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Constituição, Federação e Pobreza

5 de maio de 2003

Membro do Conselho Editorial / Professor Titular Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio)

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A Constituição Brasileira de 1988, complementada pelas emendas que se seguiram, fugindo aos modelos constitucionais clássicos, abriu inovadoramente significativos espaços para o tratamento jurídico da questão social da pobreza. As políticas brasileiras de combate a pobreza tradicionalmente se desenvolveram a partir de preocupações de natureza dominantemente assistencial e os próprios órgãos de Estado voltados para encaminhar estas políticas (ou propósitos) sempre estiveram preocupados com a oferta de respostas imediatas de efeitos construtivos reduzidos e localizados.

No entanto, com a promulgação da Constituição de 1988, definiram-se novas linhas de alcance político voltadas essencialmente para propósitos de rearrumação institucional das políticas de combate a pobreza, com visíveis efeitos sobre a ordenação jurídica e o conceito de competências federativas. A Constituição identificou, claramente, linhas políticas gerais, que permitem, não apenas, por um lado, reconhecer, os espaços geográficos e sociais de pobreza, como também, estratégias políticas e jurídicas de enfrentamento.

Este especialíssimo quadro preestabeleceu normas constitucionais e gerais que balizam as políticas de ação e exigem providencias legislativas regulamentares e especificas de implementação. Por outro lado, reconhecendo a interconexão territorial dos espaços de pobreza, a Constituição provoca a reavaliação das praticas federativas e incentiva o reconhecimento e ampliação dos âmbitos concorrentes de competências para enfrentar o problema crônico e estrutural da pobreza, determinado por variáveis geográficas (e regionais) e sociais.

Nesse sentido, os artigos 3°,23,24 (§ 30), 43 e 241 da Constituição predefinem os fundamentos constitucionais que viabilizam as políticas de combate a pobreza e a criação de organismos metropolitanos, regionais e inter-regionais de interseção federativa. O objetivo destes dispositivos e sugerir a implementação de projetos de desenvolvimento localizados, voltados para articular e multiplicar os recursos disponíveis com a finalidade de criar as bases de sustentação institucional e econômicas para enfrentar a pobreza em espaços geográficos específicos e inter-territoriais.

O conceito constitucional de pobreza esta premido pela fragilidade geográfica das regiões carentes, assim como pela debilidade social dos grupos de baixa renda. O texto constitucional, neste contexto circunstancial, evoluiu para sugerir Ações estatais interventivas que dinamizem o potencial econômico das regiões carentes e inibam os fatores sociais que possam contribuir para a miséria e a marginalização. Alias, não é da nossa tradição tributar a riqueza nem o capital, mas e nesta exata linha que o art. 153 (VII) institui o imposto sobre grandes fortunas, com competência da União, de todo uma especialíssima inovação destinada a fortalecer a distribuição indireta de rendas.

O artigo 3° (inc. III) dispõe que um dos objetivos da Republica Federativa do Brasil e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, como se verifica, em todas as órbitas da federação. Os artigo 79 e 82 das Disposições Transitórias da Constituição Federal, complementarmente a este propósito, cria o Fundo de Combate e Erradicação da Pobreza, que deverá ser regulado por Lei, com prazo de 10 anos. O Fundo tem como objetivo viabilizar para todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, através de programas de relevante interesse social voltados para a melhoria da qualidade de vida.

O artigo 23 (X) dispõe ainda que é competência comum da União dos estados e dos municípios combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social de setores desfavorecidos. Este mecanismo, aliás, demonstra especial linha evolutiva do federalismo brasileiro superpondo competências entre os entes federativos para enfrentar as situações sociais de major gravidade. Na verdade, a introdução deste tema no texto constitucional é a demonstração efetiva de sua gravidade e de suas conseqüências. Esta não é uma questão de momento, mas é um tema histórico e estrutural que pode ser vencida na forma da legislação regulamentar.

Na linha de implementação destas bases constitucionais o artigo 25 (§ 3°) dispõe, originalmente, quase que admitindo novas dimensões federativas que os estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e micro-regiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções publicas de interesse comum. Este dispositivo, visivelmente, entende que os resultados poderão ser alcançados mediante lei complementar que servirá de base efetiva na redefinição de novas áreas de progresso e desenvolvimento.

Nesta mesma linha, mas ampliando o seu alcance e preocupação protetiva, o artigo 43 entende que a União, para efeitos administrativos, poderá articular a sua ação em um mesmo complexo econômico e social, visando o seu desenvolvimento e a redução das desigualdades regionais. Este dispositivo, na verdade, reforça os propósitos constitucionais e definem os objetivos das políticas de Estado no âmbito possível das instituições.

Finalmente, dada a extensa abertura constitucional sobre a matéria, os poderes de Estado precisam providenciar com a rapidez que o tema exige as normas regulamentares e aplicativas das políticas de enfrentamento da miséria e da pobreza. É inadmissível que as normas constitucionais estejam por serem regulamentadas deixando um amplo vazio de omissão legislativa que só contribui para o crescimento da pobreza e da desigualdade, com suas conseqüências internas e os seus efeitos sociais extensivos. Não bastam as normas do ápice da pirâmide do ordenamento jurídico, são necessárias as normas regulamentares para que adquira dimensão de eficácia. Em política, é importante recordar, o obvio é sempre a solução mais inteligente e duradoura.