A importância dos investimentos em saneamento para a retomada da economia fluminense

7 de abril de 2022

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Seminário reúne magistrados, autoridades governamentais e concessionárias para discutir investimentos bilionários na economia do Estado do Rio de Janeiro

Com a assinatura, no mês passado, do contrato de concessão do último bloco pendente do leilão da Cedae, fez-se necessário promover uma conversa franca entre as partes da parceria público-privada e o sistema de Justiça sobre os investimentos para a universalização do saneamento básico no Estado do Rio de Janeiro.  Foi o que fez a Revista Justiça & Cidadania, em 25 de março, em nova edição do programa Conversa com o Judiciário, que desta vez reuniu magistrados das cortes superiores e da Justiça Estadual, representantes do Governo do Estado, especialistas em saneamento e os presidentes das empresas vencedoras do leilão.

Foram apresentados e debatidos o panorama do saneamento básico no estado, as etapas necessárias para a expansão das redes de água e esgoto, aspectos regulatórios relevantes, as medidas de recuperação ambiental previstas nos contratos de concessão e a segurança jurídica necessária à efetivação dos investimentos. Foram debatidas ainda as possibilidades de utilização dos recursos pagos pelas empresas concessionárias, a título de outorga, como instrumento para a retomada da economia fluminense.

“O Seminário conta com o viés da retomada da economia, num momento em que o País tanto precisa atrair investimentos. Hoje, temos muitas ferramentas para promover essa atração, como a nova Lei de Licitações, a Lei Complementar das startups, a nova Lei de Recuperação Judicial e Falências e a Lei do Superendividamento. Há um microssistema pensado para a retomada da economia, que tem ainda por elemento o Marco Legal do Saneamento (Lei nº 14.026/2020). O Rio de Janeiro aproveitou muito o potencial dessa questão e vamos hoje, justamente, discutir as diversas facetas que essa iniciativa nos trouxe, reunindo presidentes de companhias que apostaram no Rio, profissionais da área e advogados que lidam com a questão”, comentou na mesa de abertura o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão, coordenador científico do Seminário e Presidente do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania.

“Essa interação entre o Judiciário e quem lida diretamente com problemas especializados, que escapam do nosso dia a dia como magistrados, porque estão fora do caso concreto e dos temas específicos sobre os quais temos que decidir, é uma interação que só agrega à qualidade das nossas decisões”, acrescentou o ministro, que compartilhou a mesa de abertura com o Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), Desembargador Henrique Figueira, o Presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-RJ), Desembargador Elton Leme, o Ministro do STJ Mauro Campbell Marques, o Secretário-Chefe da Casa Civil do Governo do Estado do Rio de Janeiro, Nicola Miccione, e com o Professor de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Flavio Galdino – que também integra o Conselho Editorial da Revista e coordenou o evento junto ao Ministro Luis Felipe Salomão.

Federalismo sem vaidades – Para contextualizar o debate, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou palestra magna sobre os julgamentos no Supremo Tribunal Federal (STF) que chancelaram a constitucionalidade do novo Marco Legal do Saneamento. Uma das reflexões trazidas à Corte pelo julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade, segundo o ministro, foi sobre a compreensão de um necessário “federalismo cooperativo”, que a despeito das definições constitucionais de competências, seja capaz de promover o debate regionalizado e articulado do saneamento como uma série de outras políticas públicas, como a saúde, a gestão do lixo e a preservação ambiental.

“Temos que analisar o nosso federalismo de outra forma, abandonar o engessamento de interpretação segundo a qual ‘se isso é só do município, tudo relacionado a isso é só do município’. Precisamos avançar, como o STF avançou, na questão do federalismo participativo, cooperativo ou, como costumo brincar, do federalismo sem vaidades. Obviamente, isso não corresponde a diminuir a autonomia de qualquer um dos entes federativos, principalmente em face da cultura brasileira de centralismo. É muito importante manter a autonomia, mas uma autonomia inteligente”, comentou o ministro.

Ao final de sua palestra, Alexandre de Moraes sintetizou: “Agora temos tudo para avançar na questão do saneamento. Reputo essa lei, nos últimos anos, do ponto de vista de infraestrutura no Brasil, como a lei mais importante que foi aprovada, porque abrimos a possibilidade de se resolver um problema gigantesco, que acarreta mortes, doenças graves, aumento da mortalidade infantil. O Congresso Nacional atuou, abriu a possibilidade de receber as empresas e as possibilidades de investimentos. Agora, cabe a cada ente federativo nessa União municipal, estadual e federal realmente implementar a lei. Os entraves jurídicos foram afastados e a constitucionalidade da lei foi consagrada. Agora é seguir em frente e mostrar que quando há uma mudança de paradigma, quando se aposta na parceria público-privada, as questões evoluem”.

Panorama do saneamento – O primeiro painel teve como palestrantes os representantes das três empresas vencedoras do leilão da Cedae: o Presidente da Águas do Rio, Alexandre Bianchini, o Presidente da Águas do Brasil, Cláudio Abduche, e o Diretor-Geral da Iguá Saneamento, Eduardo Dantas. No debate presidido pela Desembargadora do TJRJ Renata Cotta, os executivos detalharam os investimentos contratados para os próximos 35 anos, período no qual serão investidos R$ 32 bilhões na expansão das redes de fornecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto. Os contratos de concessão também determinam investimentos de R$ 80 bilhões em operação e manutenção (O&M) das redes, além de garantir ao Governo do Estado e às prefeituras um valor total de outorga de R$ 24 bilhões, disponíveis para investimentos em outras políticas públicas.

No atual panorama do saneamento no Estado do Rio de Janeiro, 7,3% dos seus 17,4 milhões de habitantes não têm acesso à água tratada e 45% (mais de seis milhões) não têm coleta de esgoto, sendo que apenas 49% do esgoto coletado é tratado. Nesse cenário, os representantes das concessionárias descreveram as obras que serão feitas para a recuperação dos sistemas já existentes e outras intervenções necessárias para atingir as metas da universalização do acesso à água tratada (até 10 anos) e da coleta e tratamento do esgoto (até 12 anos).

 

Despoluição da Guanabara – Os executivos detalharam ainda os investimentos previstos nos contratos para a despoluição da Bacia do Rio Guandu (R$ 2,9 bilhões), do Complexo Lagunar da Barra da Tijuca e Jacarepaguá (R$ 250 milhões) e da Baía de Guanabara (R$ 2,6 bilhões). No caso da Guanabara, que hoje recebe 1,3 milhão de litros de esgoto não tratado por dia, será necessária a construção de grandes coletores e a universalização do tratamento nos municípios do seu entorno.

“A recuperação da Baía de Guanabara passa sim pelos governos estadual e municipais, passa pela Águas do Rio com seus investimentos, passa pelo Judiciário – que em última instância é o guardião desses contratos, trazendo segurança para os investimentos – mas passa principalmente pela sociedade. Obras, engenharia, investimentos, equipamentos e tecnologia vão sim trazer à Baía de Guanabara uma condição melhor, mas se não tocarmos o coração dos cariocas e fluminenses, nada do que estamos fazendo aqui terá sentido. Vamos trazer de volta ao coração da população do Estado do Rio de Janeiro o amor que um dia ela teve pela Baía de Guanabara” comentou Alexandre Bianchini, Presidente da Águas do Rio, empresa que agora responde pelo abastecimento de água e esgotamento sanitário em 27 municípios fluminenses e 124 bairros da capital.

Aspectos regulatórios – O segundo painel tratou dos aspectos jurídicos e regulatórios das concessões, tendo como presidente de mesa a Juíza do TJRJ Adriana Ramos de Mello e como palestrantes o Ministro do STJ Mauro Campbell Marques e o advogado Luís Felipe Valerim. Foram discutidos temas como a governança das entidades reguladoras, e os critérios para o acompanhamento dos padrões de qualidade na operação dos sistemas de saneamento.

Professor da FGV Direito SP nas disciplinas de Direito Administrativo, Infraestrutura e Direito Econômico, Luís Felipe Valerim pontuou os conceitos do Marco do Saneamento e as peculiaridades do setor de infraestrutura. Apontou, dentre os grandes temas no Marco, as metas de universalização dos serviços até 2033 e a vedação da assinatura dos chamados contratos de programas, quando empresas públicas são contratadas para a prestação dos serviços. Valerim falou ainda sobre a pulverização regulatória do setor, pois apesar da existência de normas e referências nacionais editadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), há 49 reguladores de serviços de saneamento no País. O que, segundo ele, explica em parte a baixa qualidade regulatória atual.

Em sua participação, o Ministro Mauro Campbell comentou que a nova lei “não é somente um marco regulatório, mas um marco civilizatório deste País”. Para ele, a principal preocupação hoje do Poder Judiciário relacionada ao tema é no sentido de que as eventuais intervenções da Justiça, caso venham a ser necessárias, ocorram como forma de controle “absolutamente cirúrgico”, para não afugentar investimentos, manter e ampliar a segurança jurídica dos contratos de concessão.

Segurança jurídica – O terceiro e último painel tratou da segurança jurídica nos investimentos para o saneamento, tendo como presidente de mesa o Desembargador do TJRJ Marco Aurélio Bezerra de Melo e como palestrantes o Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino e o Secretário-Chefe da Casa Civil, Nicola Miccione. Foram discutidos temas como a garantia de acesso integral da sociedade e dos órgãos de controle a todos os passos do processo; a observância dos impactos sociais, econômicos, ambientais e legais; e o emprego do sistema de arbitragem para dirimir impasses e evitar a judicialização dos contratos.

Para o Ministro Paulo Sanseverino – que teve que participar de forma remota, a partir de Brasília – a segurança jurídica se resume à previsibilidade, com o conhecimento do sistema jurídico, a confiabilidade nesse sistema e o respeito à intangibilidade das situações consolidadas ao longo do tempo. Nesse sentido, segundo ele, a jurisprudência dos tribunais superiores tem buscado privilegiar a regulação técnica da ANA e dos demais órgãos reguladores.