Nova crítica radical à Jurisdição Constitucional

5 de dezembro de 2023

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O constitucionalismo tem sofrido pressões políticas das forças populistas que chegaram ao poder em vários países. É a avaliação do ex-juiz do Tribunal Constitucional Federal da Alemanha (entre 1987 e 1999) Dieter Grimm, que proferiu palestra para um público ansioso por ouvi-lo, na sala de sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília, no dia 21 de novembro.

A palestra aconteceu no âmbito do programa “Diálogos com o Supremo”, que recebe especialistas para debates e palestras sobre temas atuais do Direito e Justiça, e que em novembro foi realizada em parceria com a Embaixada da Alemanha no Brasil.

Professor de Direito Público na Universidade Humboldt de Berlim, Grimm esteve pela primeira vez no Brasil em 1988, ano em que a Constituição Federal foi promulgada, mas desde então é visitante frequente do País. Em sua palestra, o jurista alemão abordou o constitucionalismo no contexto contemporâneo, com uma reflexão sobre sua evolução nas últimas décadas. Segundo ele, há 30 anos o constitucionalismo parecia ter se estabelecido como “uma forma de legitimar e regular o poder público, e também a judicação constitucional como uma forma de fazer os requisitos constitucionais contra governos relutantes”. De lá para cá, porém, Grimm aponta que o cenário vem mudando.

Novos ventos – “Cortes Constitucionais foram as primeiras vítimas da transição de um sistema mais democrático para sistemas mais autoritários. É importante perceber que a educação constitucional não só está sob pressão política, mas também é objeto de críticas nos meios acadêmicos”, ponderou o jurista, para quem as críticas vêm especialmente, mas não exclusivamente, dos Estados Unidos, onde “há uma reserva contra a revisão judicial”.

Um motivo da reserva apontada por Grimm é o fato de a Constituição americana não ser explícita quanto à capacidade de revisão e, então, pode parecer haver uma usurpação pela Corte Suprema. “Nos Estados Unidos a democracia foi estabelecida antes da revisão jurídica, que era então vista como uma ameaça à democracia. A revisão jurídica na Europa veio devido à falha da democracia na primeira metade do século; se entendia não como uma ameaça, mas como um salvaguarda desse procedimento”, diferenciou o professor alemão.

Ainda de acordo com o jurista, a decisão entre ser pró ou contra a revisão jurídica deve ser tomada de forma pragmática. “A nova crítica radical da revisão judicial é indicadora de uma mudança depois de um período de euforia constitucional e, às vezes, de hiperatividade jurídica. A crítica é democraticamente motivada, mas coincide com uma tendência, por parte das forças populistas, de estabelecer um tipo diferente de democracia e paralisar as cortes constitucionais”, afirmou.

Reflexões contemporâneas – Durante a visita ao STF, o jurista também lançou o livro “Jurisdição constitucional e democracia: ensaios escolhidos”. Escrita por ocasião dos 70 anos da Constituição Alemã, a obra foi coordenada pelo Ministro Gilmar Mendes e pelo professor Georges Abboud.

“Em seu estudo, o professor Grimm registra a mudança dos tempos. Com a derrocada das ditaduras, que foi seguida da promulgação de constituições democráticas e do estabelecimento do controle de constitucionalismo, o autoritarismo populista passou a questionar exatamente essa garantia constitucional da Constituição, como se essa disposição institucional consistisse no plano de uma elite togada para se manter no poder e não de um amplo consenso civilizatório derivado de um aprendizado histórico”, declarou o Ministro Gilmar Mendes, ávido pesquisador do tema.

O ministro Gilmar Mendes concorda com o jurista alemão no sentido de que “a jurisdição constitucional opera como um modelo de fiscalização democrática dos atos do Poder Público”, pois, “afinal, é por decisão das constituições contemporâneas que os atos praticados pelos órgãos representativos podem ser objeto de crítica e controle, caso desbordem dos limites prescritos pelo Direito”.

Proteção democrática – Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luís Roberto Barroso integrou a mesa do evento junto do decano e da embaixadora da Alemanha no Brasil, Bettina Cadenbach. Para ele, o professor Grimm é autor de alguns dos principais trabalhos sobre o Direito e política no mundo, com textos sobre independência judicial e a jurisdição constitucional. Barroso destacou a importância da presença do jurista alemão no Brasil, como um reforço do papel que as Supremas Cortes têm na proteção da democracia.

“Como lembrou a embaixadora, a Suprema Corte brasileira foi vítima de ataques não apenas verbais, como físicos. Ainda hoje sofremos algum grau
de incompreensão de pessoas que às vezes não
gostam da Constituição, às vezes não gostam de democracia, às vezes não gostam de decisões, porque não é possível agradar a todos ao mesmo tempo”,
afirmou Barroso.