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A Magistratura está no sangue

10 de setembro de 2017

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As atenções de todo o Brasil estão voltadas para o TRF-4, a corte responsável pelo jul­­gamento das ações de segundo grau re­ferentes à Operação Lava Jato. Por isso mesmo, o desembargador federal Carlos Edu­­ardo Thompson Flores Lenz, atual presidente do TRF-4, está acostumado a lidar com as muitas entrevistas da imprensa de todo o País. Nesta, ele fala sobre a re­per­cussão destes jul­ga­mentos, mas também re­ve­la como conduzirá sua gestão no Tribunal, cujo prin­cipal objetivo é tornar ainda mais ágil os julga­mentos de processos.

Há três meses no cargo, o desem­­bargador Thompson Flores irá presidir a Corte no biênio 2017-2019, ao lado da desem­bargadora Maria de Fátima Freitas La­bar­rère (vice-presidente) e do desem­bar­gador Ri­car­do Teixeira do Valle Pereira (corregedor regional).

Gaúcho de Porto Alegre, o magistrado graduou-se em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo (RS), em 1985. Qua­tro anos depois, tomou posse como procurador da República, sendo promovido a procurador-chefe da Procuradoria Regional da República da 4a Região, em 1996. Tornou-se desembargador federal em 2001, assumindo, no TRF-4, a vaga destinada aos membros do Ministério Público.

Em sua carreira no Regional que abrange os esta­dos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, o desembargador Thompson Flores acaba de deixar o cargo de vice-presidente da Corte, mas, antes disso, foi diretor da Escola da Magistratura (Emagis), no biênio 2013-2015 e presidiu a 3a Turma, especializada em Direito Administrativo, Cível e Comercial, por dois mandatos, além de ter integrado o Conselho de Administração e da Corte Especial.

Oriundo de uma tradicional família gaúcha, que tem entre seus membros um dos combatentes da Guer­ra do Paraguai, seu tio-trisavô, Coronel Thomás Thom­p­son Flores, o magistrado é também neto de Carlos Thompson Flores, que foi ministro do Supremo Tribu­nal Federal até 1981, tendo ocupado a presidência da­que­la Corte. Honrando a célebre história familiar, em 2013, o atual presidente do TRF-4 foi empossado como membro da Academia de História Militar Ter­restre do Brasil, em cerimônia realizada no Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA), onde ocupa a cadeira que pertenceu ao seu tio-trisavô.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor assumiu a presidência do TRF-4 em 23 de junho. Apesar do pouco tempo de gestão gostaríamos de saber quais vêm sendo as medidas inicialmente implementadas por sua gestão?

Thompson Flores – A medida mais importante é a implementação da decisão tomada pelo Plenário da Corte visando a implantar e pôr em funcionamento as duas Turmas Regionais, sediadas em Curitiba e Flori­a­nópolis, que descentralizaram o Tribunal Regio­nal Fe­­­deral da 4a Região. Essas duas Turmas julgarão pro­­­ces­sos de natureza previdenciária, pro­movendo maior aproximação entre o jurisdicionado e a Corte de Justiça. Acredito que essa iniciativa, pioneira do Tribunal, nos moldes em que foi pensada, permitirá maior agilidade na prestação jurisdicional.

Revista Justiça & Cidadania – E quais são os principais objetivos de sua gestão à frente do Tribunal?

Thompson Flores – Dar prosseguimento a essa des­cen­­­tra­lização, com a futura ampliação da Corte [o Pro­jeto de Lei já está no Congresso Nacional], criando mais uma Turma em Florianópolis e outra em Cu­ritiba. Penso ser essa solução mais efetiva e menos custosa do que a criação de novas Cortes Federais.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor já foi diretor da Escola da Magistratura (Emagis), do TRF-4. Co­mo foi esta experiência e quais foram os principais feitos de sua gestão? O que esta experiência agregou de importante para seu atual cargo como presiden­te da Corte?

Thompson Flores – Essa experiência foi muito posi­ti­va, pois me permitiu retomar o contato com o mundo acadêmico, com as Escolas de Magis­tra­tura federais e estaduais. Foram assinados inú­meros con­vênios com Universidades e Escolas de Magis­tratura, foi criada a Revista da Escola da Magistratura do TRF-4, realizado o primeiro curso de formação de ma­gis­trados, e, tam­bém, concurso para preen­chi­men­to do cargo de Juiz Federal além, o que é muito impor­tante, da ad­mi­nis­tração do orçamento da Escola. Uma ini­ci­a­tiva desse pe­ríodo que muito me orgulha é o envio de uma mis­são de Magistrados e servidores da Escola a uma visita institucional à Escola da Magistratura da França.

Revista Justiça & Cidadania – O que poderia apontar de pontos positivos da gestão anterior no Tribunal, especialmente sobre projetos aos quais pretende dar continuidade?

Thompson Flores – É uma tradição do TRF-4 a boa ad­­mi­nistração de seus Presidentes, o que dá mui­ta tran­quilidade a seus sucessores. Assim, todos os pro­jetos em andamento na gestão anterior terão pros­se­guimento nesta. Destaco, entre outros, dois: a as­si­na­tura de convê­nios com outras Cortes sobre o pro­cesso eletrônico, fornecendo a nossa tecnologia e ex­periência a essas entidades, e o prosseguimento da descen­tra­lização de Turmas julgadoras do tribunal.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor já men­cio­nou em entrevista que o TRF-4 é reconhecido pela qualidade do processo eletrônico. A que o senhor atribui o sucesso da implantação e operação desse sistema e quais têm sido os grandes ganhos para a movimentação processual?

Thompson Flores – Inegavelmente, o processo ele­trô­nico elaborado no TRF-4 é de alta qualidade, o que é reconhecido nacionalmente. Ele é fruto de pesquisa e realização da excelência da Divisão de In­formática e Tec­nologia do Tribunal. Ele permitiu mais agilidade e faci­lidade na consulta do processo pelas partes e advo­gados, e na própria prestação jurisdicional.

Revista Justiça & Cidadania – Se, nesse âmbito, o TRF-4 se destaca positivamente, de um modo geral, quais serão os principais desafios administrativos no biênio em que a Corte ficará sob sua gestão?

Thompson Flores – O maior desafio nesta gestão
se­­­­­rá superar a limitação orçamentária e de reposição de pessoal. Somente no âmbito do Tribunal já temos 200 vagas a preencher. E várias aposentadorias se anunciam.

Revista Justiça & Cidadania – Também em entrevista recente, o senhor comentou que o novo CPC pouco fez pela celeridade processual, referindo-se ao texto como “prolixo”. O senhor poderia comentar este aspecto em particular?

Thompson Flores – O CPC de 1973, elaborado por uma comissão de juristas presidida pelo saudoso ministro Alfredo Buzaid, o maior dos processualistas brasileiros, com as atualizações promovidas pelo Congresso Nacional, atendia perfeitamente, e de ma­neira superior, às necessidades da Justiça brasileira. Era um estatuto legal concebido por um jurista de notável saber jurídico, e que na tramitação no Con­gresso Nacional, inclusive a pedido do ministro Buzaid, contou com a colaboração de notáveis Mi­nistros do Supremo Tribunal Federal. Entre eles, o saudoso ministro Amaral Santos, e, também, meu saudoso avô, o ministro Carlos Thompson Flores, autor da seção concernente ao recurso extraordinário. O atual Código burocratizou o processo, importou alguns modelos que não se coadunam com a tradição processual brasileira, e principalmente não contou, infelizmente para nós, com um jurista da categoria de Alfredo Buzaid. O ministro Buzaid era fluente em seis ou sete idiomas estrangeiros (entre eles, o alemão e o latim), e possuía uma biblioteca de mais de trinta mil volumes. O pouco tempo que esteve no Supremo Tribunal Federal marcou de maneira indelével a sua judicatura naquela Corte.

Revista Justiça & Cidadania – A “prolixidade” é tam­bém o adjetivo usado por muitos juristas para se refe­rirem ao texto da CF de 1988. Estamos às vés­peras de completar 30 anos da Assembleia Nacional Cons­tituinte e há quem aponte a neces­sidade de uma no­va Constituinte. O que o senhor pensa sobre esta questão?

Thompson Flores – Não simpatizo com textos legais prolixos e extensos. Com maior razão, o texto de uma Constituição. A Constituição de 1988 é uma das mais extensas do mundo. Trata de inúmeras questões que não deveriam constar no corpo de uma Constituição. Só o ADCT possui a extensão da Constituição de alguns países europeus. Acredito que em breve de­ve­remos nos debruçar sobre a sua reforma ou a ela­bo­ração de uma nova Constituição. Esta será uma de­cisão do Poder Legislativo. Vejo como necessária pelo menos uma Revisão Constitucional que promova o seu enxugamento, livrando-a de dispositivos que melhor ficariam na legislação ordinária.

Revista Justiça & Cidadania – O TRF-4 é o respon­sável pelo julgamento das ações de segundo grau referentes à Operação Lava Jato. De que maneira os desembargadores têm lidado com esta questão, já que é um fato que atrai os olhos da mídia e da sociedade como um todo?

Thompson Flores – A oitava Turma do Tribunal, que julga os processos relativos à Operação Lava Ja­to, tem procedido de forma erudita, expedita e dis­cre­ta no jul­ga­mento dos recursos e habeas corpus concernentes a essa operação. A oitava Turma é com­pos­ta por três magistrados experientes, que têm atuado de maneira isenta e imparcial, fato que é re­conhecido nacionalmente.

Revista Justiça & Cidadania – Como o senhor tem percebido a visibilidade do TRF-4 na imprensa após a Lava Jato? Será que a população consegue com­pre­ender melhor o papel da Justiça Federal a partir desta visibilidade?

Thompson Flores – Sim, acredito que o trabalho da im­prensa, auxiliado pelo setor de Comunicação So­cial do Tribunal, tem contribuído de forma decisiva para melhor difundir os trabalhos da Corte e torná-la mais conhecida da população. Quem sabe, num futuro próximo, já nas escolas as crianças conheçam e compreendam a missão do Poder Judiciário, como sucede, por exemplo, nos Estados Unidos.

Revista Justiça & Cidadania – Qual sua opinião sobre as alegações da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a suposta “parcialidade motivada por questões políticas e ideológicas” da parte do Juiz Federal Sérgio Moro?

Thompson Flores – Com a mais respeitosa vênia, não vislumbro qualquer parcialidade na conduta do Magis­trado Sérgio Moro, e esse argumento tem sido repelido em todas as instâncias do Poder Judiciário brasileiro. O TRF-4 já examinou, entre habeas corpus, exceções de suspeição, mandados de segurança e apelações criminais, 701 processos relativos à Ope­ra­ção Lava Jato, e essa questão sempre foi rejeitada.

Revista Justiça & Cidadania – O que podemos espe­rar do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva? Quando deverá ocorrer?

Thompson Flores – O julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva será realizado por três magistrados cultos e operosos, que examinarão a prova dos autos, de forma isenta e imparcial. A nação pode ter certeza de que a decisão por eles tomada estará amparada no melhor direito e será justa. Acredito que este julgamento se realizará até agosto do próximo ano, portanto, na média que tem levado o julgamento das apelações da Operação Lava Jato no âmbito do tribunal [10 meses].

Revista Justiça & Cidadania – Seu tio-trisavô, Co­ronel Thompson Flores, teve uma trajetória marcada pela participação na vida política do País. O que re­pre­senta para o senhor participar de um momento como este, que envolve um dos casos mais relevantes do atual e conturbado cenário político?

Thompson Flores – O Coronel Thompson Flores foi político e militar, tendo falecido na guerra de Canudos. A sua morte é descrita na obra “Os Sertões” de Euclides da Cunha. Meu trisavô é o desembargador Carlos Thompson Flores, magistrado por mais de 40 anos, que no Império foi deputado e governador do Rio Grande do Sul [na época, chamava-se Presidente da Província]. Em 1900, ele fundou e foi o primeiro Diretor da Faculdade de Direito de Porto Alegre, hoje integrante da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Vários de meus antepassados exer­ceram cargos políticos e na Alta Administração da Na­ção, como parlamentares, diplomatas, minis­tros de estado, mili­ta­res e magistrados. O meu avô, o Mi­nistro Carlos Thompson Flores, foi ministro e Presidente do Supre­mo Tribunal Federal, tendo a sua presidência ocor­rido no biênio 1977-1979. Exerceu a magistratura por cinquenta anos. Um de nossos familiares, pelo ramo das famílias Abbott e Borges Fortes, de que sou descendente, o Marechal Hermes da Fonseca, exerceu a Presidência da Re­pública. Assim, há várias gerações a nossa Família participa da História do Brasil, em diversos mo­mentos políticos, de modo que vejo o atual cenário – embora conturbado – com otimismo, pois o Brasil saberá fazer essa travessia e reencontrar o caminho do desenvolvimento econômico e social. Acredito com convicção no conhecido pensamento do escritor Stefan Zweig, que o Brasil é o país do futuro. Aqui, segundo o saudoso escritor, tudo é superlativo: a extensão territorial, a inteligência e a generosidade do povo brasileiro, a diversidade das etnias que formaram esse mesmo povo, bem como a variedade de sua cultura. Tudo isso, acredito, nos conduzirá ainda a um brilhante futuro.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor atuou como Procurador da República nos anos 1990. Vivemos um momento de troca do comando da Procuradoria Geral da República, com a posse da Dra. Raquel Dodge. O que o senhor achou da indicação?

Thompson Flores – Eu sou contemporâneo da Dra. Raquel Dodge, uma Procuradora da República séria, muito dedicada à causa pública e estudiosa. Acredito que o Presidente da República foi muito feliz na sua indicação, sem nenhum demérito aos demais inte­grantes da lista.

Revista Justiça & Cidadania – O senhor vem de uma tradicional família de juristas. Quais influências este fato teve na escolha de sua carreira?

Thompson Flores – Inegavelmente, o fato de per­ten­cer a uma família que há várias gerações dedica-se ao estudo do Direito e à Magistratura no Brasil serviu de inspiração na escolha de minha carreira. Já no iní­cio do século XVIII antepassados meus exerciam a magis­tratura em Portugal, de modo que posso dizer que ela, a magistratura, está no meu sangue. Fazendo um paralelo, recordo-me de uma conhecida ex­pres­são do sau­doso ministro Hermes Lima, quan­do esse notável magis­trado lembrava que a beca do juiz é como uma ves­te de ferro, que o acompanha pelo resto de sua vida.