Apresentação

3 de agosto de 2022

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Advogada, Diretora de Redação da Revista JC / Promotora de Justiça, Coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, Integrante do Conselho Nacional do Ministério Público

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O que é ser livre? Esta é uma questão que mobiliza o ser humano desde os primórdios da linguagem e da filosofia. A liberdade pode ser considerada o grau de independência legítimo que um país almeja alcançar no concerto das nações e, por extensão, o conjunto de direitos reconhecidos ao indivíduo, isoladamente ou em grupo, em face da autoridade política do Estado. A liberdade pode servir também para descrever a condição daquele que não está sujeito à exploração do seu trabalho no dia a dia – mesmo que, para a maior parte das pessoas nascidas desde a invenção do trabalho, esta tenha sido apenas uma condição utópica. A liberdade pode ainda sintetizar o conjunto de ideais liberais relacionados à economia e aos costumes, dentre uma série de outros significados.

O que significa ser livre nos dias de hoje? Quais são as liberdades possíveis e como alcançá-las? São outras perguntas que nunca deixarão de ser formuladas aos artistas, pensadores, cientistas sociais, magistrados e juristas de todas as épocas. E as respostas sempre vão variar conforme o momento, a localização geográfica, o contexto histórico e a perspectiva a partir da qual elas forem dadas.

Para aproveitar a passagem do bicentenário da independência, momento tão propenso às reflexões de nossa trajetória e destino enquanto nação livre, Justiça & Cidadania decidiu registrar em livro o que pensam sobre a liberdade aqueles que detêm a imensa responsabilidade de dizer a última palavra em matéria de Direito Constitucional: os ministros do Supremo Tribunal Federal. Convite que, para nossa grata satisfação, foi aceito por todos os atuais onze integrantes da Suprema Corte.

O Presidente da Corte e do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Luiz Fux, especialista em Análise Econômica do Direito, contribui para a obra com artigo sobre a liberdade econômica. No texto, elenca uma série de decisões tomadas pelo STF, ao longo dos anos, para garantir que diferentes atividades econômicas possam ser realizadas com liberdade e segurança jurídica para todos – trabalhadores, empreendedores e empresários.

A liberdade de associação sindical é o tema escolhido pela Vice-Presidente do STF, Ministra Rosa Weber – magistrada de carreira, oriunda da Justiça do Trabalho – que ressalta ser o exercício da associação profissional a maneira mais eficiente, até o momento encontrada, para a superação das desigualdades e dos conflitos coletivos de interesses entre trabalhadores e empregadores.

O decano da Corte, Ministro Gilmar Mendes, escreve sobre a liberdade de ir e vir – pré-condição indispensável para o exercício de uma série de outras liberdades – que tem no habeas corpus seu principal instrumento garantidor, tanto para proteger a liberdade do cidadão que for preso ilegalmente ou por abuso de poder, quanto para a garantia coletiva de direitos fundamentais de segmentos inteiros da sociedade.

A liberdade de reunião em espaços públicos é o tema do artigo do Ministro Ricardo Lewandowski, que esclarece que, embora potencialize outros direitos fundamentais – como a liberdade de manifestação – esta liberdade não é um direito absoluto, pois a Constituição estabelece como pré-condições que as reuniões sejam pacíficas, “sem armas”, “que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local” e que deve haver “prévio aviso à autoridade competente”.

A Ministra Cármen Lúcia nos brinda com um texto sobre a liberdade de imprensa e o direito democrático de informar e ser informado, no qual explica que esta liberdade é, a um só tempo, dever do jornalista e direito do cidadão. Dever do jornalista porque, sem ser livre para informar com seriedade, o profissional pode expor o que não condiz com os fatos. Direito do cidadão porque, sem informação fidedigna, a pessoa não é capaz de formar as próprias ideias sobre o que acontece à sua volta.

No mesmo diapasão, o Ministro Dias Toffoli escreveu sobre a liberdade de expressão, que é atualmente desafiada pelas novas tecnologias, pois apesar de dar voz a milhões de pessoas, o fenômeno das redes sociais foi em parte capturado por movimentos interessados em disseminar desinformação. O que, na visão do magistrado, ameaça a democracia ao fazer com que o cidadão passe a guiar sua conduta e suas escolhas por intermédio de mentiras, incertezas e desconfiança em relação aos governos, à Justiça, ao conhecimento científico e a outras instituições democráticas.

O sensível tema da liberdade sexual foi o escolhido pelo Ministro Luís Roberto Barroso, que elenca uma série de conquistas jurídicas alcançadas pela comunidade LGBTQIA+ ao longo dos últimos anos – como a equiparação da homofobia ao crime de racismo, em histórico julgamento realizado em 2019 pelo STF – a partir das garantias de igualdade formal entre todos os cidadãos, estabelecidas pela Constituição de 1988.

A liberdade eleitoral dos candidatos e a liberdade de escolha dos eleitores são analisadas nos artigos dos ministros Edson Fachin e Alexandre de Moraes, respectivamente, os atuais presidente e vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Após explicar que a censura prévia e as demais formas de restrição da liberdade de expressão dos candidatos são inconstitucionais, o Ministro Moraes ressalta que esta também não é absoluta, na medida em que, ao consagrar o binômio “liberdade e responsabilidade”, a Constituição não permite que a “liberdade de expressão” seja usada como escudo ou desculpa para a prática de discursos de ódio, atos antidemocráticos, ameaças e agressões. Já o Ministro Fachin explica que apesar das eleições provocarem debates acalorados, a longo prazo elas estimulam a harmonia na sociedade, pois a realização de eleições periódicas traz a estabilidade de um governo representativo, escolhido por um método justo e racional, que substitui todas as formas de violência na disputa pelo poder.

Em seu artigo, o Ministro Nunes Marques salienta que, por meio de princípios como o da livre iniciativa e o da livre concorrência, a Constituição de 1988 fez da liberdade empresarial um dos pilares da ordem econômica brasileira. Nesse sentido, defende que para não reprimir a atuação das empresas, a regulação das atividades econômicas pelo Estado deve acontecer de forma criteriosa, a fim de que a intervenção, quando se fizer necessária, não venha a se tornar excessiva.

Por fim, mas não menos importante, o mais novo integrante do Supremo, Ministro André Mendonça, analisa de forma aprofundada os dispositivos da Constituição voltados à proteção da liberdade religiosa, que ele chama de “a primeira liberdade”, pelo fato das religiões terem surgido no mundo muito antes que fossem criadas as leis ou os próprios Estados. Ressalta o magistrado que a nossa “laicidade colaborativa” posiciona o Brasil como detentor de um dos mais avançados sistemas constitucionais do mundo no que se refere ao relacionamento entre o poder religioso e o poder político.

O livro traz ainda a visão dos juristas, contando com capítulos produzidos pelo Presidente da Comissão Constitucional da Ordem dos Advogados do Brasil e ex-presidente do seu Conselho Federal, Dr. Marcus Vinicius Furtado Coêlho, que escreveu sobre o livre exercício da advocacia; e pelo advogado criminalista e professor de Direito Penal Pierpaolo Bottini, que tratou da liberdade de ensino e aprendizado.

Como se pode perceber, apesar de ser palavra que “não há quem explique e ninguém que não entenda”, há muito a ser dito sobre as liberdades. Que esta singela iniciativa – prestigiada de forma nunca antes vista numa produção editorial independente, com a participação da composição completa do Supremo Tribunal e outros juristas tão ilustres – cumpra a missão de despertar novos olhares, reflexões e consciências no marco dos nossos 200 anos enquanto nação livre.

Viva o Brasil e as nossas liberdades!