Autonomia dos estados e abstrativização do controle difuso

2 de janeiro de 2013

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Resumo: O objetivo do presente artigo é esboçar uma breve apresentação sobre aspectos que norteiam a ideia de autonomia atribuída constitucionalmente aos entes componentes do sistema federativo brasileiro. A abordagem desenvolve-se atrelada a referência ao exercício do controle repressivo de constitucionalidade sobre leis e atos normativos estaduais a cargo do Supremo Tribunal Federal, através do Tribunal Pleno, quando ocorre a hipótese específica de interposição do recurso extraordinário, em sede de representação de inconstitucionalidade, em situações nas quais a ação direta de inconstitucionalidade recai sobre norma estadual de reprodução obrigatória de dispositivo da Constituição Federal. Nesse contexto focaliza-se o fenômeno da abstrativização do controle difuso e seus efeitos decorrentes.

Palavras-chaves: Federação. Autonomia. Constituição Federal. Recurso extraordinário. Abstrativização do controle difuso.

Abstract: The purpose of this article is to sketch a brief presentation on aspects that guide the idea of autonomy constitutionally assigned to federal entities of Brazilian federal system components.The approach develops the reference linked to the exercise of repressive control of constitutionality of laws and normative acts over the state Supreme Court, through the Full Court, occurs when a specific hypothesis of filing an extraordinary appeal, in representation of unconstitutionality, in situations where the direct action of unconstitutionality rests with state standard playback device mandatory Federal Constitution. In this context focuses on the phenomenon of abstrativização of the diffused control and its effects.

Keywords: Federation. Autonomy, Federal Constitution.. Extraordinary appeal. Abstrativização of the diffuse control.

Sumário: Introdução. 1. Representação de inconstitucionalidade e autonomia dos Estados. 2. Recurso extraordinário em sede de representação de inconstitucionalidade 3. Conclusão 4. Referencias Bibliográficas.

Introdução

A organização político-administrativa do Brasil demonstra a adoção definitiva pela forma federativa de Estado (artigo 60, §4º, inciso I, da CFRB/88). Integram a estrutura federativa da República do Brasil a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, na qualidade de unidades federadas autônomas que mantêm entre si uma relação de horizontalidade.

Muitos doutrinadores destacam que o Brasil revela uma Federação suis generis por incluir o Município e o Distrito Federal como unidades da federação.

Nesse sentido, leciona Manoel Gonçalves Ferreira Filho que a Carta Magna de 1988 inovou ao incluir os municípios à Federação, consagrando a existência de três ordens, em lugar de apenas duas, conforme usualmente se procede no Estado Federal.

Assim, admite-se a ordem total (União), a ordem regional (Estados) e a ordem local (municípios), vislumbrando-se no federalismo brasileiro a existência de uma descentralização do todo, mas, também, das partes, com a incorporação dos Municípios[1].

Resta evidente que o modelo de federalismo pátrio reúne peculiaridades que formam um desenho político-constitucional singular.

1. Representação de inconstitucionalidade e autonomia dos Estados

A prerrogativa de autonomia dos Estados impõe aos mesmos a elaboração da Lei Fundamental (artigo 25, caput, da CRFB/88), para estruturação da organização interna de seu espaço territorial de atuação. A constitucionalização da nova ordem jurídica se processa através do poder constituinte decorrente inicial, outorgado pela Constituição Federal aos Estados-membros.

Atente-se que o poder constituinte decorrente dos estados é exercido sob o prisma de subordinação, limitação e condicionado ao poder constituinte originário, do qual é derivado. Essas orientações traçadas para exercício da competência que preordena a auto-organização dos Estados, desperta interpretações variadas na doutrina brasileira sobre a real dimensão dessa autonomia.

É nesse sentido que se faz menção à edição da Emenda Constitucional nº1 de 1969 que trouxe para o sistema constitucional brasileiro o “princípio da incorporação automática”, ou seja, a imposição aos Estados-membros da obrigatoriedade imediata de incorporar as disposições do texto constitucional federal em suas constituições estaduais.

A conjuntura político-constitucional de demasiada centralização no modelo jurídico federal, tornava iminente a ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal federal diante de qualquer disposição no direito estadual que contrariasse, ainda que minimamente, o padrão constitucional federal.

Com o advento da Carta Política de 1988 vislumbra-se uma maior relevância ao tema da autonomia dos Estados-membros[2].

Ainda assim, há entendimentos que se insurgem no sentido de demonstrar que, ainda, existem vestígios significativos da tendência à centralização do poder na União federal em face dos Estados-membros[3].

Cuidando desse tema, muitas análises deixam entrever que a noção de autonomia dos Estados é dada pela capacidade de auto-organização, legislar, administrar e autogestão prevista constitucionalmente. Isso favorece aos Estados-membros funcionarem como “laboratórios políticos”, [4] em outras palavras, “na função de desenvolverem novas ideias sociais, políticas e econômica que possam solucionar de modo mais adequado seus próprios problemas”.

Surge para os Estados-membros, inevitavelmente, a necessidade de mecanismos de controle normativos e parâmetros de fiscalização para exercer suas atribuições e competências. O poder constituinte originário não se silenciou sobre o assunto e institui como consta no artigo 125 §2º da Constituição Federal, a representação de inconstitucionalidade, a permitir a cada Estado-membro prever o procedimento de controle abstrato de constitucionalidade em sua Constituição Estadual.

2. O Recurso extraordinário em sede de representação de inconstitucionalidade

O recurso extraordinário é remédio processual, tipicamente, empregado no controle difuso de constitucionalidade.  Não obstante, admite-se sua interposição no controle abstrato de constitucionalidade, nos termos do artigo 102, inciso III, alínea a, da Constituição Federal.

Devido a isso, afirma-se que é cabível recurso extraordinário contra acórdão proferido pelo Tribunal Justiça, em sede de representação de inconstitucionalidade, que impugna lei ou ato normativo estadual ou municipal, em desconformidade com norma da Constituição Estadual, que constitua norma de reprodução obrigatória de dispositivo da Constituição Federal.

Nesse caso, compreende-se, primeiro que o recurso extraordinário é interposto no âmbito do juízo abstrato, em virtude de ter sido instaurado através de representação de inconstitucionalidade. Em segundo, que o Supremo Tribunal irá aferir a validade da norma impugnada em função do recurso extraordinário; a ação direta de inconstitucionalidade coube na representação de inconstitucionalidade.

Em terceiro, realça-se que devido o controle de constitucionalidade estar difundido em dois órgãos do judiciário (Tribunal Justiça através da representação de inconstitucionalidade e no Supremo Tribunal Federal pelo recurso extraordinário que ataca o respectivo acórdão advindo da representação), o julgamento do recurso extraordinário em sede de representação de inconstitucionalidade é um controle abstrato que se faz pela via difusa.

O controle abstrato pela via difusa acarretará à decisão, que julgou o recurso extraordinário, eficácia erga omnes e vinculante.  Entenda-se, inclusive, que para tal efeito é desnecessária a observância ao comando do artigo 52, inciso X, da Constituição Federal. Basta à decisão do Supremo para determinar a suspensão da execução da norma dita inconstitucional e a delimitação da eficácia genérica e vinculante.

Ao Senado Federal que, a rigor, no controle difuso teria a incumbência da suspensão da execução da norma inconstitucional cabe, agora, tão somente dar publicidade sobre a inconstitucionalidade da norma, “(…) ao Senado Federal no quadro de uma verdadeira mutação constitucional resta atribuição constitucional apenas para dar publicidade à suspensão de execução de lei declarada inconstitucional, no todo ou em parte, pelo Supremo Tribunal Federal” [5].

A esse procedimento empregado pelo Tribunal Pleno do Supremo nomeia-se de abstrativização do controle difuso. Em outras palavras, trata-se de procedimento do qual se serve o Supremo, na esfera de seu Tribunal, de aproximar os efeitos da decisão do controle de constitucionalidade difuso, dos efeitos usuais da decisão obtida na via abstrata (eficácia erga omnes e vinculante). [6]

É importante atentar que se instituiu a própria “objetivação do recurso extraordinário” quando, em sede de representação de inconstitucionalidade, opera-se a abstrativização do controle difuso[7]·, pois se trata o controle difuso como processo objetivo fosse.

A abstrativização, aliás, é considerada uma das mutações constitucionais admitidas no âmbito do Supremo, isto é, “alterações da Constituição de maneira informal, diferentemente da reforma que obedece a rigorosos procedimentos (formalidades) prévia e expressamente previstos na Lex Legum” [8]·. Disso resultaram muitos debates.

A nova interpretação aos efeitos da decisão estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito do controle difuso, da qual se extrai a limitação do instituto de suspensão de execução da norma inconstitucional e seus desdobramentos, provoca questionamentos sobre a compatibilidade do fenômeno da abstrativização do controle difuso com o ordenamento jurídico constitucional.

De forma geral, a criação de mutações constitucionais pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, malgrado, não seja algo novo ou vedado, nem sempre é visto sem gerar dissenso na doutrina, por conta do entendimento de que o fenômeno debilita a rigidez intrínseca a estrutura normativa da Constituição.

Outros posicionamentos aparecem inexoravelmente inclinados a alegar que com a abstrativização do controle difuso o Supremo (Poder Judiciário) teria usurpado a competência do Poder Legislativo, por ter extrapolado nos limites constitucionalmente estabelecidos para o exercício de sua função legislativa atípica[9].

Em sentido distinto, há vozes no âmbito judiciário que elucidam o controle abstrato na via difusa como produto das muitas transformações pelas quais passou o recurso extraordinário, desde a reforma do judiciário que já dera inicio com EC nº45/2004. Tal pensamento se coaduna com a intenção de que o recurso extraordinário torna-se efetivamente um instrumento do qual o Supremo se serve para garantir o controle abstrato de constitucionalidade e proteção à Constituição Federal.

Em torno da abstrativização do controle difuso transparece toda sua complexidade, todavia, é incontestável que se acompanhe, conforme a afirma a melhor doutrina a “convivência entre os sistemas difuso de constitucionalidade e o controle abstrato no controle de constitucionalidade no Direito brasileiro” [10], como se presume existir numa federação.

3. Conclusão

Soberania da Federação e autonomia dos Estados-membros são faces do sistema federativo brasileiro. Prerrogativas que convivem, porém não se confundem.

No âmbito do controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos estaduais, a competência é concorrente, cabendo tanto ao Tribunal de Justiça local, quanto ao Supremo Tribunal Federal exercê-lo.

Entretanto, em caso de normas estaduais de reprodução obrigatória de dispositivo da Constitucional Federal o Supremo Tribunal é exclusivamente legitimo para fiscalização, tendo com parâmetro de controle a Carta Constitucional Federal.

Na hipótese nas quais ocorre a interposição do recurso extraordinário e se configura a abstrativização do controle difuso (mutação constitucional), a discussão germina, sobretudo, porque o poder constituinte originário instituiu a exigência de um procedimento especial, qualificado, com ampla participação parlamentar para se promover o processo de reforma constitucional com vistas à alteração das normas contidas na Constituição Federal.

O Poder Legislativo representado por parlamentares, eleitos pelo voto popular, apoiado no regime democrático consolidado no Brasil, é o legitimado para a atividade legiferante.

No entanto, cuida-se de observar, nesse curto ensaio que no plano do controle judicial de constitucionalidade que se define na aferição da constitucionalidade formal e material das normas em face da Carta Constitucional é possível, também, a constitucionalização das interpretações realizada pelo Tribunal Pleno.

Sem pretensão de adentrar na discussão acerca da legitimidade democrática do Poder Judiciário para produzir construções normativas, é inegável que os Tribunais estão revestidos de certo poder normativo, nestes tempos de pós-positivismo.

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Referências bibliográficas

CASTRO, Ana Karina Lopes. A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade. Disponível em: http//www.conteúdojuridico.com.br/?artigo&ver=2.1317

FERREIRA Fº, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23 ed., São Paulo, Saraiva, 1996.

LEAL, Roger Stiefelmann. A autonomia do estado-membro e o papel do Supremo Tribunal Federal.Disponível em :http://www6.ufrgs/ppgd/doutrina/leal3.htm. Acesso em: 5 jun.2010.

MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais,2005.

MONTEZ, Marcos Vinicius Lopez. A tendência à abstração do controle difuso, 2007. Disponível em: <http//jusvi.com. /art./35120. Acesso em: 10 jun. 2010.

MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 31ªed.São Paulo: Malheiros,2008.

OLIVEIRA, Fernanda França de. A incompatibilidade entre ao abstrativização do controle difuso e no Estado Democrático de Direito ,2008.Disponível em:<http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp°id=12448.Acesso em :11 jun.2010.

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Notas

[1] FERREIRA Fº, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 23 ed., São Paulo, Saraiva, 1996, p. 48.

[2]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI276/AL. Relator. Ministro.Celso Melo. Tribunal Pleno. dj. 20/05/1990.

[3] BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na ADI nº 216/PB. Relator: Ministro Celso Borba. Relator p/acórdão: Ministro Celso de Mello. Tribunal Pleno. dj. 23/05/1999.

[4] LEAL, Roger Stiefelmann. A autonomia do estado-membro e o papel do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: http://www6.ufrgs/ppgd/doutrina/leal3.htm. Acesso em: 05 jun. 2010.

[5]BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Rclnº4335/AC. Relator. Ministro Gilmar Mendes. dj.19/04/2007.

[6] MONTEZ, Marcos Vinicius Lopez. A tendência à abstração do controle difuso, 2007. Disponível em: <http//jusvi.com. /art./35120. Acesso em :10 jun. 2010.

[7] CASTRO,Ana Karina Lopes. A abstrativização do controle difuso de constitucionalidade.Disponível em: http//www.conteúdojuridico.com.br/?artigo&ver=2.1317

[8] MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.

p. 34.

[9] OLIVEIRA, Fernanda França de. A incompatibilidade entre ao abstrativização do controle difuso e o EstadoDemocráticodeDireito,2008.Disponívelem:<http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp°id=12448. Acesso em:11 jun.2010.

[10] MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de segurança. 31ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 710-717.