i) definição do problema; (ii) identificação das falhas de mercado; (iii) análise do status quo, definição das possíveis alternativas de ação; (iv) escolha dos critérios de análise; (v) ampla consulta aos personagens envolvidos; (vi) estudos sobre cada uma das alternativas e suas consequências para os sujeitos afetados; e (vii) a recomendação para a adoção de uma medida.

Já Scott Jacobs, em visão mais contemporânea, define a análise de impacto regulatório como sendo um processo de tomada de decisão baseado em evidências para identificar se a regulação é necessária e qual solução é mais apropriada. Além disso, complementa o autor, pode-se considerar a análise de impacto regulatório como uma análise sistemática e consistente de potenciais impactos que possam resultar da atividade ou omissão do Estado, além de um canal de comunicação entre os tomadores de decisão e aqueles que serão afetados pela medida objeto da intervenção regulatória.

Como se vê, a análise de impacto regulatório está baseada no uso sistemático de análises sobre os possíveis efeitos das escolhas estatais. Apresenta como principais etapas (i) a delimitação de objetivos e meios pretendidos pela decisão a ser tomada, (ii) o mapeamento dos prováveis impactos regulatórios, (iii) a análise dos custos e benefícios de cada uma das medidas vislumbradas e (iv) o monitoramento dos efeitos após sua implementação.

Em outros termos, e conforme proposta de Rafael Carvalho Rezende Oliveira, o processo de implementação da análise de impacto regulatório passa necessariamente por três fases: (i) inicial (expositiva): definição dos objetivos e das consequências da ação regulatória proposta ou já existente; (ii) intermediária (debate/ponderação): debate, com a participação dos regulados, (agentes econômicos, usuários e consumidores), para definição dos critérios de escolha da melhor decisão, com a atribuição de pesos valorativos às alternativas apresentadas; e (iii) final (decisória): implementação ou revisão da regulação.

Em essência, a análise de impacto regulatório inicia-se com a identificação e avaliação do problema e dos objetivos que se buscam alcançar por meio da regulação e continua com a avaliação dos custos e benefícios dos possíveis processos para a sua execução, optando pela alternativa que, de um lado, oferece o maior benefício público, mas que de outro cause menos efeitos indesejáveis.

As avaliações compreendidas na análise de impacto regulatório dão ensejo à transparência do processo de tomada de decisão e, nesta medida, aumentam a legitimidade da atividade de regulação por meio da participação dos interessados no processo de escolhas públicas. Nesse sentido, pode-se afirmar que o instrumento é, contemporaneamente, essencial à atividade estatal sob o Estado Democrático de Direito.

Assim, a análise de impacto regulatório representa um procedimento de validação da tomada de decisões regulatórias que expõe os riscos, os benefícios ao interesse público e as consequências das políticas públicas implementadas pela regulação. A análise não funciona apenas como instrumento para definição da intensidade e da qualidade da regulação, mas também da sua própria necessidade, permitindo, ainda, a exteriorização dos seus custos e benefícios.

Partindo de tal premissa, o agente regulador deve demonstrar a razoabilidade de suas decisões, os seus prováveis custos diretos e indiretos, os benefícios esperados e a razão pela qual não foram escolhidos outros meios para atingir o mesmo propósito. Consequentemente, a análise de impacto regulatório em muito se aproxima do princípio da proporcionalidade.

Na sua tríplice estrutura – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito – a proporcionalidade deve guiar o itinerário lógico a ser percorrido pelo regulador:

Há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto a produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional e sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Para Hely Lopes Meirelles, a proporcionalidade relaciona-se à “proibição do excesso que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais”.

Discorrendo quanto a razoabilidade, Agustín Gordillo pontifica:

La decisión (…) será ilegítima, a pesar de no transgredir ninguna norma concreta y expresa, si es “irrazonable,” lo cual puede ocurrir fundamentalmente cuando: a) no de los fundamentos de hecho o de derecho que la sustentan, o b) no tenga en cuenta los hechos acreditados en el expediente, o públicos y notorios; o se funde em hechos o pruebas inexistentes; o c) no guarde una proporción adecuada entre los medios que emplea y el fin que la ley desea lograr, o sea, que se trate de uma medida desproporcionada, excesiva en relación con lo que se quiere lograr.

Posteriormente, o autor assinala os requisitos que servem de fundamento à noção da regra da proporcionalidade: “a) el fin de la ley y el fin del acto; b) el fin de la ley y los medios que el acto elige para cumplirla; c) las circunstancias de hecho que dan causa al acto y las medidas o el fin que el acto tiene, ostentan así no sólo base constitucional, sino también legal”. São quesitos que devem ser empregados, certamente, à ponderação das intervenções regulatórias.

Analisando a regra da proporcionalidade, Virgílio Afonso da Silva pontua que seu objetivo é fazer com que nenhuma restrição tome dimensões desproporcionais. É, na expressão do autor, uma restrição às restrições. Para alcançar esse objetivo, o ato estatal deve passar pelos exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. A análise é feita dentro de uma relação de subsidiariedade, razão pela qual o exame da adequação precede ao da necessidade, que, por sua vez, precede ao da proporcionalidade em sentido estrito.

Uma medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que o objetivo legítimo pretendido seja alcançado ou, ao menos, fomentado. Para que uma medida seja considerada adequada, portanto, não é necessário que o seu emprego leve à realização do fim pretendido, bastando apenas que o princípio que legitime o objetivo seja fomentado.

Logo, um ato estatal limitador é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o valor atingido.

Proporcionalidade em sentido estrito consiste no sopesamento entre a intensidade da restrição ao valor atingido e a importância da realização do valor que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva.

Em síntese, a escolha pública expressada na intervenção regulatória do Estado deve ser fruto da ponderação ótima entre valores eventualmente colidentes e da avaliação dos custos e benefícios da regulação. A adequada ponderação depende do grau de informações agregadas pelo agente regulador. Quanto maior o grau de informações agregadas pelo agente regulador, mais adequada será a decisão, já que ela será decorrência da ponderação entre valores eventualmente colidentes e da avaliação dos custos e benefícios da regulação.

Por tais razões, é certo que uma intervenção de regramento público de atividades econômicas – em especial aquelas próprias da iniciativa privada, não serviços públicos – deve perpassar por avaliação cuidadosa que, em verdade, é o único procedimento capaz de lhe outorgar legitimidade material à luz do Estado contemporâneo.

Ao deixar de observar tal cautela, o que se nota – não raramente – são medidas que, sob a tentativa de execução de valores socialmente adequados, acabam por afetar, com maior gravidade do que o problema que se pretendia combater, valores outros como o desenvolvimento econômico e social, de igual ou maior relevância.

É por tais razões que não podem ser considerados legítimos, nem materialmente válidos, iniciativas de intervenção regulatória que careçam da mencionada ponderação, sob pena de que se qualifiquem, em efetivo, como meras arbitrariedades dos agentes de Estado, cometidas na suposta execução do bem público que deveriam tutelar.

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