Ministério Público: autonomia e independência institucional

5 de julho de 2005

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“Dentre as instituições a que a Constituição Federal de 1988 conferiu novo perfil normativo, não há dúvida de que o Ministério Público é uma das que apresentou resposta mais satisfatória às expectativas do constituinte e aos anseios da sociedade, na medida em que tem revelado inequívoca aptidão para desempenhar, com competência e efetividade, as atribuições que lhe foram conferidas.

Na sua tradicional função de legitimado exclusivo da ação penal pública, reforçada pelo exercício seletivo de atividades investigatórias próprias, vez que reconhecida, a propósito a inexistência de monopólio da polícia, e pela atuação conjunta e articulada com outras instituições estatais, tem realizado efetivo combate especialmente ao crime organizado, à lavagem de dinheiro e aos crimes contra a administração pública. O trabalho integrado com os diversos agentes encarregados de realizar investigações tem favorecido o exercício da ação penal e proporcionado excelentes resultados não só na efetividade da jurisdição penal, mas também na recuperação de ativos ilicitamente desviados. O caso Banestado, entre tantos outros, pode ser mencionado como exemplo significativo dessa atuação profícua tanto no que se refere à efetividade penal, quanto no que diz respeito à recuperação de valores.

Se, no plano da tradicional iniciativa penal, a evolução qualitativa da atuação do Ministério Público é inconteste, no que diz respeito a sua posição, na esfera civil, como co-legitimado para as demandas sociais, o seu sucesso não é menor.

A Constituição de 1988 estabeleceu como funções institucionais do Ministério Público, além de outras, zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, bem como promover o inquérito civil público e ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (art. 129, incisos II e III da CF/88), áreas estas que concentram os aspectos mais modernos do rol da Instituição e a colocam na condição de defensora da sociedade.

Sem a pretensão de ser exaustivo, mesmo porque a multiplicidade e a diversidade das tarefas que lhe são confiadas militam contra a completude, não é demais lembrar que o Ministério Público tem atuado com singular dedicação na defesa do meio ambiente, patrimônio histórico e cultural do consumidor, dos direitos dos infantes e adolescentes, dos idosos, das pessoas portadoras de necessidades especiais, das comunidades indígenas, dos quilombolas, do direito à saúde, à educação, à alimentação, à liberdade religiosa, à liberdade de expressão, ao acesso às fontes de informações e aos conhecimentos técnicos e científicos, à racionalização do desenvolvimento urbanístico, à regularidade e eficiência na prestação de serviços públicos, à proteção do patrimônio público, à honestidade na propaganda comercial, à segurança dos alimentos derivados da biotecnologia, entre muitos outros direitos e interesses.

À defesa persistente da compatibilidade constitucional das leis e atos normativos, tanto através da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, como incidentalmente nos diversos graus de jurisdição, e ao cuidado permanente na proteção multifária dos direitos humanos, o Ministério Público tem reservado especial atenção.

Mas, no cumprimento dos seus deveres em favor da sociedade, o Ministério Público não se limita a utilizar apenas a via judicial, cresce, quantitativa e qualitativamente, a sua atuação na esfera extrajudicial, como propósito de obter soluções preventivas e consensuais, tanto em face da administração pública, como de particulares, com notável incremento na tutela preventiva de direitos. E tal atividade extrajudicial ocorre nas diversas áreas de suas múltiplas atribuições.

A confiança e o respeito que a sociedade tem depositado do Ministério Público, ao que penso, é conseqüência não só da diligência e empenho que os seus membros têm dedicado ao cumprimento dos seus afazeres constitucionais e legais, especialmente na tutela de direitos e interesses coletivos ou difusos, como também da compreensão de que a formação de uma sociedade pluralista e solidária precisa desprezar a filosofia do egoísmo.

A respeito, é oportuna a seguinte observação do professor José Carlos Barbosa Moreira, feita em aula inaugural da Universidade do Rio de Janeiro:

“A filosofia do egoísmo, que impregnou a atmosfera cultural dos últimos tempos, não concebe que alguém se possa deixar mover por outra força que o interesse pessoal. Nem faltou quem ousasse enxergar aí a regra de ouro; a melhor maneira de colaborar na promoção do bem comum consistiria, para cada indivíduo, em cuidar exclusivamente de seus próprios interesses. O compreensível entusiasmo com que se acolheu há dois séculos e se cultua até hoje, em determinados círculos, essa lição de Adam Smith explica o malogro da sociedade moderna em preservar de modo satisfatório bens e valores que, por não pertencerem individualmente a quem quer que seja, nem sempre se vêem bem representados e ponderados ao longo do processo decisório político-administrativo, em geral mais sensível à influência de outros fatores”.

E o Ministério Público da União e dos Estados, superando a compreensão individualista do direito e da sociedade, na forma do comando constitucional, tem sido capaz de defender os bens e valores coletivos e difusos.

Como ingressei no Ministério Público Federal em março de 1975, há mais de 30 anos, pude vivenciar, como muitos dos colegas aqui presentes, entre eles o meu caro Claudio Fonteles, todo o processo de evolução do Ministério Público que resultou no perfil normativo consagrado na Constituição de 1988, e agora todos nós podemos constatar que o nosso sonho converteu-se em realidade: o Ministério Público é reconhecido como um defensor da sociedade.

Como observou Norberto Bobbio em certa oportunidade, “não é verdade que uma revolução radical só possa ocorrer necessariamente de modo revolucionário. Pode ocorrer também gradativamente”. Todos nós testemunhamos que a transformação radical do Ministério Público ocorreu gradativamente e pela via democrática. A evolução substantiva do Ministério Público corresponde ao resultado de uma verdadeira revolução.

O reconhecimento ao Ministério Público vem do trabalho sério e consciente realizado pelos seus agentes nas inúmeras comarcas, pequenas ou grandes, desse imenso Brasil, sempre guiado pelo propósito de propiciar um ambiente social capaz de privilegiar a cidadania, de preservar os direitos humanos, de assegurar rigoroso respeito pela coisa pública, de desestimular as iniciativas ilícitas, enfim de formar uma sociedade justa, pluralista e solidária.

O respeito absoluto a sua independência e autonomia é condição indispensável para que o Ministério Público prossiga no cumprimento fiel dos deveres assinalados na Constituição Federal. Por outro lado, a preservação do poder de realizar diligências investigatórias, no plano civil e penal, bem como o reconhecimento de ampla legitimidade para a busca de tutela jurisdicional a direitos e interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, são exigências inafastáveis à efetividade da atuação dos seus membros em prol da sociedade.

Como já anotei em outra oportunidade, tenho consciência da gravidade e importância dos deveres assinalados ao procurador-geral da República que podem ser resumidos no desempenho das funções de Ministério Público perante o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral, e na chefia do Ministério Público da União e Ministério Público Federal.

A responsabilidade de exercer todas as atribuições de Ministério Público perante o Supremo Tribunal Federal, seja como autor de ações constitucionais ou penais, seja como fiscal da lei, decorrente do dever de manifestar-se em todos os processos de competência da Corte Suprema, bem como de iguais deveres perante o Tribunal Superior Eleitoral, será atendida com a independência, a isenção, a imparcialidade e o rigor que se esperam do titular do cargo.

No exercício das chefias do Ministério Público da União e do Ministério Público Federal, com a indispensável colaboração dos membros e servidores dos respectivos ramos, dedicarei especial atenção à preservação dos requisitos indispensáveis à atuação do Ministério Público: a autonomia e independência institucional.

A Emenda Constitucional 45, de 2004, acrescentou mais duas atribuições ao procurador geral da República: oficiar perante o Conselho Nacional de Justiça e integrar, como seu presidente, o Conselho Nacional do Ministério Público, conselhos estes que foram recentemente instalados. A expectativa da sociedade no sentido de que tais conselhos possam contribuir efetivamente para o aprimoramento tanto do funcionamento do Poder Judiciário, quanto do exercício das atribuições do Ministério Público, está a exigir do procurador-geral da República especial dedicação em cada um deles.

Tenham todos a certeza de que, com a compreensão da minha esposa e dos meus filhos, dedicarei todos os meus esforços no sentido de consolidar e aprimorar o Ministério Público da União e, em especial, o Ministério Público Federal, para que cada vez mais atendam com eficiência às demandas sociais e ao desejo da sociedade de valorização da ética e de estrito respeito à coisa pública.

Espero corresponder às expectativas de todos.