A laicidade e a Justiça

7 de dezembro de 2021

Compartilhe:

Logo após a proclamação da República, em 1890, houve drástico rompimento das relações entre o Estado e a Igreja Católica, que até então era considerada a religião oficial do Império. A ruptura se materializou no Decreto nº 119-A, da lavra de Ruy Barbosa, pelo qual o Brasil deixou de ser um Estado confessional e ampliou a liberdade religiosa, pois se antes havia liberdade de culto, não havia liberdade de crença. Outorgada em nome da Santíssima Trindade, a até então vigente Constituição do Império, de 1824, permitia às outras crenças apenas o culto doméstico, vedada qualquer manifestação pública ou construção de templos. 

O Art. 1º do Decreto proibiu a autoridade federal, assim como a dos estados, de “expedir leis, regulamentos ou atos administrativos, estabelecendo alguma religião, ou vedando-a, e criar diferenças entre os habitantes do País, ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivos de crenças, ou opiniões filosóficas, ou religiosas”. Outros artigos previam a possibilidade de organização religiosa, porém sem contar com a intervenção do Poder Público.

Apesar das grandes dificuldades enfrentadas por diferentes religiões para exercer na plenitude as liberdades de crença e de culto, com tristes capítulos de preconceito e perseguição, os contornos legais dessas liberdades foram sendo delineados nas sucessivas leis e cartas constitucionais editadas ao longo da nossa história republicana. Leis que acabaram por traçar o perfil de um Estado laico hoje perfeitamente descrito no Art. 5º da Constituição Cidadã, que traz a possibilidade de convivência na pluralidade humana e permite a cada um a perspectiva de associar-se ou não a uma ou outra religião, de ter qualquer fé ou de não ter nenhuma. 

Apesar de previsões legais já tão antigas e consolidadas, o ideal contemporâneo da laicidade continua a ser um desafio que o Brasil enfrenta, em várias perspectivas, para evitar que concepções religiosas interfiram, por exemplo, na definição das diretrizes e bases da Educação, na escolha de políticas públicas de Saúde que respeitem os direitos sexuais e reprodutivos, e na máxima neutralidade possível do Estado em relação à diversas outras pautas nas quais a laicidade é crucial para a democracia e para a garantia dos direitos individuais e coletivos. O que inclui, é claro, a atuação do sistema de Justiça nacional em todos os seus órgãos, tribunais, instâncias e esferas.

Nesse sentido, folgamos em saber da disposição do mais novo membro do Supremo Tribunal Federal, Ministro André Mendonça, consignada durante sua sabatina no Senado Federal, na qual, em função de sua condição religiosa, fez bem em ressaltar que a defesa do Estado laico é item essencial do inventário de suas convicções como operador do Direito e, de agora em diante, como integrante da Corte de Cúpula da nossa Justiça.   

Ao Ministro André Mendonça, nossa manifestação de estima e os votos de êxito em numa longa e profícua judicatura no Supremo. Conte com a Revista Justiça & Cidadania em todas as pautas em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito, da autonomia e independência do Poder Judiciário, da soberania nacional e dos direitos da nossa cidadania. 

Novo membro – Aproveitamos ainda a oportunidade para, com muito orgulho, saudar o ingresso do mais novo integrante do nosso Conselho Editorial, o Dr. Flávio Galdino, um antigo colaborador da Revista & Cidadania, cuja relação de parceria torna-
se ainda mais sólida e produtiva a partir de agora. Professor de Processo Civil da UERJ desde 2001, membro do Conselho da OAB-RJ, autor de diversos livros jurídicos, especialista em Direito brasileiro perante os tribunais estrangeiros, o professor Galdino já integrava nossa Confraria por ter sido laureado, em outubro passado, com o Troféu Dom Quixote. 

Boa leitura, boas festas e um novo ano repleto de realizações!