Edição 172
O consumidor e o Direito de Família
18 de dezembro de 2014
Peterson Barroso Simão Desembargador do TJRJ / Presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil
No mês de setembro de 2014, completei um ano como Desembargador da 24a Câmara Cível Especializada em Direito do Consumidor, mesmo tempo de sua criação e existência no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ).
Durante esse período, deparei-me com muitos julgamentos complexos, interessantes e que tocam a sensibilidade, marcando a memória.
Em comemoração às datas, gostaria de relembrar um julgamento que envolvia uma jovem com pouco mais de 25 anos de idade, moradora da região metropolitana do Rio de Janeiro, que tinha o costume de ir ao salão de beleza. Curiosamente, a funcionária que lhe atendia dizia sempre conhecer uma senhora mais idosa muito parecida com ela. Tanto reafirmou esta semelhança na fisionomia que, certo dia, a referida jovem foi com a funcionária até a casa daquela senhora que morava nas proximidades. Conversaram amavelmente. A senhora disse que também tinha uma filha da mesma idade. Adiantando a conversa, souberam que a jovem e a filha da senhora nasceram no mesmo hospital e no mesmo dia. Constataram que de fato a filha da senhora não parecia tanto com a mãe como aquela jovem. Aprofundaram em conversas posteriores e descobriram que os nomes das mães dos bebês era os mesmos e, provavelmente, por esse motivo, as pulseirinhas teriam sido trocadas na maternidade, evidenciando a falha do serviço dos funcionários do hospital. Concluíram, então, pela ocorrência do grande equívoco da troca.
Judicialmente, o Direito de Família foi instrumentalizado em ação própria, realizando-se as perícias necessárias, que confirmaram a troca dos bebês. Todas as medidas cabíveis no âmbito do Direito de Família foram providenciadas, inclusive quanto ao registro da filiação.
Em matéria de Família, a experiência ensina-nos que a verdade é eterna e vem surgindo lenta e silenciosamente até se tornar forte luz que não se pode esconder.
Passo posterior e consequência lógica, em se tratando de relação de consumo, a jovem que foi ao encontro da mãe biológica ingressou com uma ação contra o hospital, em que pede indenização por danos morais pelo serviço equivocado que foi prestado e que tanto prejuízo trouxe à vida das pessoas.
Em favor do consumidor, como se sabe, vigora a responsabilidade objetiva do prestador de serviço, aplicando-se a teoria do risco do empreendimento, na qual todo aquele que se propõe a desenvolver uma atividade no mercado de consumo tem o dever de responder pelos eventuais vícios ou defeitos dos bens e serviços fornecidos, independentemente da existência de culpa. Trata-se de verdadeiro fortuito interno, já que se insere na atividade desenvolvida pelo hospital, uma vez demonstrada a falha na prestação de serviço, com violação da boa-fé objetiva, do dever de cuidado e informação precisa.
Procedência do pedido com recurso interposto, até que chegou para ser decidido na 24a Câmara Cível Especializada em Defesa do Consumidor, que confirmou a decisão de primeira instância e ainda majorou a compensação por danos morais/
A Eminente Desembargadora Relatora minuciou os fatos e, como sempre, muito bem fundamentou o seu voto condutor, cujo acórdão lavrado passou por unanimidade.
Às vezes a realidade suplanta a imaginação. Fatos reais como este mostram que o tema de filiação opera como se fosse um ímã, atraindo os pais aos filhos e vice-versa. Penso que é a Mão de Deus que rege o Universo e precisa restabelecer a verdade e a Justiça por meio do nosso trabalho.
Assim, parabenizo todos os profissionais que deram sua contribuição para que o mundo se tornasse melhor e verifico a célebre importância de todas as Câmaras Especializadas na função jurisdicional de realizar Justiça à sociedade e ao cidadão, mostrando que a inovação concretizada já é um sucesso, dependendo apenas de pequenos ajustes.