Questão de Saúde pública e privada

7 de agosto de 2019

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A prestação de serviços de Saúde no Brasil passa pela distribuição de recursos escassos a uma sociedade complexa, que ostenta indicadores comparáveis aos das nações mais avançadas e, ao mesmo tempo, padrões epidemiológicos que nos aproximam do mundo subdesenvolvido.   

Em nossas leis, o acesso à Saúde não é apenas parte do conjunto de direitos sociais expressamente previstos na Constituição, mas um direito regulado por quatro extensos artigos e citado outras 62 vezes ao longo do texto constitucional. O tema é amplo, abrange atores públicos e privados, bem como diversas entidades regulatórias e inúmeros dispositivos legais infraconstitucionais. Justamente por essas especificidades e imbricações, a Saúde no País é também uma fonte quase inesgotável de conflitos políticos e judiciais.

A chamada “judicialização da saúde” é uma expressão bastante visível destas disputas. O problema, que envolve demandas legítimas de direitos, não se restringe a casos isolados. Segundo levantamento encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça ao Instituto Insper, o número de demandas judiciais cresceu mais de 130% nos últimos dez anos, enquanto, no mesmo período, caiu o número total de novos processo judiciais. Apenas em 2017, 95 mil novas ações relacionadas à Saúde começaram a tramitar no Judiciário brasileiro.

O montante de gastos públicos com demandas judiciais na área foi estimado em R$ 1,6 bilhão em 2016. Embora possa ser considerado pequena frente ao orçamento público anual para a Saúde, em torno de R$ 128 bilhões, a cifra já impacta diretamente, por exemplo, a política de compra de medicamentos, um dos principais objetos de centenas de milhares de demandas judiciais.

Na esfera privada, a judicialização excessiva também ameaça direta ou indiretamente as relações contratuais entre 50 milhões de beneficiários de planos de saúde, operadoras e prestadores de serviços. Grande parte dos processos recai sobre procedimentos e medicamentos não previstos nos contratos dos planos e tampouco nas políticas públicas, muitas vezes com alto custo e sem eficácia comprovada.

Embora o recurso às cortes possa ser encarado como o caminho correto para que vigore o respeito aos contratos, os magistrados não podem se responsabilizar pela administração dos recursos das empresas de saúde complementar. A judicialização excessiva preocupa na medida em que a garantia de remédios e procedimentos não contratualmente cobertos para alguns possa comprometer o equilíbrio financeiro dos planos e, em última instância, as coberturas contratadas por todos os demais usuários.   

As “soluções” apontadas no estudo do Insper são muitas, das mudanças na política de formação dos magistrados, com a incorporação de conteúdos de Direito Sanitário, às políticas de incentivo à resolução extrajudicial de conflitos na área. Nesse sentido, é alvissareiro o projeto-piloto do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro – confirmado em recente entrevista à revista de seu presidente, o Desembargador Cláudio de Mello Tavares – para a criar uma plataforma digital de conciliação voltada especificamente às questões da Saúde Complementar.

Oxalá a tecnologia ajude a solucionar estas questões que dizem respeito à saúde de todos nós.

Nesta edição – A Revista JC de agosto destaca na capa a longa entrevista (leia a versão completa no site) concedida pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. O ex-Juiz Federal faz um balanço positivo de seus primeiros meses de gestão, sobretudo na área da Segurança Pública, e comenta os planos para seu futuro político. Outra entrevista, esta conjunta, reuniu os quatro magistrados que estão à frente do Programa Justiça Presente, do CNJ, criado para alavancar medidas locais que ajudem a melhorar as condições do sistema penitenciário nacional.   

A edição traz ainda os melhores momentos da palestra do sociólogo espanhol Manuel Castells, que em disputado evento no Brasil falou sobre as relações entre comunicação, política e democracia; bem como um informe sobre o I Fórum Nacional das Corregedorias, realizado em Brasília sob a liderança do Corregedor Nacional de Justiça, Ministro Humberto Martins. Leia ainda a reportagem especial sobre o Tribunal Regional Federal da 6a Região, com os dados e argumentos que justificam a criação da nova corte a partir do desmembramento do TRF1. 

Por fim, confira os artigos que vão fundo em questões como, por exemplo, a reforma política, o papel da Justiça do Trabalho e os estímulos legais ao turismo. Destaques para o texto assinado pelo Ministro Walmir Oliveira da Costa, sobre saúde e segurança no trabalho, e para o artigo do Deputado Federal Henrique Fontana, que apresenta os argumentos da sua PEC das Diretas, que em breve será votada na CCJ da Câmara dos Deputados.

Boa leitura!