Decisões contraditórias do Supremo Tribunal Federal

23 de agosto de 2013

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SupremoEste artigo reporta-se às Constituições de 1946 e 1967, à Emenda no 1 de 1969 e, ainda, às normas expressas na Constituição de 1988 e na Emenda 45/2004, estabelecendo uma pesquisa histórico-constitucional acerca da competência para o julgamento das ações que versam sobre acidentes de trabalho envolvendo empregador e empregado. Busca-se, ainda, evidenciar o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que diz respeito à competência da Justiça do Trabalho e da Justiça dos Estados, concluindo pela incoerência dos julgados dessa Suprema Corte, em razão da norma constitucional de caráter impositivo, quando aquele tribunal decide pela competência da Justiça dos Estados para apreciar e julgar ações contra o INSS, inclusive em Segunda Instância.

1. Causas envolvendo o INSS. Incompetência absoluta dos Tribunais de Justiça estaduais. Fundamento: arts. 108, II e 109, §§ 3o e 4o, 114, I, da CF/1988 na redação da EC 45/2004

1.1 As Constituições Federais de 1946 e 1967 e a Emenda no 1 à Constituição Federal de 1969

Inicialmente, é necessário fazer breve anotação histórica constitucional a respeito da matéria e voltar ao tempo da criação da Justiça do Trabalho, observando que foi criada pela Constituição Federal de 1946. Vejamos o que constava das Constituições Federais de 1946 e 1967, e da Emenda no 1 à Constituição Federal de 1969.

Art. 123 e do § 1o da Constituição Federal de 1946:

Art. 123. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas do trabalho regidas por legislação especial.

§ 1o Os dissídios relativos a acidentes de trabalho são da competência da Justiça ordinária.

Art. 134 e § 2o da Constituição Federal de 1967:

Art. 134. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e as demais controvérsias oriundas do trabalho regidas por legislação especial.

§ 2o Os dissídios relativos a acidentes de trabalho são da competência da Justiça ordinária.

Art. 142 e § 2o da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional no 1, de 1969:

Art. 142. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e, mediante lei, outras controvérsias oriundas de relação de trabalho.

§ 2o Os litígios relativos a acidente de trabalho são da competência da justiça ordinárias dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. (Grifo nosso)

A transcrição das normas das Constituições Federais de 1946 e 1967, desta última na redação da Emenda no 1 à Constituição de 1969, é para deixar bem claro que a lei fundamental estabelecia a competência da Justiça dos Estados para julgar as ações de acidente de trabalho, mas em momento algum atribuía competência para julgar ações decorrentes de pedidos de aposentadoria, auxílio-acidente, ou ações acidentárias, ou, se quiserem, ações previdenciárias.

2. Constituição Federal de 1988. Competência da Justiça estadual. Alteração

Diante disso, impõe-se, também, para melhor compreensão, transcrever os arts. 108, II; 109, I e §§ 3o e 4o, da CF/1988, antes da EC 45/2004, que deu nova redação ao art. 114, mas, em momento algum, alterou o que estabelecem os art. 108, II, e 109, §§ 3o e 4o.

Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais:

(…)

II – Julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal da área de sua jurisdição.

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I – As causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opoentes, exceto as de falência, as de acidente de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho.

(…)

§ 3o. Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

§ 4o. Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau. (Grifo nosso)

Como se vê, e não custa repetir, o que determinavam as Constituições de 1946, 1967 e 1969 sobre ser da competência da Justiça dos Estados apreciar e julgar acidentes de trabalho, a partir da Constituição de 1988, não mais foi atribuído à competência da Justiça dos Estados. Na verdade, não fosse a expressa determinação dos artigos das Constituições de 1946, 1967 e 1969, poder-se-ia interpretar que, com a frase “e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, inserida em todas as Constituições, desde então as ações de acidentes de trabalho seriam da alçada da Justiça do Trabalho.

3. EC 45/2004 à CF/1988. Incompetência absoluta da justiça estadual para julgar ação de acidente de trabalho em ambas as instâncias. Competência absoluta dos TRF’s para julgar recursos em causas envolvendo o INSS ou, no dizer do Supremo, a Justiça do Trabalho, em decorrência do acessório seguir o principal

“Assim, é absoluta a incompetência da Segunda Instância da Justiça dos Estados para apreciar e julgar recurso interposto de sentença proferida por juízes estaduais de Primeira Instância, seja a comarca sede de juízo estadual ou não, quando decidir causas que envolvam o INSS”. O fundamento dessa afirmação decorre do inciso II do art. 108 e do § 4o do art. 109 da CF/1988.

Tudo o que foi escrito acima tem o objetivo de chamar a atenção, mais uma vez, como vimos desde o século passado e principalmente a partir de 1988 e 2005, para que os Tribunais de Justiça dos Estados não mais têm competência para julgar ações envolvendo o INSS. É o que passarei a demonstrar, se é que já não o fiz.

Como se vê pela norma do § 3o do art. 109 da CF/1988, é da competência da primeira instância da Justiça estadual apreciar e julgar as causas que envolvam o segurado ou beneficiário de um lado e a autarquia federal de outro, desde que não seja sede da Justiça Federal. Assim, de conformidade com o § 4o, do art. 109 da CF/1988, a competência recursal é indubitavelmente dos Tribunais Regionais Federais, sem sombra de dúvida alguma. Quer isso dizer que, em comarca do interior que não seja sede da Justiça Federal, a competência na primeira instância é do juízo estadual e, na segunda instância, é dos TRF’s. Ora, acontece que a comarca de Belo Horizonte é provida de juízes federais, e assim os magistrados de primeira instância da Justiça Estadual, em princípio, não têm competência para apreciar e decidir qualquer causa que envolva o INSS. No entanto, aqui deixo claro que não estou preocupado quanto à questão da competência ou não dos juízes estaduais da primeira instância da Justiça Estadual, dos juízes federais da Justiça Federal e dos juízes trabalhistas, todos de primeira instância.

Aliás, é bom que se frise que a matéria tratada no citado art. 109, § 3o, da CF/1988, não dispõe sobre acidente de trabalho, mas sim sobre auxílio-doença, benefícios previdenciários, conversão de auxílio-acidente em invalidez e ações que visam a reajustes dos benefícios, etc. Diante disso, observa-se que, em verdade, o acidente em si e per se é noticiado pelo segurado ou pelos beneficiários com vista a que o juiz compreenda a razão do pedido. É dizer, o que se pretende com o pedido junto ao INSS é que ele, em sendo o caso, comece a pagar auxílio-doença, conceda aposentadoria, quer por invalidez, quer por tempo de serviço, que restaure o benefício que estava sendo pago e foi cortado, etc.

Ora, a norma acima referida não faz qualquer distinção quanto aos assuntos discutidos na ação envolvendo a Previ­dência Social e o segurado ou beneficiário. Repito: pouco interessa que o pedido seja de auxílio-doença, conversão de aposentadoria em outra, restauração de auxílio, aumento do benefício, etc., quando ajuizada a ação contra o Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS, o que, em verdade, corresponde a quase a totalidade das ações, sendo da primeira instância da Justiça comum dos Estados a competência para julgar tais ações. Por outro lado, à evidência, em razão da clara redação do § 4o do art. 109 da CF/1988, todo recurso deve ser julgado pelo TRF da cada Região, uma vez que, se assim não se entender, se estará negando vigência à Constituição Federal.

4. A jurisprudência equivocada do STF, do STJ e dos tribunais estaduais e regionais federais, com fundamento no art. 109, I, da CF/1988

Assim sendo, não há como aceitar a tese dos Tribunais Estaduais, Federais, do STF e do STJ que estão a decidir pela competência dos primeiros. O § 4o é por demais claro quando determina que, em toda decisão oriunda do contido no § 3o, o recurso será sempre para o TRF da jurisdição do juízo de primeiro grau.

A norma tem sua razão de ser: enquanto na primeira instância o juiz estadual está presente em todo o território do país, o mesmo não se pode dizer da Justiça Federal, pois esta se encontra nas capitais e nas principais cidades do interior. Assim é que, no caso da segunda instância, a razão é a de que, de um lado, há um órgão que pertence à União, e, por isso mesmo, o legislador estabeleceu a competência dos TRFs em segunda instância para julgar o recurso.

Diante disso, é incompreensível que o STJ esteja entendendo que é da competência da Justiça Estadual quando a discussão diz respeito a benefícios previdenciários, mas na origem decorrente de acidente de trabalho. Isto é, entende o STJ que, se o pedido de auxílio-doença, aposentadoria, etc. está amparado em acidente de trabalho, a competência será da Justiça Estadual. Ora, quando a lei não faz distinção, ao intérprete não o cabe fazer. Por fim, friso que o mesmo STJ reiteradamente decidia conforme o § 4o, do art. 109, da CF.

Contudo, é preocupante o fato de os TRFs estarem a decidir que não têm competência para apreciar e julgar recursos de sentenças proferidas por juízes estaduais de primeira instância quando apreciam e julgam as causas envolvendo segurados ou beneficiários e o INSS, e o fazem com base no inciso I, do art. 109, da CF/1988, nas Súmulas 501 do STF e 15 do STJ. No entanto, há, aí, um claro equívoco. O inciso I, do art. 109, excluiu da competência dos juízes federais as ações de acidente de trabalho, tão somente, mas, em momento algum, trata da hipótese prevista nos §§ 3o e 4o do mesmo artigo.

Além do mais, costumam citar julgados do STF e do STJ já ultrapassados, como é o caso da Súmula 501, esta editada à época da vigência da Constituição Federal de 1967 e sua EC 1/1969, e, quanto à Súmula 15 do STJ, esta trata especificamente de acidente de trabalho, mas não de direito previdenciário. Porém, tal entendimento não mais pode ser aceito, e isto porque sofreu alteração profunda com a recente alteração da Constituição de 1988, via EC 45/2004, a qual atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar as ações de acidente de trabalho.

Ora, no caso do disposto no § 3o, do art. 109 da Constituição Federal vigente, não se cogita de acidente de trabalho, isto porque a ação não se dirige contra o empregador. É dizer, o acidente é narrado como justificativa para o pedido. Nada mais. Aliás, quando se ajuíza uma ação contra o INSS, anteriormente o INSS já teve ciência do acidente, via CAT, e chegou a conceder benefício ou negar administrativamente ao empregado. Essa é a razão da ação.

A doutrina não diverge de nossa posição. Rogério Lauria Tucci e José Rogério Cruz e Tucci ensinam:

Compete aos Tribunais Regionais Federais: (…) II – Julgar, em grau de recurso, as causas decididas pelos juízes federais e pelos juízes estaduais no exercício da competência federal na área de sua jurisdição.

E, por fim, no parágrafo terceiro, estabeleceu-se que, “sempre que a comarca não seja sede do juízo federal”, a lei poderá permitir que outras causas (além daquelas “que forem parte instituição de previdência social e segurado”) sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual (Constituição de 1988 e Processo – regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 199). (Grifo nosso.)

Os constitucionalistas José Afonso da Silva e Alexandre Morais entendem por demais clara a redação dos parágrafos do art. 109: o primeiro repete a redação, e o segundo cita sem qualquer comentário, evidente por desnecessário. Vejamos.

Serão processadas e julgadas na Justiça Estadual, no foro do domicílio dos segurados e beneficiários, as causas em que forem parte, Instituição de Previdência Social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara de juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela Justiça do Estado. Nessa hipótese, o recurso cabível será sempre para o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau (art. 109, §§ 3o e 4o) (Curso de direito constitucional positivo. 6. ed. São Paulo: RT, 1990, p. 487-488). (Grifo nosso.)

5. EC 45/2004 à CF/1988. Deslocamento das ações de acidentes de trabalho da Justiça Estadual para a do Trabalho

Por outro lado, em razão da EC 45/2004 à CF/1988, inicialmente o STF, em março de 2005, entendeu que a competência era da Justiça dos Estados. Contudo, em junho do mesmo ano, por unanimidade, decidiu pela competência da Justiça do Trabalho para aquelas ações que dizem respeito aos danos moral e material decorrentes de acidentes de trabalho, e, mais, decidiu também que as ações contra o INSS seriam da competência da Justiça dos Estados em razão da acessoriedade. Aqui o equívoco. A contradição.

Estaria tudo certo se não houvesse intensa contradição entre as decisões anteriores do STF datadas de 1993 e de 2002, e a recentíssima após a EC 45/2004. Naqueles anos, como demonstramos, o STF decidiu que, como era da competência da Justiça estadual julgar as ações de acidente de trabalho, dela seria também a competência para julgar o acessório. Isto é, as ações contra o INSS decorrentes de acidente de trabalho. 

Pois bem, como já dito, o STF, em 2002, no julgamento do RE 351.528-4/SP, rel. Min. Moreira Alves, assim decidiu:

Competência. Reajuste de benefício oriundo de acidente de trabalho. Justiça comum. Ao julgar o RE 176.532, o Plenário desta Corte reafirmou o entendimento de ambas as Turmas (assim, no RE 169.632, 1a T., e no AgIn 154.938, 2a T.) no sentido de que a competência para julgar causa relativa a reajuste de benefício oriundo de acidente de trabalho é da Justiça Comum, porquanto, se essa Justiça é competente para julgar as causas de acidente de trabalho por força do disposto na parte final do inc. I, do art. 109, da CF/1988, será ela igualmente competente para julgar o pedido de reajuste desse benefício que é objeto de causa que não deixa de ser relativa a acidente dessa natureza, até porque o acessório segue a sorte do principal. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido (STF, RE 351.528-4/SP, 1a T., v.u., rel. Min. Moreira Alves, DJ 31/10/2002).

Da mesma forma, ao apreciar conflitos de competência em relação às ações em que se pleiteava a concessão ou o reajuste de benefício previdenciário decorrente de acidente do trabalho, o STF firmou o entendimento de que seria da Justiça comum estadual, dada a natureza acidentária da ação em que se pleiteia a concessão do benefício auxílio-acidente, bem como a acessoriedade da ação que pleiteia a revisão do benefício auxílio-acidente, a qual segue a sorte do principal.

Como se vê, na conformidade dos julgamentos do STF, antes da EC 45/2004 à Constituição Federal, a sorte do acessório seguia a do principal. No entanto, como o STF, no julgamento de junho de 2005, deslocou a competência do principal – e somente das ações de acidentes de trabalho – para a Justiça do Trabalho, não há como permanecer a Justiça dos Estados com a competência para julgar o acessório. Assim, insisto e reafirmo que o STF em 2005 adotou entendimento diferente dos de 1998 e 2002.

Contudo, com o advento da EC 45/2004, como já dito, em março de 2005, com dois votos contra, de autoria dos Ministros Marco Aurélio e Ayres Britto, o STF decidiu que a competência era da Justiça estadual. No entanto, em junho de 2005, voltando a apreciar a matéria, decidiu de modo completamente diferente. É dizer, repartiu a competência, isto é, sobre o principal, acidente de trabalho, foi declarada a competência da Justiça do Trabalho, mas o acessório, isto é, as ações contra o INSS, continuariam na Justiça estadual.

Observo que o voto do Min. Ayres Britto, que foi acompanhado pelos demais ministros, fundamentou-se não só na EC 45/2004, mas também, e principalmente, na anterior decisão do STF de 1998.

Ora, o STF para ser coerente com sua posição, e não só isso, por ser guardião da Constituição, jamais poderia ter decidido como decidiu, não só em 1993 como também em 2002 e 2005, no que toca às ações acidentárias atribuindo a competência à Justiça estadual. É dizer, basta uma simples leitura das duas decisões. Na de 1998 e na de 2005 há uma flagrante contradição.

Dessa forma, não há como negar a contradição. Contradição e, também, violação à literal disposição do § 4o
da CF/1988. É dizer, como o § 4o expressamente afirma que de qualquer decisão oriunda do § 3o o recurso será sempre para o TRF, não há como aceitar o entendimento de que a segunda instância da Justiça estadual seja a competente para apreciar e julgar os recursos oriundos de sentenças proferidas em ações acidentárias, por envolver matéria que, segundo o próprio STF, é acessória em relação ao acidente de trabalho.

Aliás, atualmente, o STF aprovou a Súmula Vinculante 22. Essa Súmula tem como precedente o CComp 7.204/MG, em que se afirma a competência absoluta da Justiça do Trabalho para julgar as ações de acidente de trabalho envolvendo empregado e empregador. Nesse conflito, o rel. Min. Ayres Britto se reportou a anterior julgamento do próprio STF em 1998, quando havia decidido pela competência da Justiça do Estado para julgar acidentes de trabalho e bem assim o seu acessório, ou seja, as ações envolvendo o INSS.

Dessa forma, não há como negar, que, quer em razão dos precedentes que deram origem à Súmula Vinculante 22, quer em razão da própria, não há como deixar de afirmar que a contradição existente leva à absoluta nulidade dos julgamentos pelos Tribunais de Justiça dos Estados ao conhecerem, apreciarem e julgarem os recursos que são interpostos a favor ou contra a autarquia federal, ou seja, o INSS, conforme entendimento atualmente predominante, mas inadmissível constitucionalmente e em flagrante desrespeito à norma constitucional.

Diante disso, deve o STF voltar a se manifestar sobre a matéria e, como guardião da Constituição, decidir de uma ou de outra forma. É dizer, ou decide pela competência absoluta dos TRF’s como manda o § 4o do art. 109, da CF/1988, ou decide pela competência da segunda instância da Justiça do Trabalho, para ser coerente com seus próprios julgados.

Pois bem, o STF, no julgamento do CComp 7.204/MG ocorrido em 29/6/2005, relator o Min. Carlos Ayres Britto, assim consignou:

Remarque-se, então, que as causas de acidente de trabalho excepcionalmente excluídas da competência dos juízes federais só podem ser as chamadas ações acidentárias. Ações, como sabido, movidas pelo segurado contra o INSS, a fim de discutir questão atinente a benefício previdenciário. Logo, feitos em que se faz presente interesse de uma autarquia federal, é certo, mas que, por exceção, se deslocam para a competência da Justiça comum dos Estados. Por que não repetir? Tais ações, expressamente excluídas da competência dos juízes federais, passam a caber à Justiça comum dos Estados, segundo critério residual de distribuição de competência. Tudo conforme serena jurisprudência desta nossa Corte de Justiça, cristalizada no enunciado da Súmula 501.

Mais à frente, o ministro acentuou:

Em resumo, a relação de trabalho é a invariável matriz das controvérsias entre trabalhadores e empregadores. Já a matéria genuinamente acidentária, voltada para o benefício previdenciário correspondente, é de ser discutida com o INSS, perante a Justiça comum dos Estados, por aplicação da norma residual que se extrai do inc. I do art. 109 da Carta de outubro.

Aqui o equívoco do ministro.

Como se viu, a parte transcrita do voto do Min. Carlos Ayres Britto, que foi acompanhado pelos demais ministros, deixa claro que houve um corte epistemológico. É dizer, como já frisei, nas decisões de 1998 e de 2002, o STF decidiu pela competência da Justiça comum dos Estados, quer a ação fosse de acidente de trabalho, quer fosse ação acidentária, uma vez que entendeu ser a acidentária uma ação acessória. Contudo, com o advento da EC 45/2004, com o devido respeito aos eminentes ministros da mais alta Corte de Justiça deste País, como também aos demais tribunais e juízes que entendem ser da competência da Justiça dos Estados, não mais cabe dar guarida ao entendimento sufragado anteriormente à EC 45/2004. Assim, afirmo uma vez mais, está em vigor o § 4o do art. 109, da Carta de 1988, que determina a competência recursal nas ações.

Será que o que era acessório em 1993 e 2002 deixou de ser em 2005? Penso que não. É dizer, não há acidente de trabalho sem relação de emprego. Uma coisa está vinculada à outra. Isto é, para haver o primeiro, acidente de trabalho, antes é preciso que exista o contrato de trabalho, a relação de emprego.

Assim sendo, da mesma forma, como só há acidente de trabalho se houver relação de emprego, da mesma forma só existirá pedido de auxilio-acidente, de aposentadoria, etc. se antes houver acidente de trabalho. Aliás, é evidente que não estou a tratar de pedido de aposentadoria por tempo de serviço, etc.

Concluindo, compete à Justiça do Trabalho julgar as ações de acidente de trabalho e aos TRFs julgar os recursos nas ações a favor ou contra o INSS.

Referências Bibliográficas _______________________________________________

Moraes, Alexandre de. Direito constitucional. 24. ed. atual até EC 57/2008. São Paulo: Atlas, 2009.

Silva, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 6.ed. São Paulo: RT, 1990.

Tucci, Rogério Lauria; Tucci, José Rogério Cruz e. Constituição de 1988 e Processo – regramentos e garantias constitucionais do processo. São Paulo: Saraiva, 1989.

Pesquisas do Editorial __________________________________________________

Veja também Doutrina

• Análise da jurisprudência do STF sobre a forma de incorporação dos documentos de direito internacional. Alterações com o advento da EC 45/2004, de Alexandre Walmott Borges, Luciana Campanelli Romeu e Altamirando Pereira da Rocha – RDBras 3/55.

• Conflito de competência entre justiça federal e justiça estadual, de Teresa Arruda Alvim Wambier, Pareceres , organizada por Teresa Arruda Alvim Wambier, São Paulo, Ed. RT, 2012, vol. 2, p. 63.