A inconstitucionalidade da discriminação do trabalhador remunerado por produção ou por tarefa

25 de abril de 2022

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A essa altura dos acontecimentos, acreditamos que todos que militam na área trabalhista já tenham lido o texto da Medida Provisória nº 1.108/2022, que trata do teletrabalho, e uma das alterações mais profundas foi estabelecida no art. 62, que ordena a exclusão de todos os empregados do capítulo a duração do trabalho, incluindo-se aí, evidentemente, a jornada de trabalho e, consequentemente, as horas extras. O novo inciso III passa a contar com a seguinte redação: “os empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa”. A fim de deixar bem clara a possibilidade, o art. 75-B, § 2º, estatui que “o empregado submetido ao regime de teletrabalho ou trabalho remoto poderá prestar serviços por jornada ou por produção ou tarefa”. Mais adiante, no parágrafo 3º do mesmo dispositivo legal, passou-se a prever que “na hipótese da prestação de serviços em regime de teletrabalho ou trabalho remoto por produção ou tarefa, não se aplicará o disposto no Capítulo II do Título II desta Consolidação”. 

Como se sabe, o salário pago por produção, como ocorre com o tarefeiro, varia de acordo com o esforço demandado pelo trabalhador, motivo pelo qual a hora trabalhada é remunerada com o pagamento da tarefa ou da comissão, sendo certo que a jurisprudência caminha pacífica no sentido de considerar que o trabalho realizado por tarefa, com percepção de remuneração por produção confere direito apenas ao respectivo adicional de horas extras de, no mínimo, 50%.

Em que pese o entendimento jurisprudencial, no caso específico do teletrabalhador, há uma peculiaridade, constituída em torno da própria lógica do teletrabalho, vez que é possível, tão somente pelo fato de o telefone do trabalhador estar ligado, haver geolocalização, ou, talvez, o simples envio ao tomador do serviço, da localização em tempo real. Com isso se quer afirmar que o art. 62 não pode servir como uma fórmula mágica para excluir trabalhadores do capítulo que trata da duração do trabalho, para que tais deixem de receber pelas horas extras trabalhadas. A análise sobre se o trabalhador poderá ou não ter jornada controlada deverá ser realizada caso a caso, não podendo a lei simplesmente excluir o prestador de serviços da possibilidade de ter a sua jornada controlada e, consequentemente, receber pelas horas extras prestadas, sendo certo que tal regramento realizado de forma genérica afronta o art. 7º, XIII e XVI.

No que tange ao teletrabalhador remunerado por produção ou por tarefa, resta evidente que a medida provisória intenta alcançar aqueles trabalhadores intelectuais, que laboram em suas casas, escritórios ou coworkings, realizando um tipo de trabalho que é facilmente controlável pelos meios telemáticos disponíveis. Isso, inclusive, faz parte a própria essência do teletrabalho, sendo certo que o próprio art. 75-B, alterado pela indigitada Medida Provisória, define o teletrabalho como o “trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação”. Ora, como é possível a pessoa trabalhar com tais tecnologias e não ter a jornada controlada? É evidente que tal expediente é possível, mas se o empregador, por opção, resolve não controlar a jornada, para fingir que o respectivo empregado não labora ou não pode laborar em jornada extraordinária, essa é uma questão que será resolvida pela capacidade interpretativa de cada magistrado.

Dizemos isso por que a Medida Provisória, ao criar tal critério discriminatório, ofendeu o regramento contido no art. 7º, XXXII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que proíbe a distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos e, nesse particular, a norma é inconstitucional.

Nota______________________________________

1º RECEBIMENTO DE SALÁRIO POR TAREFA – PAGAMENTO APENAS DO ADICIONAL. O tarefeiro tem seu salário aferido mediante a combinação de dois fatores distintos: tempo e produtividade. Recebe, portanto, valores relativos ao serviço produzido num determinado lapso de tempo. Por conseguinte, na hipótese de vir a trabalhar em horário extraordinário – assim considerado aquele que supera a duração de 8 horas diárias e 44 semanais (art. 7º, inciso XIII, da Constituição da República) – receberá, em contrapartida, valor que já remunera o tempo despendido na consecução da tarefa, porque necessariamente associado à produtividade alcançada. Daí porque faz jus, nessas circunstâncias, apenas ao adicional cabível, e não ao valor da hora em si. Reforça tal entendimento a Orientação Jurisprudencial nº 235 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR 287003520075150151 28700-35.2007.5.15.0151 – Julgamento: 24/8/2011 – Relator: Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho).