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Antídoto e veneno

5 de julho de 1999

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A idéia lançada pelo presidente do Senado propondo a criação de uma comissão permanente naquela Casa do Congresso para receber denúncias de irregularidades praticadas no Poder Judiciário, é tão absurda quanta seria a de implantar no Judiciário um órgão destinado unicamente a receber denúncias e julgar crimes cometidos por integrantes do Legislativo. Mais uma vez, a implantação de uma comissão que funcionaria como tribunal de exceção viola a Constituição Federal e a cláusula inafastável da separação dos Poderes.

A Associação dos Magistrados Brasileiros encaminhou à Comissão Especial de Reforma do Judiciário da Câmara dos Deputados a proposta de criação do Conselho Nacional de Justiça, a ser composto por juízes e tendo a participação de representantes do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, aos quais caberia provocar a instauração dos procedimentos destinados a averiguar e punir magistrados que incorressem em faltas administrativas.

Quanto a delitos cometidos por magistrados, eles constituem situações absolutamente excepcionais e têm que ser apurados somente no próprio Judiciário, por provocação e sob a fiscalização do Ministério Público. Exatamente por isso, a AMB enviou representação a Procuradoria Geral da República, para que requisitasse ao Senado as denúncias contra magistrados que estão sendo investigadas pela CPI do Judiciário. A AMB insiste na plena apuração de todas as denúncias, e que, comprovadas as acusações, todos sejam punidos com o absoluto rigor da lei.

O artigo 58 da Carta Magna jamais permitiu que se investigassem magistrados pelo caminho da CPI. E nem poderia ser diferentes, pois torna-se iminente o risco de o Legislativo se transformar no julgador de atos praticados pelos juízes. Isto significaria a implantação de inadmissível forma de controle externo, passando os magistrados a sofrer pressões de todo o tipo, para julgarem dessa ou daquela maneira. Desta forma, a nova proposta do presidente do Senado acaba por triturar as páginas da Constituição, rasgadas quando do requerimento de instalação da CPI do Judiciário.

Os magistrados não pretendem imunidades, como as que, lamentavelmente, ainda favorecem os parlamentares em situações de crimes comuns, sem qualquer relação com o exercício do mandato. Mas também não podem concordar com propostas que ferem a harmonia e a separação entre os poderes.

As instituições devem se proteger das disfunções e mazelas que agridem sua integridade com soluções estáveis e sem panacéias. Só assim atenderão a sua destinação maior, de servir a uma ordem verdadeiramente democrática, intensa à tentação quase diabólica de substituir remédios necessários e inadiáveis por falsos antídotos que produzem o efeito do veneno.