Edição

30 anos do Código de Defesa do Consumidor

5 de outubro de 2020

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Da revolução que trouxe consciência ao cidadão aos desafios da era da informação

Promulgada em 11 de setembro de 1990, a Lei Federal nº 8.078/1990 entrou em vigor em 11 de março de 1991, durante o Governo do Presidente Fernando Collor. Antes da promulgação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os problemas no relacionamento entre consumidores e fornecedores de bens e serviços eram dirimidos pelo Código Civil de 1916 e pelo Código Comercial de 1850, que se mostravam insuficientes para dar conta dos fenômenos cada vez mais sofisticados e dinâmicos em virtude da moderna sociedade de consumo.

Não existia na época as categorias de consumidor e fornecedor de produtos e serviços da forma que vivenciamos hoje e havia uma dificuldade grande quanto ao ônus da prova dos danos ocasionados aos consumidores. Foi então que veio em 1988 a expressa determinação constitucional. Nossa Constituição progressista e cidadã é que deu voz aos consumidores e determinou a elaboração do CDC. Além da previsão no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, a defesa do consumidor foi estabelecida como direito fundamental no art. 5º, XXXII, e como princípio da ordem econômica no art. 170, V, da Constituição.

O CDC promove o equilíbrio nas relações de consumo por meio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor e o mercado, do instituto da responsabilidade objetiva e solidária, inclusive da administração pública, além da tutela de direitos da coletividade consumidora que vive em um País democrático.

Antes, os brasileiros achavam inacessíveis ou ineficazes os seus direitos. O Código de Defesa do Consumidor veio mostrar ao cidadão um direito de todos, que trata os princípios protetivos, como o da vulnerabilidade do consumidor, da boa-fé e da informação, como algo fundamental.

Assistimos, no decorrer destes anos, o CDC construir sua trajetória de implementação e entendimento pela sociedade. Agora, ao fazer 30 anos, o Código continua cheio de virtudes. As atualizações pontuais que estão em tramitação no Congresso Nacional, especificamente os projetos de lei nº 3515/2015 e nº 3514/2015 são necessárias para aperfeiçoar o texto de 1990 à luz do mercado de consumo atual, do mundo digital, do crédito democratizado e do superendividamento avassalador.

Como um microssistema, o Código de Defesa do Consumidor tem a grande virtude de apresentar uma perspectiva holística da experiência jurídica, trata das relações de consumo em todas as esferas: civil, administrativa e penal. Estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e de interesse social (art. 1º do CDC).

Ademais, a Constituição Federal não apenas edifica a proteção do consumidor como direito fundamental do cidadão, mas viabiliza a proteção por meio de impetração de mandado de segurança coletivo (art. 5º, LXX), como ação civil pública (art. 129, III).

A necessidade de proteção ao consumidor exigiu do Estado a criação de órgãos para possibilitar a solução das demandas e a prevenção de litígios consumeristas, como os Juizados Especiais Civis e Criminais, as delegacias especializadas para investigar crimes contra as relações de consumo, os Procons, como órgãos administrativos, a Assistência Judiciária e as associações.

Foi uma revolução em termos de Direito. A sociedade brasileira, de repente, passou a ter uma legislação arrojada e moderna, que inovou inclusive o sistema jurídico. Trouxe inovações nos institutos processuais como tutela específica, tutela de urgência, o instituto da inversão do ônus da prova. Por uma situação muito peculiar do Brasil, o CDC influenciou até mesmo a elaboração do Código Civil, conforme pontuou Ruy Rosado de Aguiar Junior: “O Código de Defesa do Consumidor regula uma relação específica e tem seus princípios e regras. Por um paradoxo nosso, por uma situação muito especial do Brasil, esse microssistema – que normalmente deveria ser influenciado pelos princípios do sistema – na verdade terminou influenciando o sistema maior de Direito privado, porque este que tínhamos era extremamente desatualizado, reproduzindo ideias de mais de 200 anos”.

Além de reconhecer a vulnerabilidade do consumidor, conceito com status constitucional, o CDC inovou na proteção processual, estabelecendo o direito básico à inversão do ônus da prova e, em matéria de defeito dos produtos e serviços, inverteu ope legis o ônus da prova. Ressaltam-se outras inovações do CDC, especialmente quanto à abrangência do conceito de fornecedor, rol de direitos fundamentais do consumidor, o acesso à Justiça, a ampliação das hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, a previsão de sanções administrativas e penas em matéria de consumo, a proteção contra os vícios de qualidade e quantidade, controle de práticas abusivas, disciplina a oferta e a publicidade e, ainda, bancos de dados e as cobranças de dívidas decorrentes de consumo.

Tais inovações hoje fazem parte da rotina dos consumidores, fornecedores, gestores e administradores. O CDC adequadamente estabeleceu uma política nacional das relações de consumo, tendo como filosofia de aplicabilidade a harmonia e o equilíbrio das referidas relações para conciliar a tutela e a proteção do consumidor como desenvolvimento econômico e tecnológico do Brasil. A teoria da segurança e a qualidade dos produtos e serviços é um dos focos do CDC.

Claro que uma lei não é suficiente para gerar mudanças sociais, assim como nem toda mudança social já está prescrita em lei. Mas temos que lembrar que o CDC, foi uma das leis que mais modificou a consciência cidadã do povo brasileiro, trazendo outra perspectiva de visão cidadã.

Precisamos pontuar que o CDC é um produto da sua época, previsto na Constituição de 1988, fruto da transição entre regime autoritário e a democracia. Se voltarmos no tempo, para setembro de 1990, encontraríamos um País bem diferente do atual. Onde a economia era bem fechada, tínhamos problemas graves com hiperinflação, déficit fiscal, estagnação industrial e outras questões. Havia um nível de competição de mercado bem inferior ao que vemos hoje e a consciência cidadã do brasileiro praticamente não existia.

O CDC trouxe uma conscientização daquele problema social e aquilo passou a ser mais notado, mais falado e mais denunciado. Comprovando a importância da lei e seus feitos positivos para sociedade, efeitos distributivos não só no preço, na economia, mas de Justiça.

Trouxe e impôs às empresas e aos fornecedores mais senso social e respeito aos consumidores, entretanto, ainda hoje em muitos lugares ainda não houve esta conscientização por parte do mercado: continuam desrespeitando o consumidor. É preciso responsabilizar também parte do Poder Judiciário que não atende ao jurisdicionado adequadamente, por meio de uma jurisprudência defensiva e alheia à real extensão dos danos sofridos, causados pelas empresas e fornecedores.

Hoje a situação é bem diferente do mercado de 1990. Na maior parte dos setores econômicos o consumidor encontra uma infinidade de produtos à sua escolha. Naquela época não havia muitas opções e ainda havia as barreiras proibitivas para importações, como a famosa Lei de Informática, que prejudicou o desenvolvimento de softwares no Brasil.

Aquele sistema econômico, longe de um capitalismo competitivo, produzia fenômenos perversos para os consumidores. Naquela época era muito difícil ter informações sobre preços, ingredientes dos produtos, validade, etc. Além do mais, o modelo prejudicava o desenvolvimento do País em relação ao mundo. E nestes 30 anos muita coisa mudou.

No decorrer destes 30 anos foram muitos avanços e desafios enfrentados pela sociedade de consumo, principalmente com a inserção do mercado consumidor na economia digital. A era da informação parece ter se tornado o tempo da desinformação.

O mercado consumidor e a aplicação das regras do CDC têm sido desafiados com a chegada das redes sociais, que deu voz ativa aos consumidores, trouxe plataformas de intermediação, além da possibilidade de aquisição de produtos, serviços ou conteúdos digitais por meio de aplicativos, bem como novas formas de contratação na chamada economia de compartilhamento. Com o objetivo de acompanhar esses avanços, foi editado o Marco Civil da Internet e, mais recentemente, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.

O nosso CDC continua atual e moderno, atendendo às demandas consumeristas, entretanto, em função das mudanças e avanços naturais no decorrer destes 30 anos se faz necessário atualizações no Código, quanto ao comercio eletrônico e ao superendividamento. Aperfeiçoar o sistema, não criar leis. Para isto precisamos aprovar o PL nº 3515/2015, que trata do superendividamento no Brasil, e o PL nº 3514/2015, que dispõe sobre o comercio eletrônico.

Devemos ainda implantar educação de direito consumidor nas escolas e melhorar o acesso do consumidor à Justiça.

Nota_______________________________
1 AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. O novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor – pontos de convergência. São Paulo, Revista de Direito do Consumidor, Out/Dez, 2003.