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O advogado, o júri e suas origens

5 de janeiro de 2003

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Fiquei deveras preocupado, com a entrevista dada ao Jornal “O Globo” pelo Excelentíssimo Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Desembargador Marcus Faver, afirmando que o Tribunal do Júri está chegando ao seu final, posto que, os jurados do Rio de Janeiro sentem-se ameaçados e estão com receio de julgarem os criminosos do Rio de Janeiro.  O Tribunal do Júri é na verdade, o sustentáculo da democracia.   Mesmo no período da ditadura, ele superou a tudo e a todos.  O Tribunal do Júri é a justiça do povo, pelo povo, para o povo.   Ele é mantido em todos os países que respeitam os direitos humanos, mesmo de forma diferente, em seu modo de julgar.  As origens do júri são incertas: Houve quem vislumbrasse na Ceia do Senhor um conselho de jurados. Outros encontraram no Conselho de Anciãos o germe do júri.  O grande Franccesco Carrara diz que a origem do júri perde-se na história, quando o homem passou a fazer justiça em seu nome e não em nome de Deus.   Na Roma antiga, havia também os judices jurati ou Tribunais Populares.   Embora, se procure situar na Inglaterra sua origem, alguns traços de sua estrutura são localizados na Grécia.   Outros invocam o Conselho de Latrão, de 1.215, como sua origem, época em que se aboliram os ordálios, que cabia ao acusado provar a sua inocência ao pegar um ferro em brasa ou metendo a mão em água fervente, sendo certo, que se nada lhe acontecesse, demonstrava perante o Juízo de Deus a sua inocência.   Também na Inglaterra foram abolidas as torturas.   Vigoravam nesta época, crenças e supertições populares generalizadas, marcadas pela convicção de que, à maneira dos 12 apóstolos, quando 12 homens se reuniam sob a proteção divina, ali se encontraria a verdade.  Dessa crença teria nascido o júri.   A origem de sua palavra vem de juramento, que é a invocação a Deus feita por uma testemunha.  Da Inglaterra, a Instituição passou para a França, com a revolução francesa de 1789, adquirindo aí, sua forma definitiva, como um instrumento de direitos e garantias individuais.    Segundo o jurista Walter P. Acosta, dois sistemas perfeitamente definidos passaram a coexistir no mundo: O sistema britânico, no qual os jurados decidem de fato e de direito, respondendo a um único quesito, para declarar o réu culpado ou inocente;   e o sistema francês, adotado no Brasil, em que os jurados decidem de fato, cabendo ao Juiz togado, que preside o júri dar a decisão de direito, segundo as respostas daqueles.

O Júri no Brasil

O júri foi criado no Brasil por lei de 18 de julho de 1822, especificamente para julgar os crimes de imprensa.  Esse Júri era constituído de 24 juízes de fato, por cidadãos escolhidos “dentre os homens bons, honrados, inteligentes e patriotas”, sendo que da decisão do Júri somente cabia apelação ao Príncipe Regente, D. Pedro.   A Constituição Federal de março de 1824, integrou-o à estrutura do Poder Judiciário, e o Código de Processo Criminal do Império, de 29 de novembro de 1823, à luz da legislação estrangeira, deu ao júri atribuições mais amplas, consolidando-se na Constituição Republicana de 1891.   A soberania do Júri foi extinta pelo Governo Ditatorial, através do Decreto nº 167, de 05 de janeiro de 1938, que permitiu aos Tribunais de Justiça a reforma, pelo mérito, das decisões proferidas pelo Júri.   Foi nesse período que se registrou o maior erro judiciário da história do Brasil, o caso dos irmãos Naves Rosa, que foram absolvidos duas vezes pelo Tribunal do Júri da cidade de Araguari, acusados da morte do ex-sócio, Benedito Teixeira Caetano e foram condenados por Tribunal Superior Togado, de Minas Gerais, a 25 anos e 06 meses de reclusão.    Os dois irmãos, acusados, bem como, a testemunha Daniel Natalino, que segundo a polícia presenciara o crime, foram torturados e confessaram o crime.   Mais tarde, após a condenação pela Justiça Togada dos irmãos Joaquim e Sebastião Naves Rosa, a testemunha do processo faleceu e 15 anos depois, “a vítima”, aparece na cidade, quando um dos irmãos já havia morrido na prisão.  Para aqueles que criticam a Instituição do Tribunal do Júri fica esta lição: O Tribunal do Júri de Araguari provou o seu acerto, ao absolvê-los por duas vezes seguidas. Quanto ao Juiz que pronunciou os réus num crime de morte sem cadáver, penitenciou-se e exclamou: “Deus me tome as contas, como terá tomado aos Desembargadores que funcionaram na causa e já faleceram”. A propósito de erros judiciários como este, o conceituado professor Alípio da Silveira, em artigo publicado na “Tribuna da Justiça”, em 31 de março de 1976, é enfático: “É igualmente inquietante que a Justiça tenha tendência a ir, em casos deste tipo, na fé dos relatórios da Polícia e das declarações dos policiais ao deporem na Justiça. Se o Juiz não se dispuser  a uma nova instrução, chega-se a esta solução aberrante:  Não é mais a Justiça que julga, mas pura e simplesmente a Polícia, que comunica a sua convicção aos Juízes”.   Em  face  disso  e pela revolta da sociedade brasileira,  a  soberania do  Tribunal do Júri foi restaurada pela Constituição Federal de 1946, sendo certo que nesse período, o julgamento dos crimes de economia popular era de sua competência, assim como os crimes tentados ou consumados contra a vida.  As Constituições de 1967 e 1969, mesmo no período ditatorial, mantiveram essa soberania, consagrada pela atual Constituição.

O  nome advogado

Quanto ao nome advogado, o grande processualista penal e advogado italiano, Carnelluti, em sua obra “Misérias do Processo Penal” relata com maestria a nobre profissão do advogado. De sua obra, destacamos: O nome mesmo do advogado soa como um grito de ajuda. Advocatus, vocatus ad, chamado a socorrer.   Também o médico é chamado a socorrer; mas, só ao advogado se dá este nome.  Quer dizer que há entre a prestação do médico e do advogado uma diferença que, não voltada para o direito, é todavia descoberta pela rara intuição da linguagem.  Advogado é aquele, ao qual se pede, em primeiro plano, a forma essencial da ajuda, que é propriamente a amizade.  E da mesma forma a outra palavra “cliente”, a qual serve a denominar aquele que pede ajuda, reforça esta interpretação: O cliente, na sociedade romana, pedia proteção ao patrono; também o advogado se chama patrono.  E a derivação desse nome, de pater, projeta sobre a correlação a luz do amor.  A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: Sentar-se sobre o último degrau da escada ao lado do acusado.  As pessoas não compreendem aquilo que de resto nem os juristas entendem.  O criminalista não é a favor de crimes, não defende criminosos, apenas cumpre o seu papel de “fiscal da prova”, porque o mundo civilizado ainda não encontrou outra forma, senão o “devido processo legal”, para saber se alguém é culpado ou inocente.  Assim, não precisa o ilustre Desembargador Marcus Faver, (do qual somos admiradores, pelo seu brilhante desempenho como presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, voltado para um judiciário forte e rápido, equipando devidamente as comarcas e dignificando a Justiça, em sua brilhante administração) ficar preocupado com o extermínio precoce do Júri. O Júri atravessou diversas tempestades em toda a sua história, e mesmo no período ditatorial sobreviveu como um marco da luta da justiça do povo, pelo povo, para o povo.  Acabar com o Júri seria o mesmo que rasgar a Constituição e exterminar a democracia. Ao povo cabe a contribuição para que  esta Instituição  permaneça  sólida,  lutando  com destemor e com a espada flamejante da Justiça, punindo àqueles que transgridem a lei e absolvendo os que se encontram amparados pelos arts. 22, 23, I, II e III da nossa Lei Substantiva Penal. O Júri não morrerá jamais!