Muito além de coligações partidárias

4 de fevereiro de 2022

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Uma análise sobre o instituto da federação de partidos políticos

A Lei no 14.208/2021, precisamente por meio dos artigos 1o, 2o e 3o, instituiu no ordenamento
  jurídico brasileiro as chamadas federações de partidos políticos. Os dispositivos adicionaram à Lei dos Partidos Políticos (Lei no 9.096/1995) a previsão de que dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária, por no mínimo quatro anos.

O texto possui origem no Projeto de Lei do Senado no 477/2015, tendo sido aprovado pela respectiva Casa Legislativa em 16/07/2015 e pela Câmara dos Deputados em 12/08/2021 (PL no 2.522/2015). A despeito do veto presidencial, a aprovação da Lei ocorreu com expressivo apoio do Congresso Nacional (e consequente derrubada do veto).

O início da vigência do instituto veio acompanhado de intenso debate dogmático sobre a natureza, a constitucionalidade e a semelhança existente entre as federações de partidos políticos e as já conhecidas coligações partidárias. Para os críticos da inovação trazida pelas federações, o instituto se confundiria com o das coligações (vedadas em eleições proporcionais pela Emenda Constitucional no 97/2017) e, portanto, representaria violação ao próprio princípio democrático.

A mera equivalência entre os institutos, no entanto, parece ser uma conclusão apressada. É que as federações de partidos políticos foram concebidas sob o signo da permanência e da identidade programática entre as agremiações, em muito diferindo da natureza puramente eleitoral e pragmática das coligações partidárias.

Enquanto a coligação equivale ao “consórcio de partidos políticos formado com o propósito de atuação conjunta e cooperativa na disputa eleitoral”, uma federação de partidos políticos pressupõe unidade programática, vínculo temporal de no mínimo quatro anos e, acima de tudo, atuação harmônica – enquanto bancada única – no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras Municipais. É dizer: a federação de partidos políticos está muito longe de ser uma mera aliança visando o sucesso eleitoral.

Os requisitos para a composição de uma federação são complexos e demandam amplo debate intrapartidário. Basta ter em conta que as federações de partidos políticos possuirão estatuto próprio, com metas político-ideológicas próprias, aos quais todas as agremiações integrantes serão vinculadas. 

A escolha de integrar uma federação, por isso, demanda profunda deliberação interna e complexa reformulação partidária, que se vinculará a um órgão de direção nacional e a um estatuto novos. A rigor, o caráter nacional das federações é uma consequência do vínculo uníssono e longínquo inerente ao instituto racionalizado pelo Poder Legislativo. 

Dito isso, é interessante notar que o próprio dispositivo que prevê as federações de partidos políticos privilegia a preservação da autonomia partidária entre as agremiações federadas. Sobretudo porque, num contexto de vigência de cláusula de desempenho, o instituto da federação mais do que nunca preserva a autonomia e a própria existência das agremiações com menor expressão no Congresso Nacional (que, não raro, são também as agremiações responsáveis por garantir a rₑpresentatividade político-social). 

Assim, ao contrário de ofender os princípios democrático, federativo ou de autonomia partidária, o instituto da federação vem para os fortalecer: criou-se nova modalidade representativa de comunicação com a sociedade e fortalecimento de bases políticas mais claras para a população.

O arranjo ideológico e a aproximação programática que consequentemente ocorrerá entre os partidos federados – somados à cláusula de desempenho instituída pela EC 97/2017 – conduzirão, de forma natural e sem consequências abruptas, a uma (sempre almejada) redução da pulverização partidária hoje existente no Brasil. 

O que nos parece, dado esse cenário, é que as federações aperfeiçoam e fortalecem os princípios democrático, do pluripartidarismo e da soberania popular esculpidos na Constituição Federal de 1988.

Nota________________________

1 GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. São Paulo: Atlas, 2020.