Não existe solução mágica

21 de julho de 2022

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As organizações jornalísticas e as agências de checagem de notícias estão mais preparadas e atuantes. As grandes empresas digitais criaram mecanismos mais eficientes. Há hoje regras que procuram limitar o disparo de mensagens em massa. Canais e páginas que disseminam falsidades e teorias conspiratórias foram desmonetizados. Programas permanentes de combate à desinformação foram criados por instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Este último, cada vez mais atuante no combate às informações fraudulentas e à manipulação. Mesmo assim, vivemos uma avalanche diária de notícias falsas envolvendo instituições, autoridades e personagens públicas que visam minar a confiança nas instituições e no processo eleitoral e que, infelizmente, podem influenciar o resultado das eleições deste ano.

Todas estas iniciativas mostram que não há, de fato, uma bala de prata quando o assunto é o combate à desinformação. É preciso um esforço coletivo de todos os agentes – Executivo, Legislativo, Judiciário, partidos políticos, companhias digitais, plataformas, veículos de comunicação e sociedade civil. Isso ficou muito claro diante da persistência dos movimentos antivacina com suas ideias nocivas durante a pandemia de covid-19. Também de nada adiantará a criação de leis impecáveis, regras e normas precisas se nós, cidadãos, não estivermos convencidos da nossa responsabilidade e passemos a atuar como agentes fundamentais no combate às fake news e ao discurso de ódio. Se não houver cidadania responsável, não haverá solução para esse problema.

É verdade que não podemos tirar a responsabilidade de plataformas e empresas de tecnologia na busca por soluções que ajudem a minimizar os efeitos lesivos da desinformação. Nem deixar de buscar soluções no âmbito legislativo ou mesmo por meio de códigos de autorregulamentação ou acordos propostos pelos setores envolvidos, mas é preciso levar em conta que o fator humano é agente fundamental neste processo.

A tecnologia por si só não é positiva ou negativa, mas sim o uso que se faz dela. As redes sociais e os aplicativos de mensagens são uma realidade, fruto da fantástica capacidade de invenção do ser humano. Quando bem usadas, essas mídias contribuem para o avanço da humanidade. O problema é que há aqueles que insistem em armar as redes sociais. O poder bélico é constituído por mentiras, boatos, informações desvirtuadas, ilusões, teorias conspiratórias, entre outras falsidades. O objetivo é alimentar o ódio e, com isso, causar instabilidade, confusão, divisão social, desconfiança e desesperança. 

Essa ação deletéria junta-se a um cenário complexo de hiperinformação e baixo letramento informacional da população. Recebemos quase em tempo real conteúdos que vêm de todos os lados, sem prestarmos atenção a questões simples como checar a origem ou mesmo o propósito da informação. Esta nova realidade, na qual todos passamos a ser produtores e consumidores de conteúdo, exige o desenvolvimento de novas competências e habilidades. E as escolas têm um papel importantíssimo, uma vez que a prática da cidadania responsável deve começar pelos mais jovens, desde os primeiros anos.

É neste cenário que a educação midiática precisa ser introduzida no dia a dia dos ambientes escolares, além de ser um assunto de todos nós. Trata-se da urgente necessidade de desenvolver um conjunto de habilidades capazes de sustentar uma atitude mais questionadora e crítica sobre qualquer informação, esteja ela on-line ou off-line.

É preciso incentivar, de forma clara e sem qualquer viés, o conhecimento e o conteúdo criterioso e certificado, como quase sempre é o do jornalismo profissional, por exemplo. Ao mesmo tempo, deve-se valorizar a autonomia dos indivíduos e sua capacidade de acumular informações, de formar opinião e de tomar decisões justas e construtivas num ambiente cada vez mais livre, em um círculo virtuoso.

Na prática, o primeiro passo é aprender a ler corretamente as informações que chegam até nós para que possamos almejar a inclusão neste universo hiperinformativo e conectado. Essa leitura correta está calcada em atitudes simples. Por exemplo, ao receber uma mensagem devemos ficar atentos à notícia, ler todo o texto e não somente o título, verificar qual endereço eletrônico publicou, buscar outras notícias do mesmo produtor do conteúdo, avaliar a veracidade, procurar informações sobre a página, checar a data da publicação e verificar se o assunto está sendo tratado por sites de jornalismo certificado. Ou seja, sair da passividade do consumo para uma atitude mais proativa em relação à informação.

Além de saber ler as informações, é preciso aprender a se comunicar de forma prática e correta, valorizando a autoexpressão e o protagonismo. A educação midiática ensina a como se comunicar nesse universo com tantas possibilidades, e ajuda a transformar a simples presença digital em fluência digital, visando o aproveitamento de todas as potencialidades que as ferramentas de comunicação hoje nos apresentam.

Pensando nessa tarefa inadiável, o Instituto Palavra Aberta lançou, por meio do seu programa de educação midiática e informacional – o EducaMídia – o projeto “#FakeToFora, quem vota se informa” (faketofora.org.br). O objetivo é envolver os jovens no processo eleitoral, incentivando a participação democrática e a consciência cidadã.

Com o apoio de diversas instituições e organizações da sociedade civil, o #FakeToFora é composto por sete módulos que vão desde noções básicas sobre democracia e processo eleitoral, até conteúdos específicos sobre difamação e desinformação, que podem ser aplicados separadamente ou como uma trilha única. Voltados para jovens do Ensino Médio, os materiais são gratuitos e enfatizam o papel da educação midiática na construção da cidadania. Além disso, o programa oferece metodologia para que os estudantes criem coletivos ou clubes de checagem, nos quais terão a oportunidade de praticar a leitura reflexiva e crítica das informações e auxiliar no combate à desinformação sobre as eleições.

Há ainda um capítulo especial destinado a explicar as atribuições de cada esfera de poder (e seus limites). Entender os papéis e a separação do Executivo, do Legislativo e do Judiciário é um bom caminho para não cair em fake news e outros tipos de desinformação sobre essas instituições, principalmente em ano eleitoral. É também um reforço que visa suprir a ausência de materiais que mostram a importância destas instituições para o funcionamento da democracia.

Ao levarmos o diálogo sobre democracia e sobre o papel das instituições para dentro da escola de forma eficiente e engajadora, inserindo os conceitos de educação midiática e ensinando a identificar, ler e interpretar de forma crítica as informações, estaremos contribuindo para a promoção da consciência cidadã e para a formação de cidadãos mais aptos a participarem do ambiente democrático. Em tempos em que a instantaneidade impera, a educação midiática pode não ser a solução mágica com combate à desinformação, mas certamente gerará efeitos mais sólidos e de longo prazo.

* Coluna lançada para destacar as contribuições dos professores, cientistas e especialistas das entidades parceiras do Programa de Combate à Desinformação (PCD) do Supremo Tribunal Federal.