Justiça ou descrédito?

31 de julho de 2013

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OrpheuO Judiciário atravessa hoje, no bojo da instituição republicana que vivencia, uma delicada situação decorrente dos reflexos e injunções demandadas pelas sentenças proferidas no julgamento do “Mensalão”.

A expectativa do julgamento dos embargos infringentes pelo Plenário do Supremo, aceitando ou não a rejeição, como proferida pelo presidente da Corte, Ministro Joaquim Barbosa, gera a expectativa de uma crise de grandes proporções, cujas consequências, se acolhido o pedido, redundará na perda do colossal conceito e grandioso prestígio alcançado pelo Judiciário perante a Nação.

No dia 13 de maio passado, o ministro Joaquim Barbosa rejeitou o embargo considerado infringente apresentado pela defesa do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, condenado a mais de oito anos de prisão. Na sua defesa, Delúbio pleiteava novo julgamento com base no argumento de que a condenação pelo crime de formação de quadrilha foi decidida contra o voto de quatro ministros.

Para o ministro Joaquim Barbosa, aceitar os embargos infringentes no referido processo seria gesto “gracioso, inventivo, ad hoc, magnânimo”, mas absolutamente “ilegal”. A definição do ministro Joaquim Barbosa abre dura discussão que o “STF terá de enfrentar nos dias vindouros quando o assunto for levado ao Plenário”. Ainda segundo Joaquim Barbosa, a legislação que rege os processos no STF deixou de prever a existência de embargos infringentes: “Não estando os embargos infringentes no rol dos recursos penais previstos na Lei 8.038/90, que regula taxativa e inteiramente a competência recursal desta Corte, não há como tal recurso ser admitido”.

Em seguida, o ministro denunciou a evidente intenção dos recursos que possuem como objetivo apenas “eternizar o feito” e advertiu que, caso a defesa obtenha êxito, a Justiça Brasileira cairá em um inevitável descrédito perante o povo brasileiro. Essa reversão será lamentável e irá destruir o prestígio da Suprema Corte com relação à renovada fé nacional que a Ação Penal 470 promoveu, para gáudio e ganho de conceituação da justiça perante a população, que passou a acreditar na aplicação da lei contra a classe política corrupta, desclassificada e desmoralizada.

A questão dos embargos infringentes, que vem sendo defendida pelos defensores dos réus, deveria ter sido analisada desde a Constituição de 1988, e, posteriormente, na Lei 8.038/90 para evitar tais brechas escapatórias. Mas, devido a essa falha, continua constando no regimento interno. Baseados nisso, juristas entendem que os “embargos infringentes” devem ser acatados pelo Supremo.

Entretanto, as já conhecidas opiniões e posições exaradas pelos eminentes ministros da alta Corte de Justiça brasileira, deixam antever que o resultado do julgamento da Ação 470 pende pela confirmação das penalidades aplicadas e conhecidas.

Sobre a controvérsia formada e divulgada sobre os recursos apresentados pelas defesas dos condenados, foi de extrema importância a contribuição ao exame da Ação Penal 470, prestado pela ex-ministra e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northflleet, ao afirmar em recente solenidade no Instituto dos Advogados Brasileiros:

Os embargos infringentes por meio dos quais se pretende o rejulgamento da Ação Penal 470, são letra morta no Regimento Interno do Supremo. Documento histórico abordado com temor reverencial, o Regimento Interno do Supremo não pode ser lido como um documento contemporâneo. Os ilustres defensores cumprem seu papel em insistir na “sobrevivência” de dispositivos caducos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, mas é importante que se esclareça à opinião pública por quê eles não tem mais aplicação.

A perda da tranquilidade que a questão infunde é a dúvida que o ministro Joaquim Barbosa passa à sociedade, que se queda perplexa com a postergação do julgamento e a expectativa da evidente impunidade. Acresce ainda o espetáculo deprimente patrocinado através da campanha soez e abusiva com a divulgação do repto acintoso dos condenados liderados por José Dirceu, e, infelizmente, com apoio público de ONGs desconsideradas e organizações político-sindicais, culminando inclusive e absurdamente pelo inusitado uso espúrio e indevido da ABI, patrocinada pelo empedernido estalinista Maurício Azêdo, esperneando e jogando, como presidente, o prestígio e conceito da entidade contra o Poder Judiciário e os ministros do Supremo Tribunal Federal, como denunciamos e apontamos em editorial anterior.

Raras vezes houve demonstrações e manifestações da sociedade e da opinião pública como ocorre agora, desde a denúncia formulada pelo então Procurador da República Antonio Fernando de Souza, acolitado pelo seu digno sucessor Roberto Gurgel do Amaral, que promoveu a extraordinária peça acusatória, repleta de provas contundentes e indícios irrefutáveis, acolhida pelo eminente ministro Joaquim Barbosa, que, como Relator, esmiuçou o processo contendo 50.000 páginas e apontou os crimes públicos e as incríveis bandalheiras perpetradas sob a sombra e o escudo de membros da cúpula do governo.

Nunca antes aflorou dentro do próprio governo, um grupo de indivíduos tão desqualificados para afrontar as instituições da República – que foram usadas em benefício do partido governista para alimentar a corrupção no Legislativo e em todas as áreas do Executivo –, locupletando-se com as verbas da saúde, cuja falta é evidente nos hospitais, por ausência de leitos, de remédios e de assistência médica; no ensino, com a falta de escolas e a irregularidade no fornecimento da merenda escolar; e, ainda, deixando completamente abandonados dezoito milhões de brasileiros que se encontram no nordeste, sofrendo miseravelmente com a mais terrível seca de todos os tempos, desassistidos da ação do governo e entregues à própria desdita, neste Brasil desafortunado de bons políticos.

As oportunas preocupações do eminente presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, deixa-nos um laivo de tristeza e amargor com a possibilidade de que venha a ocorrer qualquer modificação que, justificada ou não pelo Plenário do STF, venha trazer no seu bojo pequena parte que seja de modificação das sentenças aplicadas aos corruptos políticos, propiciando no ânimo e na esperança da sociedade o desencanto do alto prestígio e conceituação alcançados pela Justiça.

Espera-se, com fundados desejos, que a justiça seja feita e a população possa comemorar uníssona o primado do direito e da lei, assegurado por uma Nação cuja Constituição garante, defende e aplica os princípios da ética, dignidade e moralidade pública.

O clamor popular e o ronco das ruas contra a corrupção e os políticos, demonstrados nas passeatas do Movimento do Passe Livre, trouxeram, sem sombra de dúvidas, uma forte e expressiva pressão a favor da confirmação das penas dos réus já condenados na Ação Penal 470, cujo resultado, alicerçado pelas provas levadas ao processo, assim como pelas bem fundamentadas rejeições dos inaplicáveis embargos infringentes, por certo terá plena e total aceitação no Supremo Tribunal Federal.

A decisão que vier a ocorrer na finalização do julgamento do Mensalão, seja qual for – alvissareira, como se espera ou tristemente melancólica –, representará uma sentença a ser cumprida sem reparo e discussão. Oxalá a expectativa esperançosa da Nação, como expressivamente demonstrado nas ruas, não venha a ser frustrada com a ausência de sentenças justas, devidas e apropriadas, aplicáveis em razão de como as indignidades e os malefícios dos fatos ocorridos estão a exigir, para que a ética e a moralidade pública venham a prevalecer contra a corrupção desbragada que, infelizmente, ainda continua a grassar no País.