Helio Fernandes e a justiça histórica

5 de fevereiro de 2001

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Garoto ainda, em minha Juiz de Fora natal, comecei a acompanhar, através de leitura, a saga intelectual de Helio Fernandes. Muitas e muitas vezes estive, e às vezes ainda estou, em posições diferentes e até conflitantes, com suas opiniões políticas, ideológicas e filosóficas. Mas o que nele admiro e busco não é a parceria nem a afinidade, nem liderança, e muito menos cumplicidade.

Meu pai costumava dizer que “quem tem chefe é bandido”. Helio Fernandes sempre foi um iconoclasta. Extasiado, quantas vezes vi suas mudanças, voltas e reviravoltas, com paixão e até raiva, mas nunca com indiferença.

Se um país tem cara, e a Pátria tem faces, uma das expressões do Brasil é a ira maldita de Helio Fernandes. Lança-se com fúria sagrada contra os que acredita prejudicarem o Brasil. Um gladiador na arena, um toureiro enfrentando o touro, de peito aberto.

Preso pela repressão, Helio Fernandes sofre dois atentados que a mim me deixaram revoltado e até humilhado e até envergonhado. O primeiro é a conspiração de silêncio em redor, montada pelas patrulhas de esquerda e de direita, que tentam transformá-lo nas palavras inesquecíveis de Boris Pasternak, num “exilado em sua própria terra”.

O segundo é o das agências de publicidade, que me parece um autêntico caso de polícia. Uma tentativa de estrangular a TRIBUNA DA IMPRENSA através de um verdadeiro e até criminoso boicote.

Se um dos critérios hoje dominantes para a publicidade de anúncios e material informativo é o da “loyalty” do consumidor, não existe um órgão de mídia mais comprometido do que a Tribuna da Imprensa.

Independente de sua tiragem e de seus minguados recursos, inclusive gráficos, o fato óbvio é de que os leitores da Tribuna da Imprensa e de Helio Fernandes são atentos, devotados e consequentes.

Portanto, como se explicar a ausência gritante, escandalosa, de anúncios em suas páginas? E fico pensando como estes auto-proclamados “gênios”, que frequentam as colunas sociais com suas verbas de milhões, podem dormir em paz suas consciências, sabendo que marginalizam um jornal do peso opinativo da Tribuna da Imprensa?

E a solidariedade dos outros órgãos e o senso ético, aonde se escondem, diante desta cruel perseguição?

Finalmente, alguns meses atrás sugeri neste mesmo espaço, à Academia Brasileira de Letras, a eleição de Helio Fernandes que teria não só o caráter de reconhecimento de seu inconfundível valor enquanto jornalista e escritor, mas também o de reparação, em função desta vida integralmente devotada ao Brasil, ao povo e, principalmente aos humildes, pobres, perseguidos, desvalidos. E isto, sem qualquer concessão ou demagogia.

O jornalismo panfletário de Helio Fernandes é fora-de-moda. Completa, absoluta e absurdamente fora-de-moda. Como é fora-de-moda o código moral, o código da polidez, o código da franqueza. Todos substituídos por uma cultura de aparência, frases repetitivas, paradigmas estúpidos, um jogo de cena de “clones” enfatuados e narcísicos que fingem plenitude, no lugar da dignidade.

Conta a lenda que o maior escritor moderno, Jorge Luiz Borges guardava como de estimação uma pedra que a malta peronista jogou contra seu apartamento, e mostrava aos visitantes: prêmio que os peronistas reservam aos escritores.

Aliás, Borges contou-me a história quando veio a São Paulo receber um prêmio literário (minha mãe, a poeta Fanny dedicou-lhe seu livro “Meu caminho sem fim”). Os nossos escribas morreram de inveja quando relatei algo sobre isso, numa crônica no “Estadão”.

Presumo que Helio Fernandes poderia montar uma pedreira em seu gabinete. Mas, peço que acima dela, ou encima dela, coloque uma flor de gratidão. Obrigado Helio Fernandes, em nome da história que, finalmente, será escrita, não pelos vencedores, mas pela altaneira.

“Last, but not least”, um chamado  às Universidades. Quem dará o primeiro “honoris-causa” a Helio Fernandes e quero participar da banca de defesa de tese de doutoramento em jornalismo sobre  —“A fala e o silêncio na mídia brasileira. Helio Fernandes, o escândalo”.

Que deveria ser defendida por um erudito e humanista. Está lançado o desafio.