Federação partidária, os novos desafios da atuação unificada

3 de março de 2023

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A Lei n° 14.280/2021, instituidora das federações partidárias, experimentou, desde o seu nascedouro, os desafios já vivenciados por outros modelos que se propuseram a introduzir mudanças no sistema político brasileiro.

Após passar por intenso debate e ser aprovada nas duas casas legislativas, o projeto de lei foi vetado pelo então Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, sob o argumento de que o modelo das federações partidárias remontaria aos motivos que foram determinantes para a extinção das coligações partidárias pela Emenda Constitucional n° 97/2017, a saber: (i) a redução da fragmentação partidária; e (ii) a dificuldade de identificação do eleitorado com o ideário programático das agremiações.

O veto presidencial veio a ser derrubado em sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, por maioria absoluta de votos, restando então alterados dispositivos da Lei n° 9.096/1995 (Lei dos Partidos Políticos) e da Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), possibilitando que dois ou mais partidos políticos se unam em federação mediante o cumprimento dos requisitos definidos na lei instituidora.

Ultrapassada a discussão inicial no processo legislativo, a Lei nº 14.208/2021 foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7021, proposta pelo Partido Trabalhista Brasileiro, que questionava, tal como constou da motivação do veto presidencial, que a norma pretenderia restabelecer a figura da coligação partidária, o que teria sido vedado pelo art. 17, §1º, da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 97/2017.

A medida liminar na referida ADI foi parcialmente deferida apenas para fins de adequar o prazo para constituição das federações, sem promover qualquer decote substancial no conteúdo do novo regramento. Em sua decisão – que restou referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal – o eminente Ministro Luís Roberto Barroso asseverou, com o costumeiro brilhantismo, que “o que se pretendeu com a norma impugnada não foi aprovar um retorno disfarçado das coligações proporcionais. Buscou-se, ao contrário, assegurar a possibilidade de formação de alianças persistentes entre partidos, com efeitos favoráveis sobre o sistema partidário, já que as federações serão orientadas ideologicamente por estatuto e programa comuns – o que não ocorria com as coligações anteriores”.

Irretocável, a nosso ver, a decisão da Suprema Corte. Com efeito, a maior e mais determinante diferença entre os dois institutos consiste no longo vínculo programático-temporal inerente à federação, que extrapola a esfera puramente eleitoral à qual se resumem as coligações (ainda presentes no sistema de votação majoritário).

Enquanto uma coligação equivale ao consórcio de partidos políticos formado com o propósito de atuação conjunta e exclusiva na disputa eleitoral, a federação se revela muito mais complexa, pressupondo uma unidade programática com vínculo temporal de no mínimo quatro anos e, acima de tudo, com atuação harmônica – enquanto bancada única – no Congresso Nacional.

É dizer: a federação de partidos políticos não pode ser resumida a uma mera aliança instituída para êxito no pleito eleitoral. Muito pelo contrário. Os requisitos para sua composição demandam amplo debate intrapartidário com elaboração de estatuto e metas político-ideológicas que vinculam todas as agremiações integrantes por pelo menos uma legislatura. As consequências em caso de ruptura prematura desse vínculo são severas, incluindo a proibição de recebimento de fundo partidário, pelo partido desligado, pelo prazo remanescente para o fim da respectiva legislatura.

Essa característica especial das federações, que exige alinhamento ideológico a longo prazo, é determinante para garantir a identificação do eleitorado com o ideário programático dos partidos, extirpando do sistema eleitoral os malefícios verificados nas coligações proporcionais, nas quais, não raras vezes, o eleitor depositava seu voto em um candidato/partido de determinado espectro político e, pela distorção do sistema, acabava elegendo um representante de ideários absolutamente opostos ao pretendido.

Também não há como negar que o instituto da federação tem relevante papel na sobrevivência de legendas que, apesar de possuírem menor representatividade nas casas legislativas, representam pautas historicamente relevantes para o País e ideais de parcela significativa da população. Nesse ponto, o advento das federações partidárias exerce importante papel contramajoritário, evitando que os chamados partidos de centro (centro, centro direita e centro esquerda) se apropriem do debate público e asfixiem correntes filosóficas e políticas circunstancialmente minoritárias.

Dito isso, e sem qualquer dúvida sobre o acerto na criação do instituto, é possível afirmar que as provações da federação não ficarão resumidas ao seu processo de criação. Apesar de já estabelecida, a federação terá como desafio maior o exercício da sua principal característica identitária: a atuação unificada a nível nacional no período posterior ao pleito.

O modelo adotado – de atuação conjunta das federações no âmbito da Câmara dos Deputados – deverá, obrigatoriamente, pautar o exercício parlamentar da bancada nas câmaras municipais e assembleias legislativas em todo o País.

E não é só. Conforme preconiza o art. 11-A, § 1º, da Lei nº 9.096/1995, serão aplicadas às federações as mesmas regras que regem o funcionamento parlamentar e a fidelidade partidária aplicadas às legendas, de modo que os parlamentares eleitos por partidos integrantes de federações, no exercício do mandato, devem coordenar esforços para que sejam atingidos os objetivos comuns dos partidos federados.

Se é comum verificarmos que uma única agremiação, diante de votação polêmica na Casa Legislativa, não consegue obter o voto de todos os seus parlamentares conforme orientação da legenda, esse quadro certamente será agravado no âmbito interno das federações, que terão que conviver com bancadas cada vez maiores e, muito possivelmente, terão que adequar seus estatutos para implementar normas estatutárias e programáticas mínimas que sejam comuns a todos os partidos.

Cabe destacar que os estatutos das Federações Brasil da Esperança e PSDB-Cidadania (duas das três já registradas), apesar de não tratarem minuciosamente de como se dará a atuação parlamentar, já fizeram constar em seus estatutos normas que preveem a colaboração de todos os partidos para que sejam atingidos objetivos comuns, postergando a edição de normas disciplinares para futuras alterações estatutárias.

Caberá também à Câmara dos Deputados (e respectivas casas legislativas estaduais e municipais), adequar seu regimento interno para prever o funcionamento parlamentar das federações e a estrutura organizacional que esses órgãos assumirão na Casa (representação em comissões, número de líderes, gabinetes, etc.).

Certo é que, apesar dos desafios vindouros – naturais na implementação de qualquer alteração no regime jurídico político-partidário dessa magnitude − o instituto da federação já está a cumprir um relevante papel na democracia brasileira, se apresentando com extrema relevância na representatividade popular e no fortalecimento do debate democrático.

Nota_______________________

1 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2020.