Conversa digital sobre Processo

6 de maio de 2019

Compartilhe:

Professores de Processo Civil inovam com a criação de streaming jurídico

Debates informais e aprofundados sobre questões de Processo Civil, disponibilizados em vídeo, e que podem ser acessados quando e onde o interessado quiser. Esta é a fórmula simples e eficaz do programa Conversa sobre Processo, coordenado pelo Desembargador Luiz Roberto Ayoub, titular da 24ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pela Desembargadora aposentada do TJRJ Márcia Cunha Silva Araújo, professora da Escola de Magistratura do Rio de Janeiro (Emerj), e pelo advogado José Roberto de Albuquerque Sampaio, autor de livros de Processo Civil e professor da FGV.

Já participaram das conversas, desde sua criação há dois anos, grandes nomes como os professores Eduardo Arruda Alvim e Sérgio Bermudes, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão e a ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Northfleet Gracie, em um total de 12 conhecedores do Direito Processual Civil. Diferentemente das palestras e entrevistas tradicionais, nas quais os expositores contam com pouco tempo para abordar assuntos complexos, quase invariavelmente de forma superficial e com poucas trocas com a plateia, nas Conversas sobre Processo os convidados têm a oportunidade de aprofundar temas específicos e precisam defender seus pontos de vista perante os entrevistadores.

Nesta entrevista em forma de conversa, o Desembargador Ayoub e o professor Sampaio contam aos leitores da Revista JC mais detalhes sobre o Programa, que é considerado pioneiro pelo uso de um formato que facilita a consulta para os magistrados, advogados e pesquisadores que o assistem.

Como surgiu a ideia?

Desembargador Luiz Roberto Ayoub – Venho de uma formação na FGV, onde leciono, em que as aulas não são aulas. O modelo lá é socrático, muito se aproxima do Programa, porque é muito mais uma conversa. Não tem aquela coisa enfadonha do passado, de alguém falando em uma aula expositiva com um monte de gente parada olhando. É uma troca de ideias. Quem assiste, e o público-alvo pode ser o mais eclético possível, vai formar um juízo de valor a partir das opiniões discutidas. ‘O José Roberto Sampaio falou isso aqui… eu nunca tinha pensado… a professora Thereza Arruda Alvim levantou uma bola interessante…’ Ela, aliás, falou uma coisa no livro dela que eu cito nas minhas decisões, falo em sala de aula e falei com ela em nosso Programa. Ela perguntou ‘que lindo, Ayoub, de onde você tirou?’; eu respondi: do seu livro. É que ela escreve demais e acaba esquecendo os detalhes…

José Roberto Sampaio – Somos professores, damos aula e fazemos palestras. Percebemos que o modelo tradicional de palestra está bem desgastado, aquele com a pessoa falando um hora sobre determinado tema, normalmente de forma genérica, sem muito aprofundamento. Vimos alguns outros problemas, como a dificuldade da pessoa ter agenda para comparecer a esses eventos, porque a vida hoje é muito corrida para todos os profissionais do Direito, que acabam se privando da discussão de temas novos, da atualização e troca de conhecimentos. Não digo que os seminários estejam obsoletos, têm sua função, mas são uma opção restrita para muitos profissionais.

Ayoub – Na mesma visão, temos a Internet e as mídias sociais. Hoje em dia ninguém mais tem tempo, todo mundo trabalha o dia inteiro. Eu mesmo, que sou magistrado, não consigo participar dos seminários e palestras da Emerj, porque tenho pouco tempo para preparar meus votos. O Programa dá a opção de assistir a qualquer tempo. É um “Netflix jurídico”, guardadas as devidas proporções. Poder assistir quando e onde a pessoa estiver é uma realidade da qual não podemos fugir. É o que há de mais moderno.

Sampaio – A ideia é exatamente essa. A palestra comum seria a TV aberta, enquanto nossa proposta é o Netflix (streaming). A gravação vai para o site e há a opção do canal no YouTube. O site é mais completo, porque além dos vídeos dá acesso aos textos produzidos após as conversas. A gente não faz uma gravação só com cada convidado. São quatro blocos que variam entre 20 e 30 minutos, um tempo razoável para que a pessoa possa assistir no almoço, enquanto come em seu gabinete ou escritório, ou quando está em um intervalo. Há ainda o índice para identificar os temas tratados em cada bloco. Vira fonte de pesquisa e facilita para as pessoas, porque é apresentado como se fossem os capítulos de uma série no Netflix.

Ayoub – É também como um livro. Quando preparo um voto ou estudo uma questão para a sessão de julgamentos, não sou obrigado a ler o livro inteiro. Vou direto ao tópico que me interessa, com a ajuda do índice.

Sampaio – Exatamente! Se o sujeito quer saber, por exemplo, se é possível a aplicação do art. 942 (julgamento ampliado do colegiado em caso de divergência) em agravo, não precisa assistir duas horas de conversa para satisfazer sua curiosidade a respeito da opinião dos participantes sobre o tema. No índice, consegue localizar o momento exato que precisa assistir.

Ayoub – Também tem caráter de registro histórico. Nós podemos, por exemplo, repetir exatamente no mesmo modelo as 12 conversas, na mesma linha e tema, daqui a dois ou três anos para ver o que mudou. O art. 942, que foi o tema da primeira conversa, já passou desde então por várias mudanças de interpretação. Chegamos à conclusão de que aquilo que foi tratado na primeira conversa já não mais se traduz na realidade de hoje. Certamente, daqui a dois ou três anos, haverá outras posições. É dinâmico. O Programa então é também histórico. Para quem gravita em torno do Direito, isso é fantástico, pois mostra a evolução da interpretação dos tribunais e dos juristas. Eu que penso com cabeça de magistrado digo que isso é rico demais para ajudar a decidir.

Imagine poder assistir hoje um vídeo do jurista Ruy Barbosa para conhecer sua opinião respeito das leis naquele momento da transição do Império para a República…

Sampaio – É exatamente essa a ideia! Será um legado que vamos deixar para futuros estudantes e profissionais do Direito que fizerem pesquisas sobre esse tempo que vivemos. Imagine gravar uma entrevista com o Ruy Barbosa e poder assisti-la na Internet? Aliás, uma das coisas que me inspirou nesse projeto foi um vídeo que assisti no YouTube do Otto Lara Resende conversando com o Nelson Rodrigues, uma conversa maravilhosa, dois intelectuais interagindo. Esse é outro ponto que exploramos nas conversas. O modelo tradicional de seminário não permite aprofundar as discussões porque, normalmente, são palestras pré-preparadas. A parte final que geralmente se reserva para as perguntas, e que poderia suscitar debates mais aprofundados, normalmente não o faz por falta de tempo, porque as pessoas já estão cansadas, ou porque já está na hora do almoço. Ao invés de palestras, realizamos conversas informais entre pessoas que conhecem o assunto para ter um aprofundamento muito maior. Sem qualquer constrangimento, nos permitimos fazer perguntas difíceis. Aliás, quando convidamos um jurista, nós avisamos antes que a partir do tema proposto podemos vir a falar sobre qualquer coisa. É importante vir bem preparado porque as perguntas podem surgir sem aviso e não tem edição.

Ayoub – Não é incomum que os entrevistados tenham dúvidas para responder algumas perguntas. O que é muito bom, porque força todos nós a pensar juntos e a tirar da discussão algum juízo de valor. Pode não ser necessariamente o que o espectador pensa, mas a partir do momento em que escuta pessoas que têm um nível de conhecimento bastante elevado, principalmente o convidado, ele pensa: ‘Sempre defendi isso, mas se mesmo esse professor renomado vacilou em determinado ponto porque também tem dúvida, então minha dúvida se justifica’.

E quando surgem as divergências?

Sampaio – É muito comum ter divergência nesses diálogos e a questão evoluir, não acabar ali. Vem a tréplica em artigos, em outros debates, e as conversas continuam.

Ayoub – Quando algum de nós diverge, o convidado também é obrigado a repensar no que falou. Tem um detalhe que é diferencial. Nunca esgotamos mais do que 10% do que nos preparamos para perguntar. A questão é tão aprofundada que o tempo passa muito rápido e acaba se esgotando. Qual é o aspecto ruim, se é que há: não esgotamos aquele tema, mas é um pretexto para que ele volte. Não falamos tudo sobre o tema. Por outro lado, naquilo que falamos, a gente vai fundo.

Sampaio – Em um seminário o sujeito tem uma hora e um tema. Ele se prepara para falar um pouquinho sobre todos os assuntos, por isso não aprofunda. Fica muito superficial. Você ouve aquilo que poderia ler facilmente em qualquer livro. Nossa proposta é buscar os temas dificilmente encontrados em livros ou só encontrados após muita pesquisa.

É profundo e informal ao mesmo tempo?

Ayoub – Quando conversamos com diletos amigos como Sérgio Bermudes e Paulo Cesar Pinheiro Carneiro a coisa é tão destravada que fica gostoso de ouvir. Nós mesmos e eles também assistimos ao programa depois, paramos para ver tudo de novo. Outro dia fiz a transcrição de uma das nossas conversas na votação de um caso lá no Tribunal.

Sampaio – Foi mesmo!? Sobre que tema? Que legal!

Ayoub – Sobre o (art.) 942, a primeira conversa. Minha proposta foi mostrar que na época em que foi gravado o programa havia um entendimento ainda muito incipiente. O STJ recentemente editou um enunciado que é absolutamente conflitante com aquela posição inicial, o que mostra a necessidade, em razão desse dinamismo, de estarmos sempre nos atualizando. Ousaria dizer que isso é fantástico porque somos processualistas e porque o Código é novo. Digo com toda certeza que 99% da comunidade jurídica não conhece o Código de Processo Civil (CPC). Há muita coisa para aprender e esse é o jeito mais adequado. O estudante normalmente assiste para fazer trabalhos, o advogado como fonte de pesquisa para petições ou recursos, o magistrado como fonte de decisão. Para qualquer um que gravite em torno do Judiciário, esse Programa é absolutamente essencial.

Quem é convidado a participar?

Sampaio – Decidimos sempre em consenso, a partir da sugestão de um nome, um autor de livros ou professor especialista, sempre pessoa reconhecidamente conhecedora do tema, ou um ministro, já tivemos dois, a Ministra Ellen Gracie e o Ministro Luis Felipe Salomão.

Ayoub – Outros já aceitaram o convite e só não vieram ainda porque o Brasil está fervilhando…

Com quem será a próxima conversa?

Ayoub – Será com o professor Nelson Nery Júnior.

Os senhores podem adiantar os temas que pensam em discutir com ele?

Sampaio – Há vários temas, Processo no Supremo é um deles.

Ayoub – É sim, para discutir aquilo que o professor Eduardo Arruda Alvim lá no passado falou, algo que foi também de passagem, quando perguntou: ‘Mas vocês já pensaram, será que o art. 1.039, quando impede a subida dos recursos porque a decisão proferida no tribunal de origem está em conformidade com uma súmula vinculante, será que isso teria apoio constitucional?’. Olha que riqueza esse debate! O nível é alto, é Direito Processual Civil avançado. Confesso que várias vezes mudei de entendimento em função do que foi dito, uma vez em especial mudei durante a conversa, fui convencido e desconvencido pelo José Roberto (Sampaio) logo depois.

Sampaio – Risos.

Ayoub – Te força a pensar. Direito não é uma ciência exata.