Mais do que nunca, é preciso defender a magistratura e esclarecer a verdade

10 de maio de 2020

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Por muito tempo se construiu e disseminou a narrativa de que os juízes federais têm privilégios muito acima de suas responsabilidades. O sofisma dessa retórica causou perante a sociedade, ávida por responsáveis pelas crises que o País atravessa, uma imagem equivocada da magistratura federal. A retomada dessa credibilidade recai, entre outros, sobre os ombros da diretoria eleita da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), que assumirá o biênio 2020-2022, e da qual faço parte enquanto presidente eleito.

Para vencer esse desafio será preciso expor a realidade de uma carreira sem privilégios e cujas prerrogativas, na verdade, funcionam como proteção ao Estado Democrático de Direito. Por outro lado, mostrar também que os diversos ataques que temos sofrido no intuito de limitar nossa atuação e tornar a carreira menos respeitada são verdadeiras ameaças à segurança que o Judiciário Federal oferece à população. 

Essa nova realidade tem provocado nos juízes federais o sentimento de que a carreira passou a ser pouco atrativa, vive sendo criticada por motivos alheios a ela e nosso essencial trabalho não é devidamente valorizado. Pior, a liberdade de decidir passou a ser objeto de ataques incessantes, inclusive com o intuito de criminalizá-la. São muitas as manifestações nesse sentido, que colocam em xeque prerrogativas necessárias para a manutenção dos Sistema Federal de Justiça e para a própria democracia. Esse cenário desenhado contra a magistratura, no entanto, nenhum precedente encontra com o que de fato presenciam os juízes federais em todo País.

Mesmo antes da última reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103/2019) já tínhamos três regimes previdenciários distintos na magistratura federal. O primeiro com integralidade e paridade (aposentados receberiam a mesma remuneração que os ativos e teriam reajustes nas mesmas datas); o segundo com a média das contribuições para quem ingressou após 2003; e o terceiro após 2013, com a aposentadoria pelo teto do Regime Geral da Previdência (RGPS/ em 2020, R$ 6.101,06). Infelizmente, nunca é dito que os magistrados que estão nos dois primeiros regimes pagam contribuição previdenciária sobre toda a sua remuneração, enquanto só os últimos pagam sobre o teto do RGPS e por este se aposentarão.

Com a reforma, os magistrados mais antigos viram sua contribuição previdenciária aumentar substancialmente, algo em torno de 40% a 50%, sem nenhuma contrapartida em relação à remuneração. Quanto a esta, o direito constitucional previsto no art. 37, X da nossa Carta Maior, de revisão anual, é descumprido seguidamente a ponto de, nos últimos três anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) não ter sequer mandado o projeto de revisão em duas oportunidades.

A situação remuneratória é um tema sensível e que será enfrentado de forma verdadeira. A sociedade não acredita, e está certa neste ponto, que os juízes federais, mesmo com toda as responsabilidades e limitações inerentes ao cargo são a carreira jurídica pública mais mal remunerada do País, e que a diferença em relação aos membros do Ministério Público e das magistraturas estaduais aumenta a cada ano, principalmente quando recebemos notícias diárias de que os Estados e Municípios estão falidos e a União não. O fato da nova Previdência ter sido aprovada apenas para os servidores federais só aumentou esta diferença, comprovando a urgente necessidade do tema ser, de uma vez por todas, solucionado.

Outrossim, merece atenção especial o tratamento remuneratório dos magistrados federais aposentados, que contribuíram para um regime previdenciário com regras fixadas e hoje assistem a constantes mudanças, destas sempre piorando, e no momento em que mais precisam de segurança e recursos financeiros. Primeiro viram a integralidade e a paridade serem descumpridas constantemente, posteriormente não têm a revisão anual, que na prática virou quadrienal, sofrendo cada vez mais com o aumento de custo de vida e inflação e, recentemente, tiveram aumento considerável de alíquotas de contribuição previdenciária, confiscatórias se somadas aos gastos com o Imposto de Renda.

Outro ponto que precisa ser enfrentado é a relação com os demais Poderes, especialmente o Legislativo. A operação Lava Jato, tão admirada por nossa população e que tanto bem fez para a imagem da Justiça Federal, foi alvo de críticas contundentes de diversos parlamentares e foi tida como um elemento crucial na incrível polarização política que passamos a assistir nos últimos anos.

Assistimos reações no sentido de limitar o trabalho dos juízes federais, tanto retirando competência quanto com a alteração da Lei de Abuso de Autoridade. Uma radiografia da relação do Judiciário Federal com o Legislativo concluiria que os representantes do povo encaram os juízes e juízas como privilegiados, parciais e violadores de direitos, em total descompasso com a sociedade, que sabe do trabalho que é realizado de forma incessante nos juizados e varas federais por todo o País.

Este distanciamento não foi positivo e a renovação maciça do Congresso Nacional nas últimas eleições demonstra isso, sendo a procura por magistrados para que concorram a cargos eletivos um efeito desta fissura. É preciso construir diálogo com os parlamentares nas suas bases, mostrando a importância de uma harmonia entre os Poderes e que eventuais críticas a projetos de lei ou emendas à Constituição sempre vão existir, com o objetivo positivo de trazer a realidade vivida pelos juízes nos seus locais de trabalho.

Um tema que não deveria ser pauta da Ajufe, mas que se tornou primordial, é o orçamento da Justiça Federal, que com as medidas da Emenda Constitucional nº 95 trouxeram cortes lineares sem observar as peculiaridades dos serviços prestados. Sempre tivemos orgulho de exaltar a excelente estrutura de que dispomos, tanto pelo nível dos servidores quanto pelos meios para exercermos nosso trabalho. Todavia, após a EC 95, estamos impossibilitados de reposição de servidores aposentados e nossos terceirizados e estagiários foram reduzidos de forma muito drástica, enquanto a distribuição de processos só aumentou. É certo que com nossos centros de inteligência e com nosso processo eletrônico estamos conseguindo manter nosso padrão de trabalho. Porém, o contingenciamento tem sido muito forte e uma expectativa de grande demanda, como a reforma da Previdência aprovada em novembro de 2019, pode nos levar a ter muitas dificuldades no atendimento à população.

Um exemplo disso foi o atraso no pagamento dos peritos judiciais em 2019, que alcançou um ano em algumas localidades e nos fez perder especialistas médicos que já vinham, há muito tempo, nos atendendo nas perícias de processos previdenciários, o que quase levou ao colapso os Juizados Especiais Federais. Graças à atuação da Ajufe foi possível a identificação de verbas e a solução desta sensível questão.    

Na relação com a cúpula do Poder Judiciário, teremos uma relação transparente, mostrando os anseios da carreira, as decepções com os ataques e com o desprestígio que estamos sentindo.

A Magistratura Federal é uma carreira e não um emprego.

Todas as alterações legais contrárias geraram um efeito perverso e, em pouco tempo, estaremos perdendo diversos colegas para escritórios de advocacia e para candidaturas a cargos eletivos.

A preservação de nossas prerrogativas e a valorização da magistratura federal são essenciais para a democracia, pois recebemos através das ações judiciais os anseios e expectativas de nosso povo e quanto mais experientes ficamos, melhor podemos desempenhar nosso papel. Essa tem que ser uma preocupação de todos no Judiciário, principalmente no STF e no Superior Tribunal de Justiça, pois a autoridade da Justiça decorre da sua inquestionável imparcialidade. Deixar juízes e juízas fragilizados não é o ideal para um País tão desigual.

A Justiça Federal trata dos crimes tributários e das grandes operações de desvios de recursos públicos, mas também é aquela que está em todas as cidades do País, especialmente nas menores, através dos benefícios previdenciários e assistenciais. Esta presença em todos os locais e em todas as classes precisa ser reconhecida para o bem de nossa população.

A epidemia da covid-19 só amplificou todas as atuais distorções. Mesmo assim, destaco o ardoroso trabalho que a Justiça Federal tem entregado para a população, com índices de produtividade espetaculares, tanto nas questões envolvendo saúde, benefícios previdenciários, quanto com a preocupação da preservação dos empregos, incluindo decisões que postergam prazos de pagamentos de tributos e substituem depósitos judiciais por seguro fiança. Até o recente auxílio emergencial já foi objeto de análise por nós.

Independentemente do mérito das decisões, fica a certeza que o Brasil pode contar com seus juízes e juízas federais para trazer segurança jurídica em todo o nosso território.

A Diretoria da Ajufe, que toma posse em junho deste ano, tem ciência do grande desafio que é ver o trabalho dos magistrados federais reconhecido e respeitado pela sociedade, por todos os membros de Poderes e autoridades. Lutaremos dois anos por este objetivo.