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Destituição do poder familiar

20 de setembro de 2013

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Alexandre Guimarães Gavião PintoRelevantes aspectos jurídicos a serem considerados

Sabe-se que os genitores devem, por ditame legal, lutar pelo bem-estar de sua prole, zelando pela saúde e pelas integridades física e mental de seus filhos, e que os direitos das crianças e dos adolescentes desafiam uma proteção especial, visando o pleno desenvolvimento dos aludidos menores, que possuem a prerrogativa inafastável de evoluir em paz e segurança.

Tal afirmação implica na inevitável dedução, de que não deve o poder público admitir que menores permaneçam em inadequadas condições sociais, sujeitos a situações calamitosas, fome, qualquer tipo de exploração ou opressão, condenados ao analfabetismo ou mesmo ao abandono daqueles a quem, por força de lei, incumbe a responsabilidade de criá-los e suprir-lhes as latentes necessidades, o que abrange, principalmente, os pais.

Nessa linha de raciocínio, forçoso convir que não pode, qualquer dos genitores, agir em descompasso com o poder familiar que exerce em favor de seus filhos menores, negligenciando cuidados básicos ou atuando de forma omissa, de maneira reprovável e imoral.

Necessário se faz, a fim de garantir os direitos constitucionais dos menores, que o Poder Público, em especial o Judiciário, na seara jurisdicional, combata, com firmeza, não só ações reprováveis, como omissões dos pais na nobre tarefa de proteger os filhos e de zelar pelo seu bem-estar físico e mental, o que enseja o acolhimento de eventuais pretensões de destituição do poder familiar, na hipótese de comprovada ocorrência de graves fatos configuradores do descaso dos genitores com o exercício do poder familiar.

Tais situações de negligência, desde que demonstradas, à saciedade, nos autos, por meio de elementos probatórios seguros e idôneos, devem ser imediatamente cessadas, afastando-se, destarte, o menor de qualquer situação de risco.

Vale lembrar que, de acordo com o artigo 1.634 do Código Civil, compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores, dirigir-lhes a criação e a educação, e tê-los em suas companhia e educação, sendo certo que, na forma do artigo 1637, do mesmo diploma legal, se o pai ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao magistrado, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar todas as medidas que lhe pareçam reclamadas pela segurança do menor e de seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. Ressalte-se que o artigo 1.638 do Código Civil determina que perderá, por ato judicial, o poder familiar, o pai ou a mãe que castigar imoderadamente o filho, deixar o filho em abandono, praticar atos contrários à moral e aos bons costumes ou incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

A Lei no 8.069/90 dispõe, em seu artigo 22, que, aos pais, incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes, ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais, salientando-se que o artigo 33 prescreve que a guarda obriga à prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou ao adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive os próprios pais.

Vê-se, assim, que os direitos fundamentais dos menores, lastreados na dignidade e no valor da pessoa humana, exigem que se estabeleça, urgentemente, em favor dos mesmos, que podem eventualmente estar em situações de risco, melhores condições de vida, tendo a infância o direito a uma assistência e a um auxílio mais intenso e eficaz.

A ação de destituição do poder familiar almeja justamente comprovar a violação efetiva, por parte de qualquer dos genitores, ou mesmo de ambos, das regras atinentes ao poder familiar, o que, desde que demonstrado de forma segura, autoriza a incidência das sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil.

A família é um elemento fundamental da sociedade, constituindo um meio natural para o crescimento e o bem-estar de todos os seus membros, o que atinge, particularmente, as crianças e os adolescentes, que devem, por isso, receber a proteção e a assistência necessárias para desempenhar relevantes papéis no seio social.

Ora, se a prova dos autos revelar que um dos pais ou ambos não ostentam condições de proteger o filho menor e de desempenhar o poder familiar de forma responsável, por deixar de garantir à criança ou ao adolescente um desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência, a destituição do poder familiar é medida que se impõe, sendo perfeitamente possível, e até mesmo recomendável, o deferimento de liminar para a suspensão do seu exercício, o que pode viabilizar a inclusão do menor na lista de crianças disponíveis para a adoção.

Em reiterados julgados de nossos tribunais pátrios, depreende-se que, se os genitores não apresentam as mínimas condições psicológicas, emocionais, sociais e econômicas de amparar os filhos, outra alternativa, muitas vezes, não resta a não ser a procedência do pedido formulado na inicial da ação de destituição do poder familiar, que, comumente, é ajuizada pelo próprio Ministério Público no intuito precípuo de defender os interesses violados dos menores, que carecem de peculiar proteção.

Em razão de falta de maturidade física e intelectual, os menores precisam de cuidados especiais, além de proteção jurídica adequada, sem discriminação alguma, devendo ser adotadas todas as medidas oportunas para garantir-lhes o bem-estar, tendo em conta os deveres dos pais, que devem assegurar aos filhos, de maneira compatível com o desenvolvimento de suas plenas capacidades, a orientação e os conselhos próprios ao exercício dos direitos que lhes são reconhecidos pela Constituição da República e pelas leis infraconstitucionais.

Possuem os pais a obrigação de conferir aos filhos condições indispensáveis para permitir os seus desenvolvimento físicos, mental, espiritual, moral e social, legitimamente esperados.

O que é preciso se ter em mente é que a grave violação dos deveres do poder familiar desprestigia flagrantemente os interesses dos menores, que não podem ficar sujeitos a nenhuma situação de abandono, negligência ou risco, até mesmo pelo fato de que os filhos, para o harmonioso desenvolvimento de suas personalidades e potencialidades, devem crescer em um ambiente familiar saudável e honesto, em clima de amor, tolerância, liberdade e solidariedade, o que, em última análise, contribui para se alcançar a felicidade tão almejada por qualquer ser humano.

A procedência da pretensão de destituição do poder familiar exige, contudo, que as circunstâncias dos autos evidenciem, indubitavelmente, a absoluta inaptidão dos pais em zelar pela guarda, pela educação e pelos cuidados mínimos exigidos por uma criança, bem como a demonstração da existência de riscos manifestos às suas saúde e integridades física e mental, o que implica no reconhecimento de que a decretação da perda do poder familiar se mostra como medida de proteção, socorrendo aos superiores interesses do menor, por possibilitar o seu pleno e saudável desenvolvimento, o que pode vir a ocorrer até em família substituta, diante da inaptidão da família natural para o cumprimento de tal mister.

O abandono dos pais aos filhos também autoriza o drástico, porém necessário, acolhimento do pleito de destituição, eis que o referido abandono possui inegável relevância jurídica, tanto na esfera cível como na penal.

Na realidade, o abandono tratado pela lei não é tão somente o ato de deixar o filho sem assistência material, fora do lar, mas também a indiferença intencional pelas suas educação, criação e moralidade.

Com efeito, vislumbra-se, no abandono do filho, ato reprovável que implica no não atendimento direto do dever de guarda, vigilância, criação e educação, a revelar a inequívoca falta de aptidão para o exercício do poder familiar, o que justifica plenamente a privação.

Releva notar que situações de desídia colocam os menores em grave perigo, seja quanto à segurança e à integridade pessoal, seja quanto à saúde e à moralidade, afrontando um dos direitos mais relevantes dos filhos, que é justamente o de estar sob os adequados cuidados e a vigilância de seus pais, em estado de segurança.

A hipótese de abandono traduz-se na falta de cuidado e atenção, e autoriza a perda do poder familiar, já que não se permite que qualquer dos pais deixe o filho à mercê da própria sorte.

O direito dos filhos está intimamente ligado aos deveres dos pais, salientando-se que o posicionamento vigente é o da proteção integral da criança e do adolescente, com a afirmação de todos os direitos inerentes, que devem ser respeitados, rotineiramente, pela família, pela sociedade e pelo próprio Estado.

Entre os direitos fundamentais dos menores, explicita­dos, não apenas no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas também – e principalmente – na Constituição da República, encontra-se a necessidade de se garantir o desenvolvimento sadio e harmonioso dos mesmos, que devem ser criados e educados em ambiente favorável à sua formação moral, o que indica que o interesse dos filhos menores deve prevalecer em eventuais situações de conflito e, em todos os casos, deve se sobrepor a qualquer outro bem ou interesse juridicamente albergado, levando-se em conta não só o fato de ser a Lei no 8.069/90 uma lei de função social, com normas de ordem pública, nitidamente prioritárias, que possuem assento constitucional, sendo inafastáveis pela vontade das partes, mas também o fato de que deve ser respeitada a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em pleno e permanente desenvolvimento.

As funções paterna e materna são essenciais e se complementam, possuindo impressionante impacto no sadio desenvolvimento da descendência.

Tal assertiva revela que, entre as incontáveis obrigações decorrentes do poder familiar, se identifica a necessidade de que os pais tenham a companhia de seus filhos, dando-lhes direção, criação e educação, o que mostra que a educação não abrange somente a escolaridade, mas também a convivência familiar permanente, o afeto, o amor e o carinho, indispensáveis para o pleno estabelecimento das condições de desenvolvimento da criança, em perfeita segurança.

O direito de criar um filho se relaciona principalmente com a necessidade de que seja assegurado ao mesmo todos os direitos fundamentais à pessoa humana, garantindo-lhe o bem-estar físico e mental, o que alcança tanto o sustento alimentar, como o zelo com a saúde e a higiene, e todas as outras medidas pertinentes para a sobrevivência digna e a justa evolução da prole.

Ter o filho em companhia dos pais é, na realidade, função essencial ao poder familiar, não significando apenas residir junto, mas também instaurar uma convivência contínua e permanente, tatuada, de maneira indelével, pela constante troca de sadias e proveitosas experiências, por aconselhamentos oportunos e orientações probas, o que contribui para o desenvolvimento sólido da personalidade do infante.

Os menores não devem ser separados de seus pais contra a vontade destes, em regra, salvo se, em uma ação judicial regularmente instaurada, com o respeito ao contraditório e à ampla defesa, for demonstrado que tal separação é realmente necessária no interesse superior da criança ou do adolescente.

O poder familiar constitui função típica dos pais, que perdura por toda a menoridade, sendo certo que, sempre que for constatada a existência de um fato grave e reprovável, incompatível com o justo exercício do poder familiar, materializa-se a possibilidade não só de suspensão, como, até mesmo, de perda do poder familiar, indevida e inconvenientemente exercido pelos pais.

Não se pode perder de vista, entretanto, que a perda do poder familiar é realmente uma medida marcantemente excepcional. Pode e deve ser decretada judicialmente, em procedimento contraditório, em prol dos inafastáveis interesses do menor, quando ficarem demonstradas, desde que suficientemente, situações graves, que configurem, na forma do artigo 1.638, do Código Civil, falta aos deveres dos pais para com os filhos.

A adoção da doutrina da proteção integral pela Lei Menorista e pela jurisprudência vigilante de nossos tribunais fortaleceu consideravelmente o princípio do melhor interesse da criança, que deve ser observado em quaisquer circunstâncias, inclusive nas relações familiares, e nos casos relacionados à filiação.

A medida drástica, porém muitas vezes imprescindível, de destituição do poder familiar objetiva assegurar os superiores interesses do menor, que não pode permanecer em situação de flagrante abandono, seja por ação ou omissão de seus genitores, sob pena de se violarem as prerrogativas constitucionais desses importantes seres em desenvolvimento, bem como os mais comezinhos cuidados necessários à prole, sendo profundamente injusto e inaceitável pretender que continue vivendo em situação irregular, de total insegurança jurídica, na mera expectativa de vir um dia a estar bem-assistido pelos próprios pais.