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O combate às fake news – Em nome da verdade

20 de março de 2018

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Uma pesquisa realizada pelo Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), dos Estados Unidos, e divulgada no início de março, mostrou um pouco mais sobre a mecânica e a razão de ser das chamadas fake news, as notícias inverídicas, em geral sensacionalistas, que são divulgadas na internet.

Uma das primeiras constatações do estudo é que as notícias inverídicas são distribuídas muito mais por humanos do que por mecanismos automáticos, os “robôs”. São, portanto, pessoas comuns que se encarregam de divulgar as notícias que ficam hospedadas em diferentes tipos de plataformas online, como: 1) blogs pessoais, assinados ou não por jornalistas diplomados; 2) sites que têm a pretensão de ser mídia oficial; 3) sites de empresas e/ou entidades privadas; ou 4) páginas pessoais em redes sociais, não raro criadas por motivação financeira e, em muitos casos, com proprietários tão fakes quanto o conteúdo.

A pesquisa do MIT, realizada de 2006 a 2017, sobre um universo de 126 mil tuítes em cascata, compartilhadas 4,5 milhões de vezes no site de mensagens instantâneas Twitter, também apontou os motivos que levam uma notícia falsa a ser largamente disseminada. De acordo com os estudiosos, o caráter “emocionante” desse tipo de conteúdo, que não tem qualquer compromisso com a verdade, faz com que suas chances de compartilhamento sejam 70% maiores do que as notícias verdadeiras – independentemente de seu teor, pode ser algo sobre a cura do câncer com um milagroso chá ou a morte repentina de uma celebridade que, ao contrário, está viva e passa bem.

Sobre o aspecto da “emoção”, eu acrescento aqui a minha própria observação: nos dias de hoje, no campo da política, existe uma verdadeira guerra travada entre dois lados oponentes, que defendem ferozmente seus próprios pontos de vista. Assim, encontrar uma “notícia” que sustente a sua ideologia dá vazão imediata à incontrolável necessidade de compartilhamento. Pouco importa saber se a notícia é verdadeira ou falsa, desde que corrobore aquilo que este ou aquele grupo defende.

Mas como saber se a notícia é falsa ou verdadeira? Nós, jornalistas, temos por dever de ofício a obrigação de checar as fontes, investigar a veracidade de um site e até mesmo a existência da pessoa que assina os textos – embora uma das principais características de uma notícia falsa é não ter assinatura do “jornalista”. Em nossa prática diária, temos o hábito de cruzar informações. Sim, um hábito. No exercício da profissão torna-se algo natural duvidar num primeiro momento, checar em seguida e, por fim, fazer esse tira-teima com o cruzamento de informações. Pergunto: qual o percentual de cidadãos comuns que tem este mesmo cuidado? Acredito que um índice bem reduzido.

Para estes últimos, fica a sugestão de pesquisar na internet as maneiras de se reconhecer uma notícia falsa. A primeira dica é verificar no site onde o conteúdo foi publicado quem são os autores ou administradores. A maior parte das notícias falsas não nasce da imaginação fantasiosa de algum desocupado muito inventivo. É muito mais comum que tenham por trás de si um interesse, seja ele político, econômico ou ideológico. A segunda dica é: controle-se. Antes de clicar no link de compartilhamento ou retuítar algo, pense nos motivos que o levam a fazer isso, no quanto isso pode afetar os atingidos e, principalmente, qual será a repercussão legal para você mesmo.

Um processo de conscientização a ser aplicado aos estudantes de ensino médio (o que levaria tempo) e mudanças nos sistemas de algoritmos (que já vem sendo efetuadas pelo Facebook, por exemplo) são dois caminhos para combater as fake news. Os mais imediatos e efetivos, especialmente para blogs e autores que se posicionam como imprensa, é seguir o velho e bom Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Destaco aqui dois de seus artigos iniciais: Art. 2o – A divulgação da informação, precisa e correta, é dever dos meios de divulgação pública, independente da natureza de sua propriedade; Art. 3o – A informação divulgada pelos meios de comunicação pública se pautará pela real ocorrência dos fatos e terá por finalidade o interesse social e coletivo.

Ressalto, também, o que estabelece o Código em relação à conduta profissional do jornalista: Art. 7o ­
– O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação.

No que diz respeito aos deveres do jornalista, o Código observa o seguinte: “Combater e denunciar todas as formas de corrupção, em especial quando exercida com o objetivo de controlar a informação”, não podendo o profissional: “Submeter-se a diretrizes contrárias à divulgação correta da informação”.

Por fim, destaco o que diz o Art. 14: O jornalista deve: – Ouvir sempre, antes da divulgação dos fatos, todas as pessoas objeto de acusações não comprovadas, feitas por terceiros e não suficientemente demostradas ou verificadas; – Tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar.

A Justiça Eleitoral está se preparando para combater este que é um dos principais desafios das eleições gerais de 2018. Para tanto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) formou um conselho consultivo para ­estudar soluções para o problema. Em entrevista ­recente, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, deixou claro que o grupo, integrado por uma elite da inteligência da Agência Brasileira de ­Inteligência (ABIN), não permitirá a ação de quem pretende utilizar as fake news para obtenção de um resultado político ilícito.

A preocupação se justifica. Recentemente, uma matéria da jornalista Juliana Gragnani, para o site BBC Brasil, revelou uma intrincada rede de fake news estruturada em 2010, ainda nos tempos do extinto Orkut, mas que também se valeu do Twitter e do, então, iniciante Facebook para criar centenas de perfis falsos em favor de um determinado candidato às eleições gerais daquele ano.

Arrisca-se quem não segue o Código de Ética dos Jornalistas e, principalmente, quem envolve na produção de conteúdo ilícito personalidades que se destacam na mídia e integrantes do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, que estão naturalmente mais expostas e, por isso mesmo, podem cobrar um posicionamento legal em relação aos autores. Criar boatos não é crime. O que existe hoje é a possibilidade de enquadrar o criador de fake news nos delitos de calúnia, difamação e injúria, de acordo com o Código do Processo Penal.

Vivemos um momento bastante positivo para a imprensa nacional, há que se reconhecer este fato. Especialmente quem viveu o período do regime militar, sabe muito bem que, hoje, podemos desfrutar de grande liberdade de imprensa. E isto é muito bom. Assim como considero excelente o advento das mídias sociais para que mais e mais pessoas ganhem voz. Infelizmente, acredito que os poucos mais de 30 anos de democracia ainda não foram suficientes para aprendermos a usar esta liberdade com consciência. Há muito o que se aprender e regulamentar. Por ora, cabe a cada um de nós empregarmos grandes doses de bom senso.