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Indústrias do ensino

5 de julho de 2004

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Vou falar da minha instituição e faço uma pergunta: houve um redesenho do Ministério Público no Brasil a partir de 1988? Sem dúvida, sim. Redesenhar formalmente as coisas é muito simples. Agora, substancialmente, estão os brasileiros a entender que houve modificação no Ministério Público ou não?

Quero crer que a maioria dos brasileiros ainda não entende que o Ministério Público está num processo muito claro de mudança na sua essência. Por quê? Porque ele, durante muito tempo, foi visto, junto com a Polícia, como o braço da repressão, do Estado repressor.

O que quis o constituinte realmente? Estou diante de muitos deles aqui e posso estar interpretando erradamente, mas penso que o que quis o constituinte, numa experiência de democracia brasileira que considero profundamente válida, é que houvesse uma instituição vocacionada para a sociedade brasileira, como sua voz diante do Poder Judiciário. Eu digo sempre que o Ministério Público é a voz da sociedade dentro do poder Judiciário para que, numa vivência profundamente democrática, se resgatem ou se afirmem valores maiores desse convívio, quando eclodem os conflitos e as controvérsias.

Portanto, o Ministério Público não é Estado, não tem nada a ver com o Estado como administração pública. O Ministério Público é, sim, sociedade. E esse tem sido o meu papel, e há de continuar a ser: tentar demonstrar, a meus irmãos brasileiros e brasileiras, que essa instituição é vital para a construção diuturna da democracia, na medida em que é essa voz que se faz ouvir diuturnamente. Pode estar equivocada – somos seres humanos e falhamos. E aí o Poder Judiciário terá sempre a palavra final. Não podemos é ficar calados. Isso é que é impossível.

Excessos existem? Existem. Excessos existem desde que o homem é homem e a mulher é mulher. Contudo, é injusto que se julgue uma instituição pela exorbitância de um ou outro ou de alguns de seus membros. Assim como não se pode julgar o todo pela parte. Uma tarefa hercúlea que estou desempenhando é mostrar que é preciso o equilíbrio. Essa voz – o Ministério Público – tem que ser serena e fundamentada.

Evidentemente, isso não se compatibiliza com juízos midiáticos e precipitados num momento necessariamente de reflexão sobre o que se está a construir, que é o que todos chamamos de investigação. O Ministério Público Federal passa a contar, em agosto, com todo um instrumental claro e objetivo, à disposição de todos, para regulamentar essa matéria, por meio de seu Conselho Superior.

O Brasil de hoje é muito bonito. Nós estamos construindo neste momento este País. Temos que ter a sabedoria de irmos nos despindo das visões corporativas que nos engessam e nos agridem entre nós para esse desafio da participação na divergência. Acho que este é um momento de convocação.

Para encerrar, gostaria de dizer que temos que refletir sobre a formação do profissional de Direito. A OAB tem inteira razão ao dizer que as faculdades se transformaram em indústrias do ensino. A academia é vital para que ali as pessoas sejam claras, objetivas e sintéticas. Esse é um ponto do gargalo no Direito: digressões e digressões e digressões. Temos que ter a sabedoria de sermos claros e objetivos nas nossas pretensões e decisões. Caso contrário, vamos patinar e não vamos sair do terrível blablablá.