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Judiciário mais próximo da igualdade

7 de março de 2020

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Entrevista com a Ministra Maria Cristina Peduzzi, primeira mulher a presidir o TST

Desde sua criação em 1946, há 72 anos, pela primeira vez o Tribunal Superior do Trabalho (TST) é presidido por uma mulher, a Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, que tomou posse em 19 de fevereiro e vai presidir a Corte nos próximos dois anos. Ela substitui na função o Ministro João Batista Brito Pereira. Na mesma cerimônia, realizada na sede do Tribunal, em Brasília (DF), tomaram posse como Vice-Presidente o Ministro Vieira de Mello Filho e como Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho o Ministro Aloysio Corrêa da Veiga.

Perfil – Maria Cristina Peduzzi concluiu em 1975, na Universidade de Brasília (UnB), o curso de Direito que havia iniciado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na mesma UnB formou-se como Mestre em “Direito, Estado e Constituição”. Foi Procuradora da República, Procuradora do Trabalho e professora de graduação e pós-graduação em várias universidades.

Atuou como advogada, inclusive perante os tribunais superiores, desde a graduação até sua posse como Ministra do TST, em 2001. Desde então foi diretora da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (ENAMAT), integrou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi Vice-Presidente do TST, integrou o Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e presidiu a Academia Brasileira de Direito do Trabalho. É ainda autora de obras consagradas sobre Direito do Trabalho e integrante do Conselho Editorial da Revista Justiça & Cidadania.

Nesta entrevista exclusiva, concedida logo após a posse como Presidente do TST, ela falou sobre as metas da gestão, sobre os desafios para adaptar o Judiciário à realidade da Quarta Revolução Industrial, e também sobre a ascensão das mulheres nas carreiras jurídicas.

Revista Justiça & Cidadania – Quais são as metas de trabalho como presidente do TST até 2022? Quais delas serão priorizadas?

Ministra Maria Cristina Peduzzi – Meu compromisso prioritário é com a valorização da Justiça do Trabalho, no desempenho das suas funções institucionais de prevenir e pacificar os conflitos sociais. Efetiva-se esse objetivo por meio da resolução judicial e da implementação de meios alternativos de solução dos litígios, como a conciliação e a mediação nos dissídios coletivos.

Nessa linha, buscarei priorizar o exercício da atividade fim pelo Poder Judiciário e trabalhar para que a prestação jurisdicional seja sempre célere e efetiva. Trata-se de missão que já vem sendo cumprida com maestria. No último relatório Justiça em Números, o CNJ atestou a eficiência da Justiça do Trabalho como o ramo mais célere no julgamento dos processos, assim como o que mais conciliou litígios. É preciso dar continuidade a essa performance exemplar, cumprindo metas e oferecendo aos magistrados e servidores instrumentos que facilitem o seu trabalho, com investimento permanente em tecnologia, aperfeiçoamento do processo judicial eletrônico e dos mecanismos de gestão processual.

O segundo pilar é a segurança jurídica. Longe de querer interferir na autonomia individual que cada juiz tem na solução do conflito concreto, fato é que o Poder Judiciário é uno e é preciso haver mínima previsibilidade e unidade nas decisões. Daí a necessidade de conferir celeridade à pacificação dos temas jurídicos controversos. O mecanismo dos precedentes vinculantes assegura celeridade ao processo e efetividade à decisão. Os novos instrumentos processuais – Incidentes de Recursos Repetitivos e de Assunção de Competência – possibilitam ao Tribunal Superior do Trabalho cumprir sua função uniformizadora, pacificando questões controvertidas e, com isso, prevenindo litígios.

Concluo dizendo que um Poder Judiciário comprometido com sua função judicante e com a segurança jurídica, ágil e eficiente na aplicação da lei, propicia o desenvolvimento econômico e social. Parece simples, mas é um desafio de grande monta, para o qual contarei com a contribuição de cada magistrado, de cada servidor, de cada prestador de serviço da Justiça do Trabalho.

É inevitável abordar o fato de que, pela primeira vez, o TST será presidido por uma mulher. Isso já ocorreu no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que despertou igual questionamento sobre o espaço das mulheres nas cortes superiores. Qual é sua opinião a respeito?

A inserção da mulher no mercado de trabalho tem o valor de enriquecer o sistema produtivo de um país, nas mais diversas carreiras e profissões, garantindo diversidade na geração de riquezas e nos modos de organização do trabalho. Outro aspecto importante é a possibilidade de oferecer às mulheres realização pessoal através do exercício das mais diversas profissões, de modo a garantir sua expressão por meio de tarefas e atividades conforme sua vocação e talento.

A importância da inserção da mulher na economia foi inclusive reconhecida em nível internacional como necessária para se obter um desenvolvimento sustentável. Considerando a importância de garantir o desenvolvimento sustentável, representantes de 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) elaboraram a “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” em setembro de 2015.

Segundo a Plataforma Agenda 2030, o documento “Transformando o Nosso Mundo: A Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável” adotou 17  objetivos, sendo que o quinto deles é justamente “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.

O Objetivo nº 5 (Igualdade de Gênero) apresenta nove metas, dentre elas destacam-se a meta 5.1, que objetiva “acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte”; a meta 5.4, que estabelece a necessidade de se “reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os contextos nacionais”; a meta 5.5, que propõe “garantir  a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública”; e a meta 5.c, que dispõe sobre “adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas, em todos os níveis”.

É uma exigência global e, no Brasil, constitucional, que todos os países precisam tomar medidas para garantir a igualdade de gênero em todos os setores da sociedade, o que inclui a plena e efetiva participação das mulheres no mercado de trabalho remunerado. O acesso das mulheres às cortes superiores e aos seus comandos é uma decorrência natural e cronológica do ingresso na carreira, que se processa por meio de concurso público.

A desigualdade de gênero se reflete nas carreiras jurídicas? De que modo a sociedade pode promover a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres? Qual deve ser o papel do Poder Judiciário?

O Século XXI convive com grandes avanços tanto em nível constitucional, quanto legal para a proteção da mulher e a garantia de seu espaço no mercado de trabalho. A igualdade formal é plena. Entretanto, ainda há muito a ser conquistado para implementar a igualdade de gênero.

Em uma análise mais local do problema, com foco específico no Poder Judiciário brasileiro, de acordo com o último Censo do Poder Judiciário elaborado pelo CNJ, com dados de 2013 e publicado em 2014, os homens ainda são maioria na carreira da magistratura, no percentual de 64,1% de juízes contra 35,9% de juízas. O ramo do Poder Judiciário que caminha mais próximo de uma igualdade paritária de gênero em sua composição é a Justiça do Trabalho, que conta com 53% de magistrados do sexo masculino e 47% de magistradas.

Dentre os diversos níveis hierárquicos na magistratura, o índice de mulheres decresce à medida que há um avanço na carreira. A situação já é um pouco diferente quando se trata do recorte de gênero na composição dos servidores do Poder Judiciário. Segundo o mesmo Censo, ingressam em média mais mulheres no serviço público do que homens. No biênio 2012/2013, enquanto as mulheres representavam 50,4% dos servidores efetivos, os homens constituíam 49,6%. Em anos anteriores, essa diferença foi ainda maior.

Se for feita uma análise dos ramos do Poder Judiciário, as mulheres são maioria na Justiça Estadual, Justiça Eleitoral, Justiça do Trabalho, Justiça Militar Estadual e Justiça Federal. Apenas nos tribunais e conselhos superiores perdem por 0,8% a 3,3% para os homens.

É possível concluir que, entre os servidores do Judiciário, as mulheres já têm ganhado bastante expressão e espaço em termos quantitativos. Na magistratura, também tem crescido o percentual feminino. Um dos fatores que proporciona essa equalização é o acesso às carreiras públicas por meio de aprovação em concurso público de provas e títulos.

Em maio do ano passado decisão do STF proibiu o trabalho de grávidas e lactantes em locais insalubres, contrariando norma aprovada na reforma trabalhista. A senhora acredita que essa decisão poderá impactar negativamente as mulheres no mercado de trabalho?

Em 29/05/2019, o Plenário do STF referendou a decisão do Ministro Alexandre de Moraes, vencido o Ministro Marco Aurélio Mello, no sentido de que empregadas grávidas ou lactantes não podem trabalhar em condição insalubre, devendo ser realocadas em outra atividade ou afastadas do trabalho mediante licença médica, independentemente de apresentarem prévio atestado médico. Acredito que não haverá repercussão negativa para o mercado de trabalho da mulher, uma vez que a declaração de inconstitucionalidade pelo STF retoma o que já era regra nas relações de trabalho antes da reforma trabalhista de 2017. De toda a reforma trabalhista, este foi o único dispositivo declarado inconstitucional.

As taxas de desemprego pouco variaram desde a aprovação da reforma trabalhista, que tinha dentre os objetivos declarados a geração de postos de trabalho. O que houve de errado?

O Direito tem capacidade de moldar comportamentos com reflexos em outras áreas, podendo afetar a economia, mas é necessário tempo para que essas mudanças aconteçam. A reforma trabalhista promovida pela Lei nº 13.467/2017 pode ser compreendida em contexto de reação política ao ativismo judicial, em especial no que diz respeito à definição da validade de normas coletivas, como está no parecer do relator do Projeto de Lei na Comissão de Assuntos Sociais no Senado e se extrai da nova redação dada ao art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), caput, § 1º e §§ 2º e 3º, incluídos. Por isso tenho insistido na necessidade de o juiz aplicar a lei promovendo segurança jurídica.

A senhora disse em entrevista que “a CLT ainda precisa de muita atualização”. Quais seriam as mudanças mais urgentes?

A reforma foi tímida no sentido de não regulamentar aspectos das relações de trabalho já modificados na égide da Quarta Revolução Industrial, como o trabalho via plataformas virtuais. Teremos um papel fundamental para discutir adequadamente as novas questões trazidas por esse cenário. Deveremos decidir as controvérsias jurídicas apresentadas por tal conjuntura, construindo com as demais instituições o sentido contemporâneo do trabalho digno.

Como a Quarta Revolução Industrial impacta o mercado de trabalho brasileiro? Há impactos também para a Justiça do Trabalho?

Nos últimos 20 anos o Direito do Trabalho sofreu transformações, o que tem gerado mudanças legislativas tanto no campo material, quanto na esfera processual. As alterações mais significativas foram a reforma trabalhista em 2017 e a mini reforma em 2019. A reforma trabalhista produzida com as Leis de número 13.429/2017 e 13.467/2017 buscou atualizar a CLT e leis que regulamentam a relação de trabalho no País para atender às demandas que surgiram no mundo do trabalho, disciplinando, por exemplo, o tele trabalho, o trabalho intermitente, autônomo e em tempo parcial. Mas, como já referi, o novo modelo econômico, denominado on demand economy, carece de regulamentação na área da relação de trabalho.

O fenômeno da economia sob demanda define-se pela oferta via Internet de serviços pelos mais diversos trabalhadores sem vínculo de emprego ou contrato de trabalho formal. Coloca-se o consumidor em contato direto com o prestador do serviço, como particulares em igualdade de condições para negociar e contratar através de uma plataforma virtual. Essas novas relações de trabalho produzidas na esfera da chamada Quarta Revolução Industrial têm também impacto no Judiciário Trabalhista, que decidirá conflitos jurídicos apresentadas por tal conjuntura.

Qual é sua opinião sobre a Medida Provisória 905, que estabelece a Carteira de Trabalho Verde e Amarela?

A exposição de motivos da MP 905 esclareceu que, entre seus objetivos, estão a criação de oportunidades de trabalho e a melhoria na inserção no mercado de trabalho. Não cabe a mim nem ao Poder Judiciário emitir qualquer opinião sobre a MP 905, pois ela será apreciada no Congresso Nacional.

Quais desafios acredita que encontrará ao longo de sua gestão? O corte no orçamento do Judiciário esse ano será um deles?

Os principais desafios da Justiça do Trabalho nos próximos anos serão oferecer respostas juridicamente adequadas às transformações nos modos de produção e prestação de serviços e efetivar a prestação jurisdicional com unidade e celeridade, de forma a garantir segurança jurídica a empregados e empregadores. Não cabe ao magistrado agir como legislador, essa missão é do Poder Legislativo. Também não é função do juiz interferir no poder discricionário que o administrador tem para decidir sobre a alocação de recursos. A função do magistrado, acima de tudo, é observar e aplicar as leis.

Notas______________________________________

1 http://www.agenda2030.org.br/sobre/

2 http://www.agenda2030.com.br/ods/5/

3 http://www.agenda2030.com.br/ods/5/