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Eficiência, fficácia e bons modos na gestão do Poder Judiciário

30 de novembro de 2006

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O direito deve ser manejado como instrumento de civilização, capaz de prevenir e de compor conflitos com a solução justa. Esse é o resultado que interessa à sociedade. Logo, administrar o direito também desafia a eficiência e a eficácia de seus operadores. Eis a síntese que, por toda a parte, no limiar de um novo século, tem sido posta à reflexão dos juristas, principalmente nestes tempos de reforma.

As comunidades humanas precisam contar com órgãos que conheçam e apliquem os conceitos do direito com justiça. Os juízes são os órgãos que devem dizer o direito de modo a resolver os conflitos que as pessoas não conseguiram solucionar entre si. É a missão da instituição judiciária. O caráter permanente, atemporal e universal dessa missão deixa sem sentido: (a) rótulos como “judiciário social”, “justiça democrática”, “justiça de resultados” e tantos outros modismos que traduzem oportunismos “politicamente corretos”; (b) discursos que propõem oxigenar as conservadoras estruturas judiciárias, sem saber como fazê-lo ou mediante alternativas que copiam inconsistências ou puerilidades.

A instituição judiciária advém de uma necessidade inerente à convivência social. Um só resultado legitima sua fundação e justifica sua permanência: arbitrar, e fazer com que sejam cumpridas, soluções jurídicas que ponham fim a conflitos interindividuais e coletivos que lhe sejam apresentados pelos que se consideram lesados em seus direitos: a efetividade. Os juízes só podem ter um compromisso: guardar a Constituição, os princípios e normas jurídicas que dela decorrem, incluindo as leis, interpretando-os com ciência e justiça: a competência.

Nada é mais intrinsecamente social do que a função mediadora e pacificadora do Judiciário e dos juízes, que a devem exercer com independência quaisquer que sejam os que sofrem ou provocam as lesões. Admitir pressões significa tomar um partido, prestigiar uma facção, incorporar tal ou qual interesse dominante ou ávido por dominar. O Judiciário e o juiz que se deixam pressionar perdem a condição indispensável para mediar e se tornam parceiros de uma das partes em conflito. Em outras palavras, se anulam como instrumento de civilização e convivência social, de equilíbrio e de controle sobre os que têm e os que não têm poder, seja este político, econômico ou de qualquer outra natureza.

Como os conflitos se multiplicam e se diversificam, a instituição judiciária, para manter-se fiel à missão de que a incumbe a sociedade, necessita modernizar a gestão de seus meios de atuação, coisa bem diferente de alterar sua finalidade ou de flexionar  sua ética. Há que se agir sempre com eticidade. A peça fundamental continuará sendo o juiz, que, preservado na independência de julgar segundo as convicções que formou em face das provas produzidas pelas partes, nos autos de um processo regular, será sempre o guardião da ordem jurídica estabelecida a partir da Constituição.

A sociedade não espera de seus juízes outra coisa que não-operosidade, integridade, equilíbrio e independência. Da organização judiciária espera que assegure aos juízes condições de trabalho eficiente (o máximo de rentabilidade dos meios com o menor custo possível para a sociedade) e eficaz (produzindo o único resultado desejável, que é a solução justa para cada conflito, em tempo razoável). E que não se confundam as coisas: à administração judiciária cabe gerenciar meios; aos juízes cabe aplicar o direito com justiça; ao poder judiciário cabe repelir qualquer forma de pressão, interna ou externa, que desnature a missão que a sociedade confia à magistratura.

No alinhamento dos níveis da estratégia, da gerência e da operação das atividades judiciárias podem ocorrer divergências metodológicas, cuja harmonização dependerá de ciência, técnica, probidade e respeitoso diálogo entre todos os que contribuem, juízes e serventuários, para a entrega dos serviços judiciais à população. No rumo dessa harmonização não podem servir de parâmetro o equívoco conceitual, a idiossincrasia pessoal, o projeto personalista, muito menos o discurso sem correspondência na história de vida de quem o faz para impressionar e cooptar. O único paradigma admissível é o adequado e renovado cumprimento da missão de sempre – distribuir justiça de boa qualidade, que é aquela confiável pela excelência e seriedade de suas decisões.

No exercício da autoridade, administrativa ou judicante, alguns se perdem em intolerância e desrespeito pelo outro, ainda que sinceramente convencidos de que, assim agindo, demonstram firmeza no uso do poder e obstinação na realização de objetivos prioritários. O gestor eficiente e eficaz – aquele que consegue mobilizar pessoas e instituições rumo à concretização de resultados comprometidos com o justo – faz da cortesia e do estímulo às qualidades das pessoas ferramentas de gestão. As instituições são feitas para os homens e não os homens para as instituições.

A moderna ciência da administração perdeu seu principal mentor há menos de um ano. Faleceu, aos 95 anos de idade, Peter Drucker, austríaco que migrou para a América por opor-se ao nazismo. Denunciou-o, na década de 1920, como organização de eficiência duvidosa, porque autoritária, e de eficácia equivocada, porque sem compromisso com a humanidade. Escreveu mais de trinta títulos, quase todos premiados por universidades, e prestou consultoria a centenas, ou milhares, de empresários, em todos os continentes. A ele se atribui o desempenho espetacular do empresariado japonês do pós-guerra, que adotou a essência de sua filosofia de gestão (nenhum recurso organizacional é mais importante do que as pessoas; o sucesso da empresa depende de manter-se o foco no cliente; todo erro é uma oportunidade de melhoria). Conseguiu a proeza de ser ouvido e respeitado tanto por patrões quanto por empregados. Grandes empresas e enormes sindicatos pediram e acataram os conselhos de Drucker ao longo de décadas. Morreu ainda ministrando seminários em sua clínica para executivos. Alguns de seus trabalhos premiados foram reunidos em recente edição que lhe homenageia a memória. Eis trecho de um deles, que deve inspirar os que pretendem dirigir pessoas e instituições:

“…descubra onde sua arrogância intelectual está provocando uma ignorância incapacitante e supere isso. Muitas pessoas – em especial com grande experiência em determinada área  – desprezam o conhecimento em outras áreas ou acreditam que o brilhantismo substitui o conhecimento. Engenheiros de primeira linha, por exemplo, tendem a se orgulhar de não saber nada sobre pessoas. Seres humanos, acreditam eles, são confusos demais para a mente precisa do engenheiro… Mas ter orgulho de tamanha ignorância é auto-destrutivo… É igualmente essencial corrigir os maus hábitos – atitudes que você toma ou deixa de tomar que prejudicam sua eficiência e seu desempenho. Por exemplo, um planejador pode descobrir que seus belos planos fracassam porque ele não os segue à risca. Assim como muita gente brilhante, ele acredita que idéias movem montanhas. Mas o que move montanhas são escavadeiras; as idéias mostram onde as escavadeiras devem fazer o serviço. Esse planejador terá de aprender que o trabalho não termina quando o plano está finalizado. É necessário encontrar as pessoas que levarão o plano adiante e explicá-lo para elas. E, por fim, ele deve decidir quando parar de insistir no plano… A polidez é o óleo lubrificante de uma organização. É uma lei da natureza a fricção criada por dois corpos em movimento que entram em contato entre si. Isto é tão verdadeiro para seres humanos quanto para os objetos inanimados. A polidez – coisas simples como dizer “por favor” e “obrigado” e saber o nome de uma pessoa ou perguntar pela família dela – permite que duas pessoas trabalhem juntas, gostem uma da outra ou não… Se a análise mostrar que o trabalho brilhante de alguém vive fracassando quando a cooperação de outras pessoas é necessária, é provável que isso indique falta de cortesia, ou seja, falta de bons modos” (Drucker, o homem que inventou a Administração, pág. 5. Ed. Campus, trad. Alessandra Mussi Araújo, 2006).

Palavras sob medida para quantos ocupam ou aspiram vir a assumir postos de gestão em qualquer dos poderes da República. Que os eleitores estejam atentos à sabedoria dessas advertências, antes e depois das eleições, e também quanto às suas conseqüências no presente e para o futuro previsível, especialmente no Judiciário, onde o exercício legítimo da autoridade pode estar a um passo do autoritarismo, portanto do direito injusto, ineficiente e ineficaz.