O poder do diálogo para o aperfeiçoamento das instituições e a reafirmação dos valores democráticos*

17 de outubro de 2023

Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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Neste mês de setembro, tomará posse como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) o Ministro Luís Roberto Barroso. Segundo noticiado pela mídia, o próximo presidente da mais alta Corte do País tem se posicionado no sentido “de ampliar o relacionamento institucional do Supremo Tribunal Federal com os diversos setores da sociedade”.

Louvável a postura do Ministro Barroso de estabelecer diálogo com os mais variados segmentos sociais e econômicos, a fim de que o Poder Judiciário possa estar mais próximo e se torne mais efetivo e comunicativo com os jurisdicionados. Como se sabe, os atos do Poder Judiciário e, em especial, do Supremo Tribunal Federal, têm despertado crescente interesse, devido ao protagonismo das principais decisões que geram efeitos em todo País, sobretudo quando atribuído efeito vinculante.

A maioria das matérias decididas possui alto impacto entre as cidadãs e cidadãos, nas atividades empresariais, na arrecadação, no setor público, para os costumes e no modo como a sociedade será regulada, em diversos aspectos, que desafiam interesses antagônicos. Nesse sentido, as tensões provocadas por entendimentos diversos sobre determinado tema, por vezes, colocam os Poderes instituídos e dimensões da sociedade civil organizada em posições distintas. A busca pelo aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito deve ser incessante, sempre com base na primazia da ordem constitucional, mas, diante da complexidade dos casos controvertidos, estabelecer respostas institucionais que atendam aos vários anseios não é tarefa fácil. Discordâncias e críticas construtivas são salutares, no entanto, muitas vezes as insatisfações com os mecanismos de controle estabelecidos pela Constituição resultam em verdadeiros excessos e ataques às instituições.

Para que as decisões se aproximem, tanto quanto possível, dos interesses da sociedade, importante que as matérias de alta complexidade sejam debatidas, a fim de que se tenha a exata dimensão dos diversos olhares sobre um mesmo tema.

A Constituição de 1988 trouxe estabilidade institucional e incorpora valores que informam a democracia, as liberdades, a justiça social e a República. O documento se notabilizou por colocar a cidadania no centro da política; prever a inclusão social e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; valorizar não só os direitos individuais, como também os direitos coletivos e sociais; priorizar a dignidade humana e dar instrumentos para que as garantias e conquistas das cidadãs e cidadãos sejam respeitadas e livres de qualquer tipo de discriminação.

Uma das pautas de fundamental importância e interesse é, sem dúvida alguma, a que trata dos direitos sociais e as discussões em torno da proteção do direito fundamental ao trabalho digno, que tem como princípios basilares o diálogo e a justiça social.

Para a centenária Organização Internacional do Trabalho (OIT), o diálogo social é princípio fundamental que compreende a aproximação dos envolvidos (governos, trabalhadores e empregadores) para o debate de temas de interesses comuns, relativos às políticas econômicas, laborais e sociais, sendo um dos aspectos essenciais para o alcance do trabalho digno e da justiça social. Referido princípio basilar direciona a atuação da OIT para a formalização de normas internacionais, com alcance nos seus 187 países-membros, e tem sido reafirmado nos principais instrumentos do organismo internacional, como na Declaração de Princípios de 1998, por meio da liberdade sindical e do reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, e na Declaração sobre a Justiça Social para uma Globalização Justa de 2008, instrumento que destaca:

[…] num mundo de crescentes interdependências, complexidades e com a internacionalização da produção, o diálogo social e a prática do tripartismo entre governos e representantes de trabalhadores e empregadores dentro e fora das fronteiras nacionais são cada vez mais relevantes para o alcance de soluções e para a construção da coesão social e do Estado de Direito através de, entre outros, das normas internacionais do trabalho.

Sobre o tema, importante citar que o Supremo Tribunal Federal formou maioria neste mês de setembro, a respeito do fortalecimento das negociações coletivas e, consequentemente, do diálogo social, no julgamento sobre a cobrança da contribuição assistencial, mesmo para os empregados não sindicalizados, desde que aprovada por negociação coletiva e haja previsão de oposição pelo empregado. A proposta de mudança de entendimento partiu do Ministro Barroso, após concluir que, com o advento da reforma trabalhista (Lei no 13.467/2017), “os sindicatos perderam a sua principal fonte de custeio”. Considerou, ainda, que no modelo em que os não sindicalizados não pagam contribuição assistencial “não há incentivos para o trabalhador se filiar ao sindicato”, o que cria a figura do “carona”, que é aquele que “obtém vantagem, mas não paga por ela”, ficando o financiamento das entidades sindicais a cargo dos que são filiados e pagam suas contribuições, com a criação de “desequiparação injusta entre empregados da mesma categoria”.

Outro destaque importante quando se fala de diálogo, são os relevantes institutos do amicus curiae e da audiência pública para a formação dos precedentes nos tribunais superiores, principalmente do Supremo Tribunal Federal. Como defendeu o professor Cassio Scarpinella Bueno, em evento virtual realizado pelo STF, “o amicus curiae diz respeito a um interesse institucional, e não a um interesse subjetivado”. Segundo o professor, o amicus curiae “defende muito mais uma ideia, um valor, uma política pública ou uma linha que afetará diretamente várias pessoas, indo além do interesse próprio”. Ainda segundo Scarpinella Bueno, a presença do amicus curiae “corporifica o interesse da sociedade, possibilitando a paridade de armas e valorizando o regime democrático, com a apresentação de prós e contras sobre o tema”.

Ainda nesse cenário, relevante mencionar a teoria do diálogo institucional, para assegurar a legitimação da jurisdição constitucional e tornar mais democrática a interpretação e concretização da Constituição. De acordo com André Carias de Araújo:

[…] por meio do diálogo institucional as controvérsias do sistema institucional devem ser solucionadas por uma atividade sistêmico-dialógica, com o afastamento do comportamento tradicional isolado, baseando-se na cooperação entre as instituições e superando-se as tradicionais teorias da interpretação constitucional e de separação de Poderes. Trata-se de atuação coordenada entre os Poderes estatais, instituições e diversos segmentos da sociedade civil organizada, a partir da utilização de mecanismos que viabilizam um processo contínuo e ininterrupto, em que cada ator institucional contribui com suas capacidades específicas, potencializando a qualidade democrática na consecução do melhor significado constitucional.

Em algumas situações, o caminho do diálogo institucional será o mais adequado, para possibilitar a construção de soluções compartilhadas e garantir maior harmonia entre os Poderes. Em outras situações, no entanto, esse não será um percurso possível e nem o esperado. Cada vez mais, o Poder Judiciário tem sido chamado a concretizar as promessas constitucionais, o que tem feito pela aplicação direta da Constituição (mesmo que a situação não esteja expressamente contemplada no seu texto); pelas declarações de inconstitucionalidade; pela imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, especialmente no que respeita a políticas públicas, entre outras. A Constituição de 1988 trouxe notável fortalecimento do Poder Judiciário e da jurisdição constitucional, pelo efeito vinculante dos precedentes do Supremo Tribunal Federal, mediante sua relevante função interpretativa.

Daí a grande relevância da aproximação do Poder Judiciário da sociedade.

Nesse sentido, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) tem se colocado como interlocutora entre o Poder Judiciário trabalhista e os vários segmentos da sociedade, inclusive para o esclarecimento de direitos, com o programa “Trabalho, Justiça e Cidadania”, realizado há quase duas décadas nas escolas públicas pelas Associações Regionais de Magistrados do Trabalho (Amatras), com a distribuição de cartilhas próprias. Do mesmo modo, a Anamatra realizou parceria com o Supremo Tribunal Federal para o combate à desinformação, participando da campanha “Turma da Mônica e o Poder Judiciário”, com a elaboração de material específico e distribuição pelas secretarias municipais de educação, para o esclarecimento sobre o funcionamento do Poder Judiciário e o combate às fake news.

No tocante à competência da Justiça do Trabalho para o reconhecimento das relações de trabalho, diante da complexidade que os novos arranjos empresariais e as tecnologias trouxeram para o mundo do trabalho, a Anamatra tem se colocado disponível para intermediar o diálogo institucional, a fim de que eventuais divergências interpretativas possam ser superadas e que seja alcançado o desejável equilíbrio entre a observância dos precedentes do Supremo Tribunal Federal e a competência do Poder Judiciário trabalhista, prevista no art. 114, I da Constituição.

Certamente esse e outros temas vão ao encontro da ampliação da relação institucional pretendida pelo próximo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

O diálogo institucional possibilita o aperfeiçoamento das instituições e a reafirmação dos valores democráticos, com a efetiva participação dos Poderes constituídos e a ampliação da interação com a sociedade civil, em temas essenciais, principalmente em matéria constitucional.

*Artigo entregue antes da solenidade de posse de Ministro Barroso na Presidência do STF, em 28/9.

Notas_______________________________________

1 Disponível em: <https://www.metropoles.com/colunas/rodrigo-rangel/o-ousado-plano-de-barroso-para-tornar-o-stf-mais-pop-e-eficiente>.

2 Disponível em: <https://www.ilo.org/lisbon/temas/WCMS_650874/lang–pt/index.htm>.

3 Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/economia/stf-tem-maioria-para-validar-contribuicao-assistencial-a-sindicatos-por-todos-empregados/ >.

4 Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=481626&ori=1>.

5 Disponível em: <https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/47703>.

6 Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/desinformacao/>.