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IV Seminário de Direito das Empresas em Dificuldade

6 de novembro de 2018

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Evento discutiu os temas mais atuais do direito empresarial, incluindo as propostas de reforma do Código Comercial e da Lei de Recuperação

Com um convite para a busca pela “inovação disruptiva”, o professor da FGV Direito Márcio Guimarães abriu o IV Seminário de Direito das Empresas em Dificuldade, em 28/7, na OAB-RJ. “Vamos passar o dia a inovar, buscar soluções para o que ainda não existe. Se a Netflix pedir recuperação judicial, qual será o juízo responsável? Ninguém hoje teria condições de responder”, instigou Guimarães, que dividiu a coordenação científica do evento com a advogada Juliana Bumachar, presidente da Comissão Especial de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência da OAB-RJ.

Em sua palestra, Guimarães falou sobre a defasagem das regras em uma realidade cada vez mais “disruptiva”, descompasso entre legislação e mundo real que cobra um alto preço sobre a eficiência da recuperação de empresas. De cada dólar investido em recuperação judicial no Brasil, segundo o jurista, apenas 12 cents são efetivamente recuperados. “A Anvisa não liberaria esse remédio, porque ele mata 88% dos seus pacientes”, disse, para acrescentar: “É um erro achar que estamos caminhando bem. Precisamos não necessariamente de um projeto de lei, não necessariamente de mudanças drásticas, mas pensar numa nova realidade, que demanda a identificação das novas formas de empreender”.

Associações e o agronegócio – A professora de direito comercial da UnB Ana Frazão abordou a transformação das associações sem fins lucrativos em sociedades empresárias. A principal dificuldade, segundo ela diz respeito à destinação patrimonial prevista no art. 61 do Código Civil. Desde que não cause prejuízos a terceiros ou ao fisco, não haverá óbice para a transformação. Na sequência, o professor da Faculdade Mackenzie Manoel Bezerra Filho defendeu uma posição liberal para a recuperação judicial dos produtores rurais, tanto com a dispensa do registro obrigatório na junta comercial (art. 971, Código Civil), quanto com o afastamento da exigência de dois anos de atividade feita no art. 48 da Lei de Recuperação (Lei no 11.101/05). “Está pacificado o entendimento de que o produtor rural pode se registrar hoje e requerer a recuperação judicial amanhã”, defendeu.

No painel sobre reestruturação de empresas imobiliárias, Juliana Bumachar abordou o litisconsórcio. Segundo ela, os problemas começam quando o devedor tenta “separar a empresa boa da empresa ruim” para evitar a consolidação substancial dos ativos num mesmo grupo econômico. Além da falta de transparência, ela aponta que as empresas de um grupo que não estão em dificuldade podem ter se valido no passado de operações com aquelas que hoje enfrentam problemas. “A saída pode ser a criação do litisconsórcio ativo necessário”, propôs.

O professor de Direito da UFPE Ivanildo Figueiredo demonstrou que não existe norma que impeça o empreendimento sob patrimônio de afetação de renegociar dívidas com credores, quando atingido por grave crise financeira, desde que mantida a intangibilidade dos ativos destinados à conclusão da obra. No mesmo painel, o juiz da 2a Vara de Falência e Recuperações Judiciais de São Paulo, Marcelo Sacramone, aprofundou a discussão sobre recuperação de sociedades de propósito específico. Lembrou que o art. 43 da Lei da Incorporação (Lei no 4.591/64) permite que, no caso de falência da incorporadora, a maioria dos adquirentes possa decidir pelo prosseguimento da obra. A sociedade formada pelos adquirentes, contudo, não será considerada sucessora da incorporadora. Os demais credores terão que buscar pagamento em face apenas do patrimônio principal da empresa.

Sócios versus credores – No painel sobre os limites entre direito societário e recuperacional, o professor de direito comercial da UERJ Maurício Menezes falou sobre a prerrogativa dos controladores para iniciar a recuperação. Para reduzir potenciais conflitos entre acionistas e credores, ele incentivou a adoção de planos preliminares (pre-pack plans), que reduzem os custos e a publicidade negativa, além de simplificar o processo. Já o professor da Universidade Saint-Gallen (Suíça) Peter Sester falou sobre a negociação dos planos de recuperação delegadas pelas assembleias das sociedades anônimas. Recomendou a opção por autorizações “cheias” para que os administradores tenham plenos poderes para decidir, evitando atrasos e aumento dos custos da recuperação.

A professora de direito comercial da USP Sheila Cerezetti lembrou que na recuperação judicial, salvo poucas restrições, o devedor continua à frente dos negócios e os acionistas, à exceção do controlador, ficam à margem do processo. “Isso faz diferença quando falamos da interação entre direito societário e recuperação. Quando os acionistas não participam, o local de tutela de seus interesses é outro”. Nesse panorama, proliferam casos em que direitos societários são infringidos sob o argumento de que é preciso preservar a empresa.

O “mostrengo” e outras reformas – O painel seguinte discutiu a pertinência das propostas para reformar o direito recuperacional. O advogado Ivo Waisberg classificou como “mostrengo” o PL no 6.279/2013 que propõe a reforma do Código Comercial. Para ele, o melhor caminho seria uma reforma sem rupturas legislativas ou jurisprudenciais, alterando apenas questões em que há consenso mínimo como: facilitar habilitação de crédito e possibilitar a liquidação rápida de ativos. O professor da UERJ Sérgio Campinho concordou que as mudanças devem ser pontuais. Entre os acertos da Lei de Recuperação, destacou o privilégio conferido ao aspecto negocial. Dentre os desacertos, pontuou o caráter restritivo que deixa de fora as associações e sociedades simples.

No último painel, na condição de entrevistador, o ministro do STJ Luís Felipe Salomão fez perguntas a especialistas. O presidente do TJSP, desembargador Manoel Pereira Calças, os juízes Paulo Assed (4a Vara Empresarial RJ) e Daniel Carnio (1a Vara de Falências e Recuperações SP) e o promotor Juan Vasquez (MPRJ) debateram temas como consolidação substancial e formação de litisconsórcio, recuperação judicial de produtores rurais e soluções extrajudiciais na recuperação de empresas.

Coube ao ministro Paulo de Tarso Sanseverino a palestra de encerramento, na qual tratou da consolidação jurisprudencial do STJ sobre a temática. Ao final, manifestou posição contrária à modificação da Lei de Recuperação: “O STJ tem cumprido seu papel ao dar efetividade à Lei. Exatamente por isso, sou inteiramente contrário às modificações propostas no PL em tramitação. Entendo que é absolutamente desnecessário, porque todas essas questões podem ser resolvidas na via jurisprudencial, com eventuais alterações apenas pontuais”.