A evolução da judicialização no Brasil e o papel dos departamentos jurídicos na sua prevenção Breves considerações

6 de fevereiro de 2015

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Katia-JunqueiraComo é sabido, existe, atualmente, grande problemática que prejudica a adequada prestação jurisdicional por parte do Poder Judiciário no Brasil, com impactos sobre toda a sociedade. Essa problemática traduz-se no excesso de demandas que abarrotam os tribunais pátrios e prejudicam, mais especialmente, não só às partes, mas, também, a todos os operadores do Direito.

A preocupação com essa questão leva-nos a investigar suas causas e a buscar alternativas que permitam atuação preventiva à chegada de demandas ao Judiciário e que tais alternativas não se limitem ao mero incremento da máquina judiciária a reboque da crescente evolução do problema, sob pena de se gerar o caos com um gigantismo não funcional.

É certo que, após tantos anos de repressão e autoritarismo, a Constituição Federal de 1988 trouxe ao alcance dos cidadãos brasileiros, muito apropriadamente, uma série de recursos para que esses indivíduos hipossuficientes pudessem fazer valer seus direitos, especialmente no âmbito consumerista.

Não obstante, toda essa instrumentalização, muito embora necessária, teve consequência perversa, que foi a colaboração desses instrumentos para um incremento gigantesco e, até então imprevisível, da demanda por jurisdição. Para se ter uma ideia, de forma bastante objetiva, quanto a esse incremento, basta trazer à colação o fato de que, no ano da promulgação da atual Constituição, ou seja, 1988, existiam, aproximadamente, 350 mil ações judiciais em curso no Brasil, enquanto, nos dias atuais, temos, aproximadamente, 100 milhões de ações. Isso representa volume atual cerca de 286 vezes maior que o existente quando promulgada a atual Constituição!

Sabe-se também que essa instrumentalização do consumidor / usuário acaba por ser bastante utilizada em razão do inadequado serviço prestado por inúmeras pessoas jurídicas, fornecedoras de bens e serviços, que não zelam pela qualidade em suas atividades na forma como deveriam.

Por outro lado, os atuais aproximadamente, 100 milhões de ações correspondem, também aproximadamente, a cerca de 6.060 processos ativos por magistrado, considerando o número total de 16.500 magistrados no Brasil, ou seja, volume insano para qualquer ser humano.

Seguramente os processos relacionados a matéria consumerista têm relevante participação nesses números. Isso porque a população foi instrumentalizada para litigar – e, paralelamente, existem motivos para tanto –, sem que houvesse, em contrapartida, a implantação de medidas legais e o planejamento de medidas institucionais que pudessem prevenir e substituir, sempre que possível, o litígio pela solução amigável dos conflitos, hipótese que não geraria prejuízo algum ao princípio constitucional do livre acesso à Justiça, valendo comentar que o novo Código de Processo Civil, recentemente aprovado no Senado, de alguma forma, virá a corrigir essa lacuna, ainda que não completamente.

Ao contrário, a ausência dessas medidas, sim, enseja prejuízo ao princípio constitucional do livre acesso à Justiça, considerando-se a incapacidade de se atuar sobre as demandas judicializadas com a rapidez que o objetivo de tal princípio exige, haja vista o volume de ações que são impetradas diuturnamente e que geram, dessa forma, a lentidão da máquina judiciária, com repercussões sobre a celeridade e a qualidade das decisões judiciais e, consequentemente, com prejuízo ao trabalho dos advogados militantes, entre outros problemas não menos importantes.

Não obstante a ausência dessa previsão pelo legislador constituinte, vale dizer que a legislação infraconstitucional, no que tange aos advogados, estabeleceu a atuação na prevenção dos litígios como dever ético, previsto no Código de Ética e Disciplina da OAB, a saber:

Art. 2o O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce.
Parágrafo único. São deveres do advogado:
[…]
VI – estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios.

Nessa linha, todos os advogados devem atuar de forma a estimular a conciliação entre os litigantes, prevenindo, sempre que possível, a instauração de litígios. Portanto, nós advogados devemos fazer desse dever ético oportunidade profissional e campo de trabalho.

Não é demais relembrar que o artigo 133 da Constituição Federal prevê que o advogado é indispensável à administração da justiça e a Lei no 8.906/1994 (Estatuto da Advocacia) dispõe que o advogado exerce função social.

No caso dos advogados das grandes corporações, estes podem e devem atuar com o propósito de cumprir com seus deveres éticos, acrescentando-se a isso o respeito devido ao princípio da responsabilidade social corporativa das companhias que representam.

É com esse pensamento que a Diretoria Jurídica do Grupo Gás Natural Fenosa no Brasil (que abrange as empresas Companhia Distribuidora de Gás do Rio de Janeiro (CEG), a CEG RIO S.A., entre outras, vem adotando medidas que buscam colaborar com a redução da judicialização e a agilização do andamento dos processos judiciais no estado do Rio de Janeiro.

Vale comentar que uma das medidas mais importantes adotadas, com impacto efetivo sobre os processos judiciais em curso no estado do Rio de Janeiro, foi a assinatura de convênios entre as empresas CEG e CEG RIO S.A., com o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), por meio dos quais foi disponibilizado o acesso das bases de dados dos clientes (notadamente endereços) ao TJRJ. Com isso, viabilizou-se maior rapidez e sucesso na localização de partes e a realização de diligências. Tais convênios foram também firmados com o Ministério Público do Rio de Janeiro, Tribunal Regional do Trabalho 1a Região e com a Justiça Federal, Seção Judiciária do Rio de Janeiro.

Por outro lado, em 2011, quando de sua primeira participação em mutirões de conciliação, a CEG foi a primeira empresa na história do TJRJ a alcançar o exitoso índice de 100% de acordos nesses eventos e, desde então, continuamos a repetir esse índice em diversos outros mutirões.

Além disso, buscamos cotidianamente, estudar e implementar práticas administrativas internas que, de alguma forma, contribuam para a prevenção das demandas das empresas do Grupo, seja na condição de autoras, seja na de rés, buscando, entre outras práticas, acordos em âmbito pré-processual e, até mesmo, utilizando dos serviços do Centro de Conciliação Pré-Processual no estado do Rio de Janeiro.

Para 2015, pretendemos implantar importante projeto na linha da prevenção da judicialização e da criação da cultura do uso dos meios alternativos para a solução de conflitos. Bem, mas isso será objeto de um próximo artigo.