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Aa faces perversas do mercado ilegal

28 de fevereiro de 2006

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É inegável o crescimento da chamada economia informal nos chamados países em desenvolvimento.  No Brasil, de acordo com estudo realizado pelo Banco Mundial, já atinge cerca de 40% da renda nacional bruta.  De um lado, é preciso identificar as causas do surgimento dessa atividade; de outro, há que se debruçar sobre seu desenvolvimento e conseqüências, em todas as esferas.

De início, são levados para a atividade econômica informal os milhares de desempregados do nosso País; pessoas que não conseguem voltar ao mercado de trabalho e passam a se dedicar a ações não reguladas ou no mínimo toleradas pelo poder público, como o comércio ambulante. A complacência com pequenos delitos, como os praticados pelas chamadas  “sacoleiras”, cria um caldo de cultura que faz proliferar o comércio clandestino. Engrossam essas fileiras pequenos comerciantes e industriais insolventes, que montam negócios de fundo de quintal para geração de recursos necessários à sua sobrevivência na impossibilidade de manutenção de suas empresas.

De outro prisma, ingressam na informalidade profissionais, artesãos, virtuais pequenos empresários, ante as dificuldades burocráticas impostas pela legislação para a abertura, regularização e mantença de empreendimentos legalizados, bem como pela elevadíssima carga tributária existente no Brasil.   São profissionais que preferem continuar atuando na informalidade, apesar do relativo tamanho de seus negócios, uma vez que o salto para a formalidade poderia lhes custar a própria existência.

Aproveitando-se deste quadro e escudando-se na tolerância e omissão das autoridades públicas, vários oportunistas (sonegadores, contraventores e criminosos de variados feitios) valem-se dessas geratrizes da economia paralela, nela se infiltrando e abastecendo-a de produtos falsificados, contrabandeados, ou elaborados sem a mínima observância de quaisquer cuidados técnicos.  Passam a controlá-la como um grande empreendimento. Utilizam-se de mão de obra não especializada, ocupando desempregados, com remuneração vil e total alheamento aos direitos trabalhistas e sociais. Não há recolhimento de tributos, nem se observam exigências de ordem ambiental, de higiene e de controle de qualidade.

Evidentemente, os preços de tais bens colocados à disposição do público são irrisórios se comparados com os produzidos por empresas que cumprem as regras, onerados pela  excessiva carga tributária, pelo cumprimento das normas de fiscalização, pelos direitos sociais e trabalhistas e pelo respeito ao consumidor.

Devido às dificuldades econômicas gerais que assolam a maioria da população, os produtos do mercado ilegal são alvo de grande aceitação, sobretudo pelas camadas média e baixa da escala social, causando aumento da procura e, por conseqüência, incentivando o incremento das atuações marginais.  É evidente que o lucro para tais “empreendedores” é incomparavelmente maior do que o auferido pelos comerciantes, industriais e prestadores de serviços legalizados.  A  sede do lucro fácil se converte, assim, em outra fonte de incremento da informalidade.

Contaminam-se até empresários honestos, em dificuldades episódicas, que passam a adotar em seus estabelecimentos ramos paralelos de produção e venda, incidindo na sonegação e até na prática de outras ilicitudes criminais, com o objetivo de vencer a concorrência, oferecendo vantagens competitivas derivadas da inobservância das disposições legais.  O mercado paralelo se sofistica, tem grandes redes de distribuição e controle, opera transferências ilegais de numerário, interna e externamente.  Os chamados “Caixas 2” e a “lavagem de dinheiro” são ocorrências corriqueiras e contumazes na administração de tais “negócios”.  Aliam-se a esse círculo de ilicitudes setores da criminalidade envolvidos com assaltos a veículos de transporte de mercadorias, sobretudo os que levam eletro-eletrônicos e alimentos não perecíveis.  A carga desviada abastece os distribuidores e é vendida, sem recolhimento de tributos, em autênticas feiras nas áreas mais carentes das cidades.  Infelizmente, a polícia tem conhecimento de tais práticas, mas pouco faz para combatê-las, até por envolvimento de sua banda podre nessa lucrativa atividade delituosa.  A insegurança do transporte de cargas obriga as empresas à contratação de escoltas armadas, viagens em comboios, aumentando os custos e, por conseqüência, os preços para os consumidores.

Os prejuízos causados à economia, como um todo, são gritantes.  A perda de arrecadação de tributos é da ordem de US$ 30 bilhões, conforme dados coligidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional constituída para investigar a pirataria.  Incentiva-se, de outro prisma, a adesão às práticas criminosas, criando-se uma cadeia de atuação onde a violência é o meio utilizado para solução dos conflitos.  A concorrência e a divergência passam a ser resolvidas à bala, ao invés de serem submetidas à intermediação arbitral ou do Poder Judiciário.  Todos perdem: os advogados, as instituições, o erário, inclusive os explorados pela máfia estratificada no comando da informalidade.  Agravam-se as já calamitosas condições de segurança pública no país.  Há inúmeros quistos territoriais dominados pela marginalidade, exercendo em tais áreas verdadeiros poderes de estado, onde praticam julgamentos sumários, execuções, confiscos, impondo restrições ao livre funcionamento do comércio e serviços, toques de recolher e até luto forçado.  Os marginais têm regras próprias de sucessão, resolvidas pela lei do mais forte, dispondo de armamento sofisticado, farta munição e um verdadeiro exército, onde empregam desocupados, foragidos da justiça, ex-presidiários não ressocializados, crianças e adolescentes.

Ante tal quadro, torna-se imprescindível uma ação conjunta da sociedade civil, de suas entidades líderes e das autoridades em geral.  É preciso uma campanha de esclarecimento, que demonstre aos consumidores o risco de consumir produtos de origem duvidosa e que incentive os empresários a respeitar a ética comercial.  Indispensável, sobretudo, exigir do Poder Público não só ações rigorosas no combate e prevenção às práticas criminosas, como a adoção de medidas de desburocratização e diminuição da carga tributária.  O Estado Legal tem de se impor ao Estado Paralelo; têm que ser intensificados a vigilância nas fronteiras, o combate ao tráfego aéreo clandestino, ao contrabando, ao descaminho.   Não é possível tolerar a ocupação territorial sob o comando da bandidagem.

Com essa visão, valendo-se de seu prestígio e liderança no seio da sociedade civil, constituiu a Ordem dos Advogados do Brasil, através de seu Conselho Federal, a comissão de combate ao mercado ilegal, a qual tenho a honra de presidir.  A mencionada comissão agrupa profissionais de notório saber jurídico, especialistas em propriedade intelectual, direito penal, direito tributário, direito regulatório e direito empresarial.   Será uma tarefa árdua e de conteúdo multidisciplinar, devendo se engajar com outras entidades classistas  da indústria, do comércio, dos setores de serviços e dos trabalhadores em geral.

Dentro deste panorama, a ordem dos advogados do Brasil presta mais uma valorosa contribuição para desenvolvimento do Brasil.  Seus trabalhos certamente servirão de fomento para uma maior conscientização e entendimento acerca dos problemas causados pela contínua expansão do mercado ilegal em nosso País.