O papel do decano

5 de novembro de 2020

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Decano é o termo latino que significa “chefe de dez”. Surgiu no exército romano, originalmente para designar o líder de um pelotão de legionários que viviam sob a mesma tenda. Com o passar dos séculos, como aconteceu com vários outros termos militares, assumiu significados análogos em outras instituições, como na Igreja e na administração pública. 

No Poder Judiciário, há muito, decano é a condição atribuída ao magistrado mais antigo do Tribunal. Porém, foram poucas as ocasiões nos 191 anos de  história do Supremo Tribunal brasileiro em que o termo assumiu sentido tão próximo ao seu original em latim, indicando a ascendência sobre os demais magistrados, quanto ocorreu desde 2007, quando o Ministro Celso de Mello alcançou a condição de decano no STF.

Conhecido pela erudição, elegância, profundidade de conteúdo e por buscar nos fundamentos filosóficos do Direito o embasamento para seus votos e pareceres, o Ministro encheu de significado um posto que até então, na maior parte do tempo, existia apenas no campo simbólico e cerimonial. Pois sempre foi fonte de inspiração e exemplo aos demais integrantes do Tribunal e ao conjunto dos magistrados brasileiros como um todo.

Apesar de dar poucas entrevistas e geralmente pronunciar-se apenas nos autos dos processos, o Brasil sempre aguardou conhecer com vivo interesse a posição do Ministro Celso de Mello a respeito dos grande temas do Direito, como o respeito às garantias constitucionais e à democracia, sobre os quais nunca silenciou.

Contudo, durante suas mais de três décadas no Supremo, incluindo 13 anos como decano, o Ministro Celso de Mello não se limitou a defender com veemência os princípios constitucionais, ou a se manifestar de forma enfática frente as ameaças de autoritarismo, nos momentos de tensão entre os Poderes. Foi também um magistrado que sempre sustentou posições à frente de seu tempo.

O mais antigo, em muitas ocasiões, era também o mais moderno.

Foi assim, por meio de votos e pronunciamentos memoráveis, comemorados pela sociedade civil organizada, que o Ministro Celso de Mello se pronunciou favoravelmente, por exemplo, ao controle externo do Poder Judiciário pela sociedade civil; à unificação/ desmilitarização das polícias e extinção da Justiça Militar nos estados; à extensão da possibilidade de impeachment a todos os integrantes da magistratura; à inadmissão da pena de morte; à limitação da imunidade parlamentar aos atos praticados no exercício do mandato; à admissão da eutanásia em certas circunstâncias; ao direito ao aborto nos casos de fetos anencefálicos; à diferenciação entre usuários e traficantes de drogas; à fixação das possibilidades legais para a união civil entre pessoas do mesmo sexo; etc. Temas que nunca contaram com a unanimidade, e muitas vezes sequer com a simpatia de seus pares na Corte Suprema, mas sobre os quais Celso de Mello se posicionou com destemor e independência.

Que o perfil discreto e avesso aos holofotes não impeça o decano de receber nossas homenagens por seu triunfo enquanto grande magistrado, manifestas ao longo das matérias e artigos dessa edição, alguns dos quais assinados por seus companheiros de toga.

Ministro Celso de Mello, a democracia brasileira lhe agradece.

Ao mais novo membro do Supremo Tribunal, Ministro Kassio Nunes Marques, deixamos nossos votos de boa sorte e imenso êxito na judicatura que ora se inicia.

A todos, boa leitura!