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O presente de grego

17 de outubro de 2022

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Heloísa reside em uma cidade do interior do Brasil, tem 52 anos de idade e dedicou sua vida à família. Com o divórcio e a saída dos filhos da casa, passou a se sentir solitária, descobrindo as redes sociais. Uma noite, recebeu convite de amizade de “um estrangeiro”. O homem, gentil e galanteador, disse ser capitão do exército alemão e estava fardado na foto de seu perfil. Explicou que falava bem português porque tinha morado no Brasil na juventude. Foram vários dias seguidos de conversa na Internet e Heloísa começou a se apaixonar por ele.

Já se consideravam namorados virtuais e a boa notícia foi quando ele contou que viria de férias para o Brasil, para conhecê-la pessoalmente e viajarem pelo País. Queria levá-la a Foz do Iguaçu para verem as Cataratas, a Salvador e à Floresta Amazônica. Havia, entretanto, uma preocupação que, na verdade, seria apenas um detalhe: precisava enviar o dinheiro antecipadamente por causa do limite imposto a viajantes, o que poderia dar problema tanto em sua saída da Alemanha quanto na entrada no Brasil.

Klaus, então, pediu o endereço de Heloísa para lhe mandar um presente, um pequeno cofre com o dinheiro que o casal usaria em seu tour pelo País.

O endereço foi fornecido e dois dias depois ela é contatada pela transportadora, que avisa que os custos do envio da encomenda tinham sido quitados na origem, mas o valor do frete tinha sido pago a menor e, portanto, ela teria que fazer o complemento da diferença para que a mercadoria seguisse ao destino. Era R$ 1 mil e poderia ser pago por depósito ou PIX para a conta indicada. Heloísa não dispunha desse montante e, assim, recorreu a uma amiga.

Um dia após ter efetuado a transferência, recebe uma notícia desanimadora: o pacote ficou retido na alfândega da Bolívia. Juntamente com essa mensagem, uma foto da embalagem com seu nome e endereço. Mas não deveria se preocupar porque era só uma questão burocrática e o pagamento de uma taxa resolveria. Assim, fez contato com o namorado alemão, que disse lamentar o transtorno e que, como o problema estava ocorrendo na América Latina e ele estava na Europa, pedia que Heloísa solucionasse a pendência.

Não tendo o dinheiro, fez empréstimo com um agiota na certeza de que agora tudo daria certo. Enviou o comprovante para a transportadora e dormiu mais tranquila aquela noite, sonhando com o encontro do amado e a prometida lua-de-mel.

Passados dois dias, nova informação da transportadora. A encomenda chegou no Brasil, mas a alfândega no Aeroporto de Guarulhos apreendeu a mercadoria e, como era dinheiro, tinha imposto de renda a ser pago: três mil reais.

Heloísa ficou desesperada com a má notícia. Mandou mensagem para o alemão, que repetiu o argumento da conversa anterior e disse que ela poderia se ressarcir desses prejuízos com o dinheiro que estava no cofre. Parecia razoável, só que agora não tinha a quem recorrer. Passou a noite em claro e, no meio da madrugada, encontrou a solução: ligar para um ex-patrão, que certamente haveria de lhe adiantar a quantia. 

Ansiosa por resolver o contratempo, às sete da manhã em ponto, telefonou para pedir o dinheiro. Apesar do sono, o ex-patrão escuta atentamente. Então, uma revelação: “Heloísa, não pague nada. Infelizmente, você caiu em um golpe”.

Sim, Heloísa caiu no golpe do falso presente, também chamado de golpe do amor. O nome da vítima foi trocado, mas o resto da história aconteceu. Há variações dessas armadilhas. No caso, era dinheiro em um cofre. Há outros em que a encomenda esperada são documentos para se dar entrada no pedido de habilitação do casamento. O perfil falso de militar contribui para o criminoso se proteger durante o desenrolar da artimanha, alegando que sua profissão impõe confidencialidade com relação a certas informações pessoais. E, como me contou um amigo policial, a fraude não é nova e faz vítimas todos os dias, sendo que a maioria não registra a ocorrência.

Matéria de Kevin Peachey, da BBC News, aponta que a maior parte das vítimas desses esquemas tem em torno de 50 anos e é composta por mulheres. O ano base foi 2018, na Inglaterra, indicando que a média de prejuízo das pessoas que reportaram o delito foi de 11.145 libras e que esses casos de fraude aumentam a cada ano.

Quanto aos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comércio (FTC), voltada para a proteção dos consumidores, revelou que as perdas sofridas com golpes sentimentais em 2021 foram de pelo menos 547 milhões de dólares, sendo as criptomoedas a forma de pagamento mais usada. Considerando a subnotificação, essa cifra certamente é bem mais alta.

Por fim, o enredo aqui tratado é menos sofisticado do que, por exemplo, o da série “O Golpista do Tinder”, na qual o estelionatário primeiro impressiona as vítimas com uma vida luxuosa para então lhes tirar o dinheiro. Mas, em comum, causam danos financeiro e emocional, sendo mulheres a maioria das vítimas.

Portanto, esses golpes precisam ser conhecidos para que as pessoas consigam detectar os seus sinais o quanto antes, prevenindo sua ocorrência. Do contrário, reviveremos no Século XXI a estratégia grega que derrubou Troia.