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Sinergias entre as Agências Reguladoras e o meio ambiente

19 de abril de 2013

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1. Introdução

A princípio, pode ser difícil imaginar alguma correlação entre a atuação das Agências Reguladoras de Serviços Públicos e o Meio Ambiente.

No entanto, numa análise um pouco mais detida, é possível vislumbrar reais e importantes impactos positivos da atuação adequada das Agências Reguladoras, por meio de ações de fiscalização quanto ao cumprimento da legislação ambiental, bem como a regulação desse tema – sempre de forma compatível com o disposto na legislação em vigor – em total consonância com o interesse público, como procuraremos demonstrar a seguir.

É certo, porém, que para que se alcance tal objetivo, não é suficiente qualquer ação do ente regulador, mas sim, uma ação eficiente e focada, estritamente dentro de seus objetivos institucionais e competências legais.

Entretanto, para que se chegue ao ponto nodal da questão, é importante apresentarmos algumas considerações preliminares que permitirão um encadeamento lógico do assunto.

2. O meio ambiente e a Constituição Federal

É sabido que, frente aos crescentes anseios da sociedade, o Legislador Constituinte de 1988, erigiu a preocupação com o meio ambiente a preceito constitucional, consubstanciado no artigo 225, in verbis:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (grifos nossos)

Em consonância com o disposto no citado artigo da Carta Constitucional, o meio ambiente é considerado um bem público e a preocupação com sua preservação traduz o denominado Princípio do Desenvolvimento Sustentável, inerente ao Direito Ambiental.

Nesse diapasão, a preservação do meio ambiente é um dever do Poder Público e da coletividade (pessoas físicas e jurídicas).

Essa responsabilidade pela defesa do meio ambiente, ainda com base em preceitos constitucionais é de competência comum à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, senão vejamos:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(…)
VI – proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas.

3. Classificação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

Por seu turno, o direito constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, é um direito fundamental de terceira geração1 (direitos difusos), derivado de um dos elementos preconizados na Revolução Francesa, qual seja, a fraternidade, direito este diretamente relacionado ao direito à vida.

A preocupação mais concreta com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado está intimamente relacionada à evolução da sociedade moderna em termos de industrialização e urbanização, considerando-se os naturais impactos produzidos por essas atividades.

4. Meio ambiente e impactos ambientais – Aspectos gerais

A expressão meio ambiente traduz, de forma genérica, o conjunto de condições naturais, influências e interações que atuam sobre organismos ou seres vivos, como animais, vegetais e os seres humanos.

Entretanto, de forma mais específica, o Professor José Afonso da Silva2, conceitua o meio ambiente como:

(…) toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendidos, portanto, o solo, a água, o ar, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico.

Nesse contexto, o sociólogo e professor Antonio Carlos Sant’ana Diegues alerta sobre o chamado “mito moderno da natureza intocada”3, lecionando que o problema fundamental, em termos de meio ambiente, se dirige, naturalmente, a qualquer impacto negativo induzido pelo homem sobre o ambiente e que possa ser prejudicial à existência do ser humano no planeta.

Na visão normativa, contida no artigo 1º da Resolução CONAMA 001/86, é considerado impacto ambiental:

Qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de material ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afete a saúde, a segurança e o bem-estar da população, as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”.

Em termos de meio ambiente, prevalece a filosofia da prevenção de danos, consubstanciada em um dos mais relevantes princípios norteadores do Direito Ambiental, que é o Princípio da Prevenção segundo o qual devem o Poder Público e a coletividade, agir de maneira a prevenir um dano ambiental, uma vez que a reparação desse dano, quando possível, é muito mais onerosa que a sua prevenção, ademais de se correr o risco de que esse dano seja irreparável. Afinal, como reparar, por exemplo, a extinção de uma espécie da flora ou da fauna?

5. A Regulação no Brasil

Feitos tais comentários iniciais, nos compete abordar o tema da regulação.

No que concerne à regulação dos serviços públicos no Brasil, não é a mesma recente, ao contrário do que muitos podem presumir. Com efeito, há mais de um século, a Companhia CIT de Esgotos, na cidade do Rio de Janeiro, foi o primeiro serviço público concedido no Brasil, isso no ano de 1852.4

Porém, na hodierna formatação, a regulação surgiu no Brasil, nos anos 90, com a abertura econômica e o neoliberalismo.

Nesse contexto, o papel do Estado, naquele momento majoritariamente interventor, passou ao de regulador e fiscalizador, papel este atualmente exercido por meio das Agências Reguladoras, autarquias especiais, caracterizadas por independência e autonomia funcional e financeira e dotadas de poder de polícia.

6. Regulação – Garantia de direitos fundamentais e desenvolvimento

Para Marçal Justen Filho5, a regulação pode ser conceituada como:

A regulação econômico-social consiste na atividade estatal de intervenção indireta sobre a conduta dos sujeitos públicos e privados, de modo permanente e sistemático, para implementar as políticas de governo e a realização dos direitos fundamentais. (grifos nossos)

Frente ao conceito de regulação acima transcrito, é possível depreender que este instituto surge como indutor de desenvolvimento não só econômico, mas também social, notadamente por meio do estímulo da universalização de serviços públicos, que democratiza o uso dos mesmos, na medida em que busca expandir os benefícios dos citados serviços a um número cada vez maior de usuários.

Note-se que, também na exploração desses serviços, há a obrigação de observar o disposto no artigo 170, inciso VI, da Constituição Federal, a seguir transcrito:

Art. 170 – A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, consoante os ditames da justiça, observados os seguintes princípios:
(…)
VI – defesa do meio ambiente…”. (grifos nossos)

Com efeito, o que se evidencia é que o legislador constituinte visou não o crescimento econômico, mas sim, o desenvolvimento econômico e há que se destacar a diferença básica e essencial entre esses dois conceitos. O primeiro está focado em acúmulo de riquezas, sem levar em consideração a sua distribuição equitativa e coletiva, enquanto que o desenvolvimento, apesar do evidente caráter econômico, está focado não apenas na geração de riquezas, mas tem, também, por objetivo, distribuí-las de forma equânime, objetivando melhorar a qualidade de vida de toda a população, levando em consideração, portanto, a evolução social e a qualidade ambiental do planeta, o que, verdadeiramente, atende ao interesse da sociedade.

7. As Agências Reguladoras e o meio ambiente

A Lei Federal de Concessões, Lei 8.987/95, inclui dentre os encargos do Poder Concedente dos serviços públicos, o de zelar pela preservação do meio ambiente. Isso demonstra a preocupação do legislador ordinário com a preservação do meio ambiente no que se refere à execução dos serviços concedidos. Vejamos:

Art. 29. Incumbe ao poder concedente:
(…)
X – estimular o aumento da qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente e conservação.

Esse encargo, conforme previsto na própria Lei antes citada, e com base no modelo regulatório brasileiro, foi transferido às Agências Reguladoras.

Nesse diapasão, vale mencionar, exemplificativamente, algumas das leis instituidoras de importantes Agências Reguladoras, que preveem expressamente a responsabilidade das mesmas quanto à preservação do meio ambiente. Nesse sentido, podemos citar a Lei Federal que instituiu a ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, qual seja, a Lei Federal nº 9478, de 6/8/97, com suas posteriores alterações, que destaca:

Art. 1º As políticas nacionais para o aproveitamento racional das fontes de energia visarão aos seguintes objetivos:
(…)
IV – proteger o meio ambiente e promover a conservação de energia.

Art. 8º A ANP terá como finalidade promover a regulação, a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis, cabendo-lhe:
IX – fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente. (grifos nossos)

Outro importante exemplo de legislação que destaca a responsabilidade das Agências Reguladoras no que tange à preservação do meio ambiente é a Lei Federal nº 10.233, de 05 de junho de 2001, instituidora da ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres e da ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários, in verbis:

Art. 11. O gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes aquaviário e terrestre serão regidos pelos seguintes princípios gerais:
(…)
V – compatibilizar os transportes com a preservação do meio ambiente, reduzindo os níveis de poluição sonora e de contaminação atmosférica, do solo e dos recursos hídricos”. (grifos nossos)

8. As Agências Reguladoras, meio ambiente e princípios da legalidade estrita e da reserva legal

Entretanto, cabe destacar, que a atividade do ente regulador em matéria ambiental se dará muito mais no âmbito fiscalizatório do que regulatório, pois na sua atuação a Agência estará adstrita à observância das leis ambientais, principalmente por força do Princípio da Legalidade Estrita, que rege os órgãos da Administração Pública e também pelo Princípio da Reserva Legal que ampara os particulares. Assim, qualquer comando regulatório em matéria ambiental deve sempre estar em consonância com uma das espécies previstas no processo legislativo.

Nesse sentido, ainda recorrendo à lição do Professor José Afonso da Silva6, o mesmo pondera que a melhor técnica distingue o Princípio da Legalidade do Princípio da Reserva Legal e assim o faz porque, no seu entendimento, o primeiro traduz a submissão e o respeito à lei, além da atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. Já o segundo, se caracteriza pelo fato de que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se obrigatoriamente por lei.

Dessa maneira, também em matéria ambiental, toda a atividade regulatória da Agência Reguladora só terá validade desde que exercitada dentro dos limites da Lei em sentido estrito.

9. As Agências Reguladoras e o desenvolvimento econômico sustentável

Ademais do já exposto, é essencial comentar que o objetivo primordial da atividade regulatória e fiscalizatória das Agências é zelar pelo interesse público de forma geral.

No caso da função regulatória das Agências, ela se divide em três tipos de atividade: regulação econômica, administrativa e social. É na atividade de regulação social que se situa especificamente a proteção de interesses como, por exemplo, a saúde, a segurança e o meio ambiente.

É certo dizer que, dentre os objetivos das Agências Reguladoras se insere o de zelar pela defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, seja por meio da fiscalização direta dos serviços prestados pelos concessionários quanto ao cumprimento da legislação ambiental, seja por meio da colaboração com os órgãos de defesa do meio ambiente.

Porém, o que efetivamente deve ser buscado pelo Regulador é o denominado desenvolvimento sustentável, que é o que “atende às necessidades do presente sem comprometer as das gerações futuras” (definição contida no relatório “Our Common Future” – “Nosso Futuro Comum”, da Comissão Mundial do Meio Ambiente e do Desenvolvimento, 1987).

Nesse sentido, o desenvolvimento econômico susten­tável é aquele que pressupõe a expansão econômica permanente, com melhorias nos indicadores sociais e na preservação ambiental e é esse tipo de desenvolvimento almejado para o bem do interesse público.

10. Características dos serviços públicos regulados pelas Agências

Os serviços públicos concedidos e regulados possuem uma característica comum a todos eles: caracterizam-se, direta ou indiretamente, pela exploração de recursos naturais, pelo seu fornecimento ou pelo seu consumo, com impactos sobre o meio ambiente.

Podemos citar, exemplificativamente, como serviços que usam diretamente recursos naturais, a geração de energia elétrica. Outro exemplo é a distribuição de água canalizada.

Porém, ainda que não envolvam diretamente o uso desses recursos, a prestação desses serviços, utiliza, ainda que de forma indireta recursos naturais e/ou gera algum tipo de impacto ao meio ambiente, como por exemplo, é o caso dos transportes públicos nos seus vários modais (ferroviário, rodoviário, aeroviário, aquaviário e dutoviário).

Um exemplo interessante é o impacto causado sobre os sítios arqueológicos existentes no subsolo seja ele urbano ou não. As empresas concessionárias ao expandirem serviços públicos que dependam de implantação de dutos no subsolo, não raro se deparam com a existência desses sítios arqueológicos e, consequentemente, com a necessidade de adotar procedimentos que preservem esse patrimônio histórico e arqueológico, sob pena de danos irreversíveis ao meio ambiente.

11. Resultados concretos das atividades das Agências Reguladoras sobre o meio ambiente

Diversos são os casos em que se pode verificar uma atuação regular e adequada do ente regulador no âmbito de sua competência e que podem servir de exemplo da grande sinergia existente entre as Agências Reguladoras e a preservação do meio ambiente.

Um case emblemático é o da proibição do uso do óleo ascarel no território do Estado do Rio de Janeiro, o que ocorreu com a publicação da Lei Estadual nº 3373/00, que proíbe o uso da citada substância. Para se ter uma idéia dos seus impactos à saúde e ao meio ambiente, vejamos uma sucinta explicação7:

(…) esses compostos não são biodegradáveis e se bioacumulam em tecidos vegetais e animais. Seus resíduos são tóxicos e de reconhecida ação carcinogênica (provocam o câncer), além de causar danos irreversíveis ao sistema nervoso central.
(…)
O ascarel é um produto tecnicamente chamado de Alocloro 1254, um óleo resultante da mistura de hidrocarbonetos derivados de petróleo, utilizado como isolante em equipamentos elétricos, sobretudo transformadores e capacitores elétricos. É um fluido dielétrico e lubrificante que serve também para resfriar equipamentos elétricos, além de evitar os curtos-circuitos. Os óleos que contêm PCBs são conhecidos sob denominações comerciais, chamados de ascaréis. São compostos organoclorados, o que os colocam na lista dos POPs (poluentes orgânicos persistentes), não-biodegradáveis, altamente tóxicos de ação corrosiva e inflamável, capazes de causar efeitos nocivos ao ambiente e à saúde humana. Possuem característica lipofílica (solúvel em gorduras), o que facilmente permite sua chegada até humanos, via ingestão de pescado, por exemplo. (grifos nossos)

Como a concessionária de serviços públicos de transporte de passageiros no Rio de Janeiro que utilizava esse produto em seus equipamentos não cumpriu com os prazos legais para substituir o uso do ascarel, altamente tóxico e contaminante do meio ambiente, a então ASEP-RJ, Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro, instaurou processo regulatório por meio do qual visava obrigar a concessionária de serviços públicos de transporte de passageiros a cumprir a legislação. Esse processo resultou na assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta, com a participação do Ministério Público Estadual, não sendo mais utilizado atualmente esse produto pela empresa.

Outro exemplo emblemático da regular atuação da Agência Reguladora, resultando em impactos positivos para o meio ambiente é o caso das Concessionárias Prolagos e Águas de Juturnaíba, relativamente à Recuperação da Lagoa de Araruama no Estado do Rio de Janeiro.

Nesse exemplo, no ano de 2001, por solicitação do Consórcio Intermunicipal de Lagos e São João – formado por Prefeituras, empresas da região e cerca de 40 Ong’s situadas na Região do Lagos, no Rio de Janeiro –, a ASEP-RJ iniciou tratativas com as concessionárias de saneamento Prolagos e Águas de Juturnaíba objetivando a repactuação de investimentos, mais precisamente, a antecipação dos mesmos, de maneira a tentar salvar a Lagoa de Araruama que se encontrava em estado de total precariedade ambiental, com constante mortandade de peixes e da vida marinha ali existente, com impactos sobre a população local.

Esse processo culminou com a assinatura de um Termo Aditivo aos contratos de concessão então vigentes, totalizando um investimento, à época, de mais de R$ 40.000.000,00 (quarenta milhões de reais). Com isso, foi possível antecipar investimentos previstos nos Editais de Licitação das Concessões, primordialmente para solucionar o alto grau de degradação ambiental em que se encontrava a Lagoa de Araruama, caracterizado por águas escuras e mau cheiro, por ser o destino final do lançamento dos esgotos domésticos da região atendida pelas Concessionárias antes citadas reguladas pela ASEP-RJ.

Assim, em 2005, várias estações de tratamento de esgotos entraram em operação dentro do objetivo proposto pela Agência Reguladora aos concessionários.

Como resultado final, houve uma relevante melhoria da qualidade ambiental da Lagoa de Araruama e de todo o seu ecossistema, com positivos reflexos para a população local, notadamente para os pescadores que dependem da pesca na região, a ponto dessa mudança ser notícia no Jornal O Globo, sob o título “Despoluição – Lagoa de Araruama volta a dar sinal de vida”8.

Além desses dois casos emblemáticos e bem sucedidos, citamos também a decisiva atuação da ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, quando da ocasião da 5ª. Rodada de Licitações para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, ocorrida em 2003.

Nessa ocasião, seriam licitadas áreas do arquipélago de Abrolhos, santuário ambiental, localizado na região do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no extremo sul do Estado da Bahia. Entretanto, reavaliando a questão por demanda de entidades civis de defesa do meio ambiente, a ANP anunciou, espontaneamente, a exclusão de 162 blocos localizados nessa região.

Aliás, no que tange à ANP, é oportuno, pela atualidade do tema, comentar sobre os royalties do petróleo e gás natural, que representam uma compensação financeira devida pelos concessionários em razão dos impactos – inclusive ambientais – pela exploração e produção de petróleo e gás natural.

É esse ente regulador que realiza o cálculo, controle e distribuição dos royalties, devendo ser ressaltado que esses royalties têm importância crucial para o desenvolvimento sustentável das regiões que os recebem, notadamente para efeito de reparação por danos ao meio ambiente.

12. A competência das Agências Reguladoras em matéria ambiental – Visão do STJ

Cabe trazer à colação entendimento expresso sobre a matéria ora discutida, manifestado pelo colendo Superior Tribunal de Justiça em aresto proferido por unanimidade no Resp. Nº 1.142.377 – RJ (2009/0102039-4), em que figurou como Recorrente a Petróleo Brasileiro S/A – PETROBRAS e Recorrida a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, tendo como relator o Exmo. Sr. Ministro Herman Benjamim.

Nessa decisão, se reconhece com clareza meridiana a competência das Agências Reguladoras em matéria ambiental, inclusive para efeito de sanções por danos dessa natureza provocados no curso da prestação dos serviços públicos.

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO. AUTUAÇÃO POR FALHA OPERACIONAL DANOSA AO MEIO AMBIENTE. EXERCÍCIO LEGÍTIMO DO PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL. ART. 8º, IX, DA LEI 9.478/1997. SISTEMA NACIONAL DE MEIO AMBIENTE – SISNAMA. ART. 6º DA LEI 6.938/81. MULTA APLICADA COM BASE NO ART. 3º, IX, DA LEI 9.847/99. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO PUNITIVO. SÚMULA 7/STJ. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
1. Cuidam os autos de Ação Ordinária ajuizada pela Petrobras contra a Agência Nacional do Petróleo – ANP, visando a anular auto de infração por falha operacional ocorrida na Refinaria Presidente Getúlio Vargas – Repar, que acarretou vazamento de petróleo.
2. Um dos objetivos da Política Nacional de Energia é “proteger o meio ambiente” (art. 1º, IV), cabendo à Agência Nacional de Petróleo – ANP, entre outras competências legais, a “fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis”, sobretudo quanto a “fazer cumprir as boas práticas de preservação do meio ambiente” (art. 8º, IX, da Lei 9.478/1997)…
3. Assim, por força de disposição legal, a proteção do meio ambiente encontra-se imbricada no poder de polícia da ANP, sem que tal provoque ingerência indevida nas atribuições específicas dos órgãos ambientais, que mantêm sua natural competência à medida que a exploração e comercialização de petróleo, gás natural e biocombustíveis caracterizam atividade potencialmente poluidora, nos termos do art. 3º, II e III, da Lei 6938/81.
4. No ordenamento jurídico brasileiro, o poder de polícia ambiental é prerrogativa inafastável dos órgãos de proteção do meio ambiente. Isso, porém, não quer dizer que o legislador esteja impedido de, em adição, atribuí-lo também a outras entidades públicas, postura que, antes de significar bis in idem, representa em verdade o reconhecimento de que o dano ambiental e as atividades capazes de causá-lo exigem, pela sua complexidade e múltiplas facetas, a conjugação do expertise de toda a Administração Pública, no sentido de assegurar a máxima efetividade nos esforços de prevenção, reparação e repressão.
5. O Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama é integrado por todos os “órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental” (art. 6º, caput, da Lei 6.938/81), o que abarca, em numerus apertus, não só aqueles listados, expressamente, nos vários incisos, como também os que, por força de lei, recebem poderes de implementação ambiental, como o Ministério Público e as agências governamentais especializadas ou temáticas.
6. A sanção penal ou administrativa ambiental pode se referir tanto à ocorrência do dano em si mesmo (= resultado da conduta degradadora) quanto, alternativa ou cumulativamente, à violação de exigências técnicas para o exercício da atividade ou do procedimento operacional do empreendimento (= iter da conduta degradadora) (…)

13. Perspectivas futuras

O papel das Agências Reguladoras de serviços públicos concedidos no desenvolvimento econômico sustentável tem sido tão bem sucedido que, com base em experiências internacionais de sucesso como nos Estados Unidos (Environmental Protection Agency – EPA), já existem defensores da ideia de se criar uma Agência Reguladora do Meio Ambiente no Brasil sob a justificativa de que, como o meio ambiente é um bem público, com características estratégicas e reflexos na soberania nacional (internacionalização da floresta amazônica, por exemplo), evidente a importância de se regular a utilização desse bem, preservando a biodiversidade e combatendo a biopirataria.

Para os defensores dessa ideia, a Agência Reguladora teria o papel de implementar e fiscalizar as políticas públicas em matéria ambiental e regular o mercado dos Créditos de Carbono, estabelecendo sistemáticas para agilizar os licenciamentos dos projetos de Mecanismos de Desenvolvimento Limpo – MDL, ante as perspectivas de crescimento desse mercado, que atualmente movimenta vários bilhões de dólares ao ano.

14. Conclusão

Feitas tais considerações, fica evidenciada a sinergia existente entre a atuação adequada e eficiente das Agências Reguladoras e o meio ambiente, em benefício não só dos usuários dos serviços públicos, mas da sociedade como um todo, já que a questão ambiental afeta a todos os cidadãos indistintamente.

Por outro lado, é dever das Agências Reguladoras, principalmente com base nos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais em vigor, fomentar o desenvolvimento econômico sustentável dos serviços concedidos, os quais possuem reconhecido aspecto estratégico e de interesse público, sempre visando a melhoria da qualidade de vida da população, a universalização dos serviços, bem como a integridade do meio ambiente, em benefício local, porém, com impacto global.

Notas ______________________________________________________________________________

1 Direitos de primeira geração – são os direitos políticos e civis, que requerem uma atividade negativa por parte do Estado, de maneira a não violar o cunho individual destes direitos.
Direitos de segunda geração – se apresentam em novos modelos de constituições, que se destacam não apenas pela proteção individual dos indivíduos, como também por direitos sociais, culturais e econômicos respeitantes às relações de produção, trabalho, educação, cultura e previdência. Direitos de terceira geração – resultantes do prestígio que as constituições das modernas sociedades, começaram a conceder a novos direitos, como o direito ao desenvolvimento, à paz, à propriedade sobre o patrimônio comum, à comunicação e ao meio ambiente.
Direitos de quarta geração – resultam da globalização política (direito à democracia, direito à informação e direito ao pluralismo).
2 SILVA, José Afonso, Direito Urbanístico Brasileiro, São Paulo, Ed. RT, 1981, pág. 435.
3 DIEGUES, Antonio Carlos Sant’ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada, São Paulo, Ed. Hucitec, 2001, 3a. Edição.
4 FERRON, Roberto Tadeu Miras; ALONSO, Paulo Gimenes. Regulação dos Serviços Públicos com Ênfase para o Saneamento Básico, in http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/950/920, acesso em 19/03/13.
5 Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo, Ed. Saraiva, 2005, pág. 447
6 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 421.
7 Revista Enfoque, Edição 53, outubro/08
8 O Globo Online, publicada em 07/06/2008 às 17h43m.