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Juiz de garantias: implementação e desafios

2 de janeiro de 2024

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Apontado como uma das principais alterações no sistema de Justiça do país, o instituto do juiz das garantias tem mobilizado tribunais e o Ministério Público, mas deixado o Conselho Nacional de Justiça em compasso de espera.

No país de um Judiciário com dimensões continentais, com 92 tribunais, cerca de 20 mil magistrados, 438 mil colaboradores e mais de 80 milhões de processos pendentes, a implementação é vista como o principal desafio da gestão do ministro Luís Roberto Barroso, que vai até 2025.

No mês de agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou que a criação da figura do juiz das garantias é constitucional. Os ministros deram um prazo de 12 meses, com a possibilidade de uma única prorrogação por igual período, para a implementação do novo modelo. Esse prazo passou a contar a partir da publicação pelo Supremo da ata do julgamento no dia 31 de agosto. 

O juiz das garantias vai atuar na fase de investigação e outro magistrado vai ficar responsável pelo processo a partir da análise da denúncia, que é a acusação pelo Ministério Público.

O acórdão do julgamento deve ser publicado em breve pelo STF. Depois do acórdão, abre-se prazo de cinco dias para apresentação de recursos, os chamados embargos de declaração, para esclarecimento de dúvidas. Esses recursos, em tese, não modificam a decisão, mas podem dar diretrizes de como se dará a implantação do juiz de garantias. Somente depois que o julgamento do tema for completamente encerrado é que as medidas práticas serão adotadas pelo CNJ.

O tema mobilizou presidentes de tribunais de Justiça durante um encontro realizado em novembro no Amazonas. A medida ainda é vista como um grande desafio e, por isso, desembargadores defendem que a tendência é de que seja utilizado o prazo total de dois anos para a implementação, sendo que no primeiro seria estruturado a figura do juiz das garantias e o segundo ano seria dedicado a execução na prática do novo modelo para ver o que é preciso ou não ajustar

Um estudo do Tribunal de Justiça do Amazonas aponta, por exemplo, que um dos grandes impactos será a necessidade de ter mais magistrados, o que tem potencial para gerar despesas e pode afetar o orçamento dos tribunais, além da discussão sobre a possibilidade ou não de regionalização ou centralização do juiz de garantias. Uma grande preocupação é com as particularidades de cada estado e de cada tribunal, tendo que garantir o mesmo modelo de prestação jurisdicional, diante de um país com dimensão continental e tribunais tão diferentes.

Outro ponto levantado é a necessidade de debater a realização de audiências de custódia por videoconferência para viabilizar a implementação obrigatória. Uma das medidas que deve ser analisada pelo Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre) é uma normatização coletiva pelos tribunais. O Consepre avalia se vai se antecipar ao CNJ e propor medidas para a implementação do juiz das garantias.

Pela decisão do Supremo, cabe ao CNJ fixar as diretrizes para alteração de leis e regulamentos dos tribunais para permitir a adoção do juiz das garantias.  Em 2020, logo após a aprovação da figura do juiz das garantias, um estudo do CNJ apontou que a efetivação do juiz das garantias era viável e que, não necessariamente, iria implicar em aumento de despesas. Na época, a opção do CNJ foi traçar modelos organizacionais e deixar que cada tribunal optasse por um sistema mais adequado a sua realidade, podendo ou não ter rodízio ou a regionalização.

Agora, sob a presidência do ministro Barroso, há expectativa entre conselheiros de que um novo grupo seja criado para desenhar as diretrizes para a efetivação do novo modelo.

MP já começa a informar sobre investigações internas – Em outra frente, o julgamento do juiz das garantias já produziu efeito prático para o Ministério Público. A Procuradoria-Geral da República determinou que todos os membros do Ministério Público Federal já cumpram a ordem para que todos os procedimentos de investigação criminal sejam comunicados ao juiz independentemente de o juiz das garantias ter sido implementado.

O Supremo fixou o prazo de até 90 dias para o MP, sob pena de nulidade, informar todos os procedimentos de investigação (PICs) e outros procedimentos semelhantes, mesmo que tenham outra denominação, ao respectivo juiz natural, independentemente de o juiz das garantias já ter sido implementado na respectiva jurisdição. Na avaliação do STF, a medida vai permitir maior controle e evita as chamadas ‘investigações de gaveta’.