O papel antirracista da jurisprudência do STF

16 de janeiro de 2023

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Em novembro, o Supremo Tribunal Federal (STF) lançou o projeto “Consciência Negra”, concebido pela Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação (SAE) para marcar as homenagens ao Dia da Consciência Negra. Integram a iniciativa uma exposição no Museu do Supremo, com painéis sobre decisões emblemáticas da Corte no percurso de construção da igualdade e da erradicação da discriminação racial; reportagem elaborada pela TV Justiça sobre os ministros negros que integraram o STF ao longo da sua história; e o livro “Consciência Negra: bibliografia, legislação e jurisprudência temática”.

“(…) o Estado brasileiro, assim como todos os seus cidadãos e cidadãs, deve envidar esforços para a superação dos desnivelamentos históricos e de toda forma de preconceito, de modo a permitir a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, tendo como premissa a aceitação dos valores do multiculturalismo e da diversidade que consubstanciam nossa sociedade (…)”, registrou na apresentação da obra a Presidente do STF, Ministra Rosa Weber.

“Almejamos exaltar a produção de autoras e autores negros sobre o tema, ressaltar as normas atualmente existentes e, finamente, frisar o papel antirracista da jurisprudência do STF, assim como da jurisprudência internacional, em um contexto global de engajamento em prol da isonomia e da liberdade”, acrescentou em entrevista à Revista JC a Secretária de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF Manuellita Hermes.

Com capa ilustrada por imagem cedida pelo fotógrafo Sebastião Salgado – que retrata uma mulher da etnia Himba, registrada na Namíbia, em 2005 – a obra está organizada em quatro seções. A primeira e a segunda apresentam, respectivamente, conteúdo de doutrina e legislação, com o fim de divulgar as fontes de informação que contribuam para a ampliação dos conhecimentos a respeito de aspectos jurídicos de temas como cultura afro-brasileira, discriminação racial, racismo e outros.

Na terceira seção é apresentado conteúdo jurisprudencial recente para auxiliar na compreensão de como a Suprema Corte e seus órgãos colegiados aplicam as normas constitucionais, processuais e regimentais relacionadas à questão racial. Para aprimorar a experiência de acesso dos leitores, a pesquisa jurisprudencial destaca nos julgados as palavras e expressões relevantes para a pesquisa, como: racismo e políticas públicas para acesso ao ensino superior, Programa Universidade para Todos (Prouni), racismo e injúria racial, racismo e intolerância religiosa, políticas públicas de incentivos às candidaturas de pessoas negras, racismo e quilombolas, dentre outras.

A publicação também apresenta, na quarta seção, pesquisa de jurisprudência internacional de decisões proferidas por tribunais internacionais e altas cortes estrangeiras nos quais a temática racial foi apreciada. Os casos relatados analisam os limites entre a liberdade de expressão e a ofensa racial, os direitos de grupos raciais, bem como a aplicação do princípio da igualdade ante a discriminação em múltiplos aspectos da vida humana, tais como, em hospitais, escolas, universidades, sistema judicial e vestimenta étnica.

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Duas perguntas para a Secretária de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF, Manuellita Hermes

JC – Qual é o impacto que o STF espera que a obra alcance?
MH – O livro está completamente alinhado com a Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas, sobretudo no que concerne ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 10, alusivo à redução das desigualdades. O impacto esperado é exatamente este: disseminar o conhecimento e difundir as boas práticas normativas, doutrinárias e jurisprudenciais, a fim de reduzir as desigualdades que ainda atingem a população negra do nosso País, em um esforço para pavimentar um caminhar mais isonômico e digno em uma sociedade diversa e plural, que se pretende justa e democrática. 

JC – De que forma o livro conversa com o Pacto do Judiciário pela Equidade Racial?
MH – Vejo novembro de 2022 como um momento ímpar, de singular engajamento e sensibilidade do Poder Judiciário, que se valeu de um instrumental multifacetado voltado a combater o racismo estrutural por meio de várias iniciativas. No mês de novembro, além da exposição e da obra mencionadas, houve o julgamento da ADPF 634, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia. Em mais um caso histórico, o STF assentou a validade da lei do Município de São Paulo que instituiu o feriado da Dia da Consciência Negra.

Já no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Ministra Rosa Weber, Presidente do STF e do CNJ, lançou o Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, firmado com o STJ e com o TST, com o potencial de adesão de todos os tribunais do País. O Pacto e a obra dialogam na medida em que ambos consubstanciam ações de promoção da equidade e da transformação não só institucional, mas de toda a sociedade brasileira, com o objetivo de reduzir desigualdades e fomentar reparação e inclusão, em um cenário de relevante priorização de medidas antirracistas.