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A atuação do Ministério Público no combate ao crime organizado: o Gaeco e o respeito ao Princípio do Promotor Natural

14 de janeiro de 2015

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Ana-CarolinaCom a finalidade de identificar, prevenir e reprimir o crime organizado e as atividades ilícitas especializadas no estado do Rio de Janeiro foi criado, na estrutura da Procuradoria-Geral de Justiça, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/RJ), com abrangência em todo o estado do Rio de Janeiro, podendo ser criados setores de atuação regionalizada ou especializada, conforme o interesse institucional.

O Gaeco é resultado da transformação e reformu­lação do Núcleo de Combate ao Crime Organizado e às Atividades Ilícitas Especializadas (NCCO), por meio da Resolução GPGJ no 1.570, de 5/3/2010, no âmbito do Ministério Público do Estado Rio de Janeiro, integrando Promotorias e Procuradorias de Justiça para atuações conjuntas.

Para alcançar seus objetivos, ao Gaeco compete oficiar, em representações, inquéritos policiais, procedimentos investigatórios de natureza criminal, peças de informação, medidas cautelares, ações penais e procedimentos administrativos que recomendam atuação especializada, por solicitação justificada do Promotor investido de atribuição ou mediante anuência do Promotor Natural, por iniciativa do Coordenador.

Na medida em que a solicitação é formalizada pelo Promotor Natural, ou mediante sua anuência, se a iniciativa partir do Coordenador, o Gaeco passa a exercer sua atribuição legalmente, sendo, em regra, tal auxílio formalizado por meio de Portaria. Os Promotores que atuam na instrução processual, membros do Gaeco, detêm designação especial.

Nesse sentido, o auxílio do Gaeco, por designação especial e com base no Princípio da Unidade que rege o Ministério Público, tem respaldo na Jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores, não havendo qualquer ofensa ao Princípio do Promotor Natural e ao Devido Processo Legal.

O nosso sistema jurídico consagra o Princípio do Promotor Natural como instrumento de garantia de julgamento imparcial. A quebra desse princípio, contudo, só ocorre na hipótese de designação de Promotor ou Procurador de Justiça ad hoc sem obediência a critério anterior­mente regulamentado, hipótese em que haverá lesão à ampla defesa do acusado e ao exercício pleno e independente das atribuições do próprio Ministério Público.

Se, em determinado caso concreto, a denúncia for ofertada pela Promotoria de Justiça do Gaeco, não há qualquer óbice para atuação do referido corpo ministerial. Pelo contrário: a especialização de Promotorias, objetivando promover a persecução penal de maneira mais eficiente, desde que estabelecida previamente ao fato criminoso, não viola o Princípio do Promotor Natural.

O ordenamento jurídico pátrio estabelece, notadamente, a unidade e indivisibilidade do órgão do Ministério Público, desta feita, o princípio da unidade significa que o membro da instituição, no exercício de suas atribuições institucionais, é o próprio Ministério Público. Assim, tecnicamente, o membro do Ministério Público não representa, mas “presenta” a instituição.

Os juristas e doutrinadores Guilherme de Souza Nucci e Maria Thereza Rocha de Assis Moura, em sua obra conjunta “Código de Processo Penal Comentado” (10a edição, 2011), ensinam, às fls. 219/222, que:

(…) É verdade que a Constituição brasileira – seguindo inspiração do Parquet francês – institui a regra da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público, e por meio desses princípios alguns doutrinadores procuram ver o princípio hierárquico. Entretanto, diversamente do modelo estrangeiro, o Brasil não é Estado unitário, de forma que a rigor nem mesmo há unidade real entre as instituições ministeriais. Depois, unidade significa apenas que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, mas segundo a forma estabelecida na lei. Nesse sentido, não há unidade ou indivisibilidade entre membros de Ministérios Públicos diversos; só há, dentro de cada Ministério Público, e assim mesmo dentro dos limites da lei. Por fim, ao mesmo tempo em que fala em unidade e indivisibilidade da atuação ministerial, a própria Constituição estabelece seus limites, ao assentar entre nós, ao contrário do que ocorre no Ministério Público francês, em vez do princípio hierárquico o princípio da independência funcional (CF, art. 127, §1o).
(…) promotor natural é aquele órgão que, em nome do Ministério Público, está investido, pela Constituição e pelas leis, no poder de tomar as decisões originárias que cabem à instituição. Importa notar que o STF, superando as controvérsias a respeito, em memorável decisão plenária, já proclamou a existência em nosso Direito do chamado princípio do promotor natural, instituído pela nova ordem constitucional de 1988 (HC 67.759-2-RJ, j. 06.08.1992, JSTF 180/255, RTJ 146/794 e RT 705/412).
Sem dúvida, nos casos previstos em lei, o Procurador-Geral pode designar membro do Ministério Público para atos específicos – o próprio art. 28 do CPP é eloquente exemplo disso, e outros mais exemplos arrolaremos adiante. O que não se admite, porém, é que, a pretexto de designar um membro do Ministério Público ou avocar uma manifestação, se afaste de forma ilegítima o promotor a quem incumba oficiar no caso, segundo as regras normais de competência ou atribuição, ou seja, promotor natural.
O promotor natural é, pois, o reverso do promotor de encomenda (de livre escolha do procurador-geral de justiça, que os designaria e afastaria ad nutum). A inamovibilidade dos membros do Ministério Público – predicamento consagrado na própria Constituição Federal – não teria sentido se dissesse respeito apenas à impossibilidade de se afastar o promotor do cargo: é mister agregar-lhe as respectivas funções – esse o escopo da garantia constitucional.
As designações do Procurador-Geral só se podem admitir quando decorram de taxativa hipótese legal, pois, se não, sob a roupagem de mera portaria de designação, poder-se-ia burlar indiretamente a inamovibilidade. Deixando-se o promotor na Comarca ou na promotoria, mas suprimindo-lhe, senão todas, mas suas principais funções, estar-se-ia facilmente elidindo a garantia constitucional de inamovibilidade, que se refere ao cargo, mas visa substancialmente a proteger a própria função.
Insistindo, pois, só podem ocorrer designações se houver prévia hipótese legal, como, por exemplo: a) na recusa de arquivamento do inquérito policial ou do inquérito civil, b) quando tenha o próprio Procurador-Geral atribuições originárias para oficiar, porque, sempre que originariamente lhe caiba agir, naturalmente poderá avocar a prática do ato ou designar quem aja por ele; c) nos casos de impedimento, suspeição, conflito de atribuições entre membros do Ministério Público; d) nas hipóteses excepcionais de afastamento compulsório; e) quando de designações quaisquer, em que os agentes envolvidos voluntariamente se disponham a aceitar a designação. A ratio legis da inamovibilidade e do princípio do promotor natural não é servir apenas de garantia ao próprio promotor nem é apenas proteger o próprio cargo, mas principalmente assegurar o exercício das funções do cargo. Daí significar o princípio a garantia ao promotor do exercício de suas funções, excetuadas apenas as hipóteses legais. […]. (grifos nossos)

O Gaeco é uma realidade na estrutura de diversos Ministérios Públicos estaduais, a exemplo do que ocorre no estado do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, da Bahia, dentre outros.

Como já ressaltado, o grupo tem uma característica de maior operacionalidade para a execução de atos investigatórios, atuando de forma singular ou em parceria com o promotor de justiça natural de cada caso, se esse assim o desejar, realizando investigações tanto no corpo de inquéritos policiais em andamento ou que são requisitados e acompanhados pelo grupo, bem como por meio de Procedimentos Administrativos Criminais instaurados no âmbito do próprio grupo.

A atividade é inovadora e difere da atuação criminal comum de cada promotor basicamente pela dedicação a determinados casos em que haja a possibilidade da existência de uma organização criminosa e pela ação direta em certos casos, com a realização de atos de investigação.

A iniciativa do trabalho do Gaeco nos estados da Federação contribuiu efetivamente no combate ao crime organizado, revelando-se instrumento eficaz na realização da Justiça, em plena conformidade com as leis e a Constituição da República Federativa do Brasil, na busca do desenvolvimento do Estado Democrático de Direito.