O novo AI-5 de Bia Kicis contra o STF

17 de novembro de 2021

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Bia Kicis .Foto: Ed Alves/Correio Braziliense

Entre uma postagem racista e outra, a deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) resolveu transformar em Emenda Constitucional, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, a proposta que os bolsonaristas fazem há dois anos para intervir no Supremo Tribunal Federal.

Quem pensa que os bolsonaristas botaram o galho dentro e ficaram mansinhos depois que o ministro Alexandre Moraes, que cuida do inquérito das “fake news” e outras ameaças à democracia, enquadrou o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores, após o 7 de Setembro, está enganado. Eles baixaram as armas, mas não esvaziaram as munições dos pentes e tambores.

Bia Kicis simplesmente está propondo um novo Ato Institucional nº 5 (AI-5) para promover uma mudança radical no Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte jurídica do país e a zeladora da Constituição e da Democracia.

Ela quer revogar a chamada PEC da Bengala, que em 2015, reconhecendo que o aumento da expectativa de vida era uma realidade e a sabedoria dos ministros deveria ser desfrutada pelo país por mais cinco anos, ampliou de 70 para 75 anos a idade limite de permanência dos ministros do Supremo, do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais estaduais.

Bolsonaro faria até 4 ministros

Se a PEC passar na CCJ e for aprovada no Plenário da Câmara e do Senado, Bolsonaro, que anda penando para fazer a CCJ do Senado fazer a sabatina do terrivelmente evangélico ex-AGU, André Mendonça, ganhar uma vaga no STF, fazendo dupla com Kássio Nunes Marques, indicado em 2020, já poderia indicar substitutos para Ricardo Lewandowski (indicado por Lula, em 2006) e Rosa Weber (por Dilma Roussef, em 2011), que completam 75 anos em 2023.

Caso seja reeleito e a PEC de Bia Kicis avance se tornando Lei, a renovação seria ainda maior no 2º mandato, Já em 2023, o novo presidente poderia indicar os substitutos do atual presidente do STF, Luiz Fux (indicado por Dilma, em 2011 e cuja aposentadoria ocorreria em 2028) e Luís Roberto Barroso (indicado por Dilma em 2013). Em 2024, seria a vez de Carmem Lúcia (nomeada por Lula em 2006) e em 2025, de Gilmar Mendes (indicado por FHC, em 2002), cujo mandato só expira em 2030.

Ou seja, a renovação (ou retrocesso), com espírito bolsonarista e conservador na Justiça brasileira, seria ainda maior que a nomeação, engendrada por Bolsonaro, de 75 novos desembargadores para as cortes de 2ª Instância. Com a nova interpretação do STF a partir do caso Lula, a condenação em 2ª instância não leva o réu à cadeia.

É tudo o que a classe política e os empresários, que podem contratar caros advogados com influência nos tribunais, sonham.

A violência do AI-5

Em 1969, após o AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, cortar os direitos políticos dos recalcitrantes opositores do regime e dar mais uma volta no torniquete que tolhia as liberdades individuais, políticas e culturais no Brasil, com o regime militar assumindo a mais dura face da ditadura, o governo Costa e Silva partiu para o ataque ao Supremo Tribunal Federal.

O SFT engordou nos governos JK (1956-1961) e Jango (que substituiu Jânio Quadros em setembro de 1961 e foi deposto em abril de 1964) de 11 para 16 ministros. De cara, o governo aposentou compulsoriamente três ministros que eram independentes e não seguiam os ditames do regime militar: Hermes Lima, que comandou a Casa Civil de João Goulart e chefiou um dos três gabinetes parlamentaristas, antes do plebiscito aprovar a volta do presidencialismo, em 1963, e ainda Vitor Nunes Leal e Evandro de Lins e Silva.

Em solidariedade, os ministros Antônio Gonçalves de Oliveira e Lafayette de Andrada pediram a aposentadoria. Com o corte de cinco nomes, o SFT ficou escalado com 11 membros, número que permanece até hoje. Nem com o expurgo de ministros independentes e seguidores da Constituição (que virou letra morta com o AI-5), o governo deixou de conhecer derrotas em votações importantes quando ex-deputados da UDN, os conservadores Adauto Lúcio Cardoso e Aliomar Baleeiro, colocaram a Democracia em primeiro plano. Depois o STF acolheu o também udenista Bilac Pinto.

Gol de letra é credencial para a ABL?

Já que a Academia Brasileira de Letras (ABL), a casa de Machado de Assis, seguindo o exemplo da Academia Francesa, se abre a outras artes, além da prosa, da crônica e da poesia, com o ingresso da primeira dama do Teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, e do ex-ministro e compositor que fala com Deus, Gilberto Gil, (Bob Dylan foi indicado ao Prêmio Nobel de Literatura), perguntar não ofende:

Jogador que fizer gols de letra pode ser credenciado?

Os critérios de abertura do leque que acolheram Fernandona foram sintetizadas por um imortal “ela representou nos palcos do Teatro, no Cinema e na TV, algumas das melhores páginas da literatura brasileira”. Perfeito.

Que tal um ingresso póstumo?

E se o legue for aberto ao Balé e ao futebol, sugiro uma inovação. O ingresso “post mortem” na ABL de Manoel Francisco dos Santos. Mais conhecido como Mané Garrincha, ele escreveu certo, por linhas (e pernas) tortas algumas das páginas mais belas e criativas do futebol brasileiro e mundial.

Merecidamente, virou filme de Joaquim Pedro de Andrade – “Garrincha, a alegria do povo”.

Publicação original: Jornal do Brasil