Especial Mulher

31 de março de 2017

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Celebramos em março, internacionalmente, o Dia da Mulher. Por essa razão, aproveitamos a ocasião para falar com as magistradas que estão, neste momento, assumindo cargos de gestão em diferentes Tribunais do Rio de Janeiro. A primeira delas é a Desembargadora Elizabete Filizzola, 1a Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que aborda em sua entrevista temas importantes para a pauta feminina, como a independência e a igualdade de condições com os homens conquistadas pelas mulheres no decorrer das últimas décadas. Em seguida, a Desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo, Vice-Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, fala um pouco sobre o protagonismo da mulher na vida familiar e no mercado de trabalho, destacando a presença feminina maciça entre os juízes recém-empossados no TRT/RJ.

Elisabete FilizzolaCom a palavra, a Desembargadora Elizabete Filizzola:

Revista Justiça & Cidadania – A participação feminina no Poder Judiciário tem crescido nos últimos anos, com destaque para o fato de termos, em duas Cortes Superiores brasileiras, mulheres na presidência. Qual a sua opinião sobre este movimento de mudança? O Brasil está ou não avançando no que se refere à participação das mulheres no Judiciário?

Elizabete Filizzola – O Brasil está avançando sim, e a passos largos. O acesso das mulheres à alta administração dos Tribunais e do Poder Judiciário acontece nos últimos anos em decorrência da progressão gradual na carreira, na década de 80 ingressou um grande número de mulheres no Poder Judiciário, superando preconceitos e antigas convenções. Naquela época, sentíamos o preconceito. Mulheres poderiam ser secretárias, recepcionistas, mas, raramente advogadas de órgãos públicos. Eu vivi isso quando ingressei na Embratel. Eu vivi isso quando não pude me inscrever sem a autorização dos meus pais no segundo grau clássico. Eu, e muitas mulheres da minha geração, só éramos admiradas quando exerciámos o magistério na educação infantil.

Então, na década de 80, no século passado, conseguimos vencer uma grande batalha, com o ingresso de mulheres, nas mesmas condições dos homens, no serviço público.

O serviço público foi o grande local de encontro das mulheres que queriam independência e igualdade de condições, e o Poder Judiciário, ainda mais.

É claro que ainda experimentamos, nas décadas seguintes, barreiras para promoções e remoções, principalmente quando ainda eram submetidas ao Governador. Muitos comentários sobre a firmeza e resistência das mulheres que se candidatavam às Varas consideradas mais difíceis. Mas com perseverança, segurança e constância, alcançamos todos os espaços do Poder Judiciário. Somos hoje 435 mulheres, entre Juízas e Desembargadoras, apenas 8 a menos do que homens, que são 443.

Hoje a Juíza, a servidora, pode estar onde ela quer estar. Ela pode dizer, com tranquilidade, que o lugar dela é onde ela desejar – temos mulheres no interior, nas capitais, em todas as competências, nas Câmaras, presidindo, compondo. As remoções e promoções não se pautam e nem se influenciam pelo gênero.

Já tivemos uma Presidente do nosso Tribunal, duas do STF, e teremos outras e muitas mais.

Percebo que ainda estamos em um processo de evolução, mas, dentro da sociedade brasileira, o Poder Judiciário pode ser considerado um exemplo de igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

RJC – Cresce, em todo o mundo, a defesa pelo espaço feminino em diferentes aspectos. Conceitos como “empoderamento” e “igualdade de gênero” têm se tornado praticamente palavras de ordem na mídia e até nos meios publicitários. A Srª acredita que estamos caminhando para uma definitiva mudança no que se refere à conquista de espaços a que a mulher tem direito, mas que ainda não conquistou até hoje (igualdade de salários, respeito às suas escolhas de vida, por exemplo)?

EF – No serviço público a igualdade de salários é uma realidade, nenhuma servidora pode receber menos do que um servidor quando exercendo as mesmas funções, e o concurso público, como forma de ingresso não identificado, impede qualquer tipo de manobra restritiva de ingresso em um cargo. Talvez o debate, se ainda houver, esteja restrito a cargos de direção, porém, no TJRJ há inúmeros cargos de chefia e direção sendo exercidos por mulheres, e, em um olhar cotidiano, diria que há igualdade.

Acredito que o “empoderamento feminino” no âmbito do Poder Judiciário, no que diz respeito aos servidores públicos, como uma ação coletiva de consciência de direitos e deveres, devesse olhar o outro, trazendo uma atitude transformadora. Acredito que os servidores públicos podem ser os melhores agentes dessa transformação social, continuando e propagando, difundindo, um agir igualitário em homens e mulheres, com respeito mútuo. O TJRJ sempre esteve na vanguarda de reconhecimento de igualdade de gênero, da proteção da mulher, dos filhos, das famílias.

Essa é a nossa vocação.

 

Rosana Salim Villela TravesedoCom a palavra, a Desembargadora Rosana Salim Villela Travesedo:

Revista Justiça & Cidadania – A participação feminina no Poder Judiciário tem crescido nos últimos, com destaque para o fato de termos, em duas Cortes Superiores brasileiras, mulheres na presidência. Qual a sua opinião sobre este movimento de mudança? O Brasil está ou não avançando no que se refere à participação das mulheres no Judiciário?

Rosana Salim Villela Travesedo – Desde a criação do mundo, conforme relata o livro do Gênesis, a mulher exerce um papel relevante. Disse o Senhor Deus, à época: “Não é bom que o homem viva sozinho. Vou fazer para ele alguém que o ajude como se fosse a sua outra metade.” E, de coadjuvante, a mulher passou à protagonista, participando da criação na vocação da maternidade. A grandeza da mulher, portanto, transcende o sexo para se situar num plano quase sobrenatural, na medida em que dá a vida para outro ser. Isso já seria o bastante para merecer reconhecimento e respeito de todos. Porém, há mais. Com o passar do tempo, a mulher conquistou outros espaços, outrora de domínio masculino. Por exemplo, no campo do Judiciário. A começar pelo ótimo desempenho nos concursos, obtendo alto índice de aprovação. Em nosso Regional, percebo, nas cerimônias de posse, maciça presença feminina ingressando na magistratura. Isso porque as mulheres mergulham, de forma abissal, no mundo dos estudos, da leitura, dedicando-se de corpo e alma ao desafio que pretendem conquistar. E superam barreiras, preconceitos, porque, via de regra, têm a “força”… Seja de vontade, de caráter, de entrega ao que fazem. Sim, porque as mulheres costumam ser “intensas” e isso contribui, sobremaneira, para o atingimento de seus propósitos. Quem, no passado, poderia supor que as mulheres chegariam ao ápice de presidir o Supremo Tribunal Federal? E fazem-no com propriedade, sobriedade, sensibilidade e doçura. Que o diga a Ministra Carmen Lúcia que, em pouco tempo, teve iniciativas corajosas e relevantíssimas para o destino do Judiciário, fazendo a diferença em sua atuação. É fato, portanto, que as mulheres têm participação incrementada no Judiciário e atuam de forma consciente, competente, comprometida e compassiva em prol dos jurisdicionados.

RJC – Cresce, em todo o mundo, a defesa pelo espaço feminino em diferentes aspectos. Conceitos como “empoderamento” e “igualdade de gênero” têm se tornado praticamente palavras de ordem na mídia e até nos meios publicitários. A Srª acredita que estamos caminhando para uma definitiva mudança no que se refere à conquista de espaços a que a mulher tem direito, mas que ainda não conquistou até hoje (igualdade de salários, respeito às suas escolhas de vida, por exemplo)?

RSVT – Conquanto a mulher esteja em posição de igualdade com o homem – no que se refere à competência e bagagem intelectual – para exercer funções no mercado de trabalho, a realidade demonstra, a toda evidência, que há odiosa discriminação salarial. Certamente, por conta de o Brasil ostentar a vergonhosa condição de país de “terceiro mundo”, viceja uma mentalidade machista e atrasada, coisificando a mulher e subtraindo sua dignidade. Há muito que as mulheres lutam por essa igualdade de direitos, na medida em que os deveres já são compartilhados com os homens e, muitas vezes, sozinhas já respondem pela manutenção da família. E quando ecoa o grito feminista de igualdade, os homens entendem, de forma equivocada, que as mulheres querem ser vistas como o sexo oposto, aspirando a condição masculina…

Ledo engano! As mulheres jamais serão iguais aos homens, pois destes se distinguem, seja pela condição biológica que as fragiliza, seja pela circunstância da maternidade e, ainda, pelo fato de acumularem atividades domésticas com as profissionais, numa ambiguidade de afazeres com “repercussão geral” na vida da família . Portanto, malgrado tenhamos saído da “idade da pedra lascada” , no que concerne ao reconhecimento dos direitos da mulher, há que ser trilhado, ainda, um longo caminho até que se conceba a tão sonhada igualdade de chances e oportunidades profissionais, o respeito à grandeza da condição da mulher como partícipe da criação, sua ética, dignidade e majestosa contribuição para a construção de uma sociedade mais justa e solidária. Quanto mais mulheres houver nas instituições brasileiras, mais retidão, ordem e progresso haverá na nação.