Imprensa livre e democracia

8 de junho de 2020

Compartilhe:

OAB e Abraji firmam convênio e lançam cartilha para segurança de jornalistas

A OAB Nacional e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) firmaram convênio para a promoção da segurança de jornalistas e o fortalecimento da liberdade de imprensa, no momento em que se registra no País uma escalada de agressões aos profissionais em seu livre exercício de informar a sociedade. Um dos resultados da parceria foi a edição de cartilha para orientar os jornalistas ameaçados ou agredidos sobre como agir, registrar queixas, denunciar violências e identificar autores de ofensas no ambiente virtual.

O lançamento da “Cartilha sobre medidas legais para a proteção de jornalistas contra ameaças e assédio online” ocorreu durante evento que debateu a importância da imprensa livre como um dos sustentáculos da democracia, realizado em parceira com a Faculdade de Direito da USP, OAB, Abraji e ESPM, no dia 27/5. Disponível no portal da OAB Nacional, a cartilha detalha as características do abuso virtual e faz considerações sobre as medidas legais que podem ser tomadas. A cartilha traz ainda os termos do convênio de orientação jurídica da OAB para o primeiro momento de ameaça ao jornalista.

“A defesa da democracia exige vigilância e coragem, exige instituições fortes. Omissão, tibieza e fraqueza são fatores que levam a processos históricos como foi o da ascensão do nazismo”, afirmou o presidente da OAB, Felipe Santa Cruz. “Quando a liberdade não é observadora da força da democracia institucional, leva à desordem, ao caos e à vitória dos autoritários. É hora dos terroristas virtuais que assolam jornalistas conhecerem a face dura do Poder Judiciário. Eles não vencerão, pois a liberdade vencerá”, completou Santa Cruz.

A cartilha é um primeiro passo na parceria entre advogados e jornalistas em defesa de um espaço seguro para a liberdade de expressão, segundo explicou o coordenador do Observatório de Liberdade de Imprensa da OAB Nacional, Pierpaolo Bottini. Insultos, difamações, organização de milícias digitais para agressões variadas, ameaças e violência fazem parte do cotidiano de jornalistas.

“A cartilha que advém do convênio é um passo a passo para os jornalistas agredidos. Não somente para os profissionais nos grandes centros, mas sobretudo nas pequenas comunidades e no interior do País, onde a intimidação é, muitas vezes, maior”, afirmou Bottini.

Levantamento da rede Voces del Sur, a partir de dados da Abraji, aponta que houve no Brasil 59 ocorrências de discurso estigmatizante contra jornalistas em 2019 e outras 39 em 2020, categoria na qual se incluem apenas ataques derivados de agentes públicos. No caso de assédio virtual, foram computados 30 incidentes em 2019 e 20 neste ano. Em relação à pandemia de covid-19, 24 violações à liberdade de imprensa foram detectadas entre 1/3 e 21/4, sendo 13 agressões e ataques a repórteres, nove casos de discurso estigmatizante e dois assédios virtuais.

“Os recentes ataques evidenciam a degradação da civilidade e do espírito democrático no País. A imprensa é sempre um dos alvos dos movimentos autoritários, porque é impossível existir uma democracia sem uma imprensa livre, e ela nunca esteve tão ameaçada no Brasil desde a redemocratização”, afirmou o presidente da Abraji, Marcelo Träsel.

“Se engana quem acha que a liberdade de imprensa é um privilégio do jornalista, pois na outra ponta há o cidadão com sua necessidade e seu desejo por boa informação”, pontuou o diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Floriano de Azevedo Marques Neto.

O seminário “Liberdade de Imprensa, Justiça e segurança dos jornalistas” contou com os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e a repórter especial da Folha de S. Paulo Patrícia Campos Mello.

“A democracia pressupõe a livre circulação de dados, opiniões e ideias. Ela também é pressuposto para outras liberdades, como o exercício dos direitos políticos”, afirmou o Ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral. “Quem exagerar, ferir a Constituição, praticar discurso de ódio, praticar crimes ao exercer sua liberdade deve ser responsabilizado. Isso não ocorre só no Brasil, mas em todas as democracias do mundo”, disse o Ministro Alexandre de Moraes.

Defesa da democracia e dos direitos dos cidadãos – Essa ação da OAB direcionada ao fortalecimento da liberdade de imprensa é mais uma das frentes de atuação da Ordem em defesa da democracia, da transparência e dos direitos dos cidadãos. Recentemente, a OAB reagiu à iniciativa do Executivo que, por meio de medida provisória (MP nº 928/2020), buscou restringir a Lei de Acesso à Informação.

A OAB ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6.351) questionando trecho da MP que suspendia os prazos para resposta aos pedidos de informação durante a vigência do estado de calamidade pública em virtude da pandemia do coronavírus (covid-19).

Ao ajuizar a ADI, a OAB considerou o direito à informação como pressuposto para o exercício da cidadania e para o controle social das atividades do Estado, que deve ser reforçado em contexto de calamidade pública. Qualquer restrição de acesso às informações públicas deve ser excepcional e cercada de todas as cautelas, como forma de impedir abusos e arroubos autoritários.

Em vez de restringir o acesso à informação, para a OAB, o momento de combate à pandemia exige maior publicidade por parte da administração pública. Cidadãos e profissionais bem informados estarão mais bem preparados para enfrentar a crise.

Os ministros do STF suspenderam o trecho da MP, reafirmando a necessidade de garantir ao cidadão o pleno acesso às informações que são solicitadas, sob pena de responsabilização política, civil e criminal, exceto nas hipóteses constitucionais de sigilo.

“Em tempos de crise, a informação e a transparência possuem ainda mais valor. Liberdade e transparência conquistam-se a duras penas e a OAB continuará vigilante para que não haja retrocessos na Lei de Acesso à Informação ou em qualquer conquista democrática”, comentou Felipe Santa Cruz.

Em outra iniciativa na defesa da proteção dos direitos fundamentais do cidadão, a OAB, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 6387), questionou medida provisória (MP nº 954/2020) que obrigava as operadoras de telefonia a compartilhar os cadastros de seus clientes com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na MP, o Executivo afirmava que o compartilhamento de dados era necessário para manter as pesquisas do instituto, após a interrupção de visitas nos domicílios em razão da pandemia.  A decisão do STF também foi favorável à causa defendida pela OAB, suspendendo a eficácia da MP.

A OAB argumentou que a MP violava o sigilo de dados pessoais dos brasileiros e invadia a privacidade e a intimidade de todos, sem a devida proteção quanto à segurança de seu manuseio e sem garantir a manutenção do sigilo. Para a OAB, é necessário o equilíbrio entre a proteção dos dados dos cidadãos e a necessidade de pesquisas.

Na sustentação oral, o Presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho, ressaltou: “Essa causa não diz respeito a dados e pesquisa, diz respeito à democracia brasileira e à proteção das instituições. Se esses dados chegarem às redes de ódio, as instituições serão ainda mais agredidas. É o que temos visto”.

Combate ao exercício ilegal do Direito – Com o foco na proteção do consumidor e em assegurar as prerrogativas dos advogados, a Coordenação Nacional de Fiscalização da Atividade Profissional da Advocacia da OAB tem avançado nas investigações sobre a atuação de empresas de tecnologia, as startups, que oferecem serviços jurídicos por meio de redes sociais e usam mecanismos de inteligência artificial para captar clientes indevidamente.

A coordenação já enviou cerca de 100 notificações para startups envolvidas com esse tipo de atividade em diversos setores da economia. As respostas encaminhadas pelas empresas estão sendo analisadas pelo coordenador de Fiscalização, Ary Raghiant Neto, Secretário-Geral adjunto da OAB Nacional.

“Um dos eixos da atual gestão do Conselho Federal da OAB é justamente valorizar o advogado e uma das maneiras de fazê-lo é justamente impedir que pessoas e empresas que não possuem inscrição nos quadros da Ordem, ofereçam ou prestem serviços jurídicos, afinal, essa atividade é privativa de advogado. Acabou o tempo em que essas práticas eram toleradas, a OAB está determinada a lutar pela valorização do profissional e pelo espaço no mercado de trabalho que é exclusivo do advogado, nos termos da lei”, afirmou Raghiant Neto.

Após concluir as investigações, o coordenador adotará medidas para bloquear a operação das empresas, seja por captação de clientes e publicidade irregular, venda de serviços jurídicos por não-advogados e violação ao código de defesa do consumidor por meio da negociação de direitos de clientes lesados em processos.