Edição 266
O presente de grego
17 de outubro de 2022
Wagner Cinelli de Paula Freitas Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
Heloísa reside em uma cidade do interior do Brasil, tem 52 anos de idade e dedicou sua vida à família. Com o divórcio e a saída dos filhos da casa, passou a se sentir solitária, descobrindo as redes sociais. Uma noite, recebeu convite de amizade de “um estrangeiro”. O homem, gentil e galanteador, disse ser capitão do exército alemão e estava fardado na foto de seu perfil. Explicou que falava bem português porque tinha morado no Brasil na juventude. Foram vários dias seguidos de conversa na Internet e Heloísa começou a se apaixonar por ele.
Já se consideravam namorados virtuais e a boa notícia foi quando ele contou que viria de férias para o Brasil, para conhecê-la pessoalmente e viajarem pelo País. Queria levá-la a Foz do Iguaçu para verem as Cataratas, a Salvador e à Floresta Amazônica. Havia, entretanto, uma preocupação que, na verdade, seria apenas um detalhe: precisava enviar o dinheiro antecipadamente por causa do limite imposto a viajantes, o que poderia dar problema tanto em sua saída da Alemanha quanto na entrada no Brasil.
Klaus, então, pediu o endereço de Heloísa para lhe mandar um presente, um pequeno cofre com o dinheiro que o casal usaria em seu tour pelo País.
O endereço foi fornecido e dois dias depois ela é contatada pela transportadora, que avisa que os custos do envio da encomenda tinham sido quitados na origem, mas o valor do frete tinha sido pago a menor e, portanto, ela teria que fazer o complemento da diferença para que a mercadoria seguisse ao destino. Era R$ 1 mil e poderia ser pago por depósito ou PIX para a conta indicada. Heloísa não dispunha desse montante e, assim, recorreu a uma amiga.
Um dia após ter efetuado a transferência, recebe uma notícia desanimadora: o pacote ficou retido na alfândega da Bolívia. Juntamente com essa mensagem, uma foto da embalagem com seu nome e endereço. Mas não deveria se preocupar porque era só uma questão burocrática e o pagamento de uma taxa resolveria. Assim, fez contato com o namorado alemão, que disse lamentar o transtorno e que, como o problema estava ocorrendo na América Latina e ele estava na Europa, pedia que Heloísa solucionasse a pendência.
Não tendo o dinheiro, fez empréstimo com um agiota na certeza de que agora tudo daria certo. Enviou o comprovante para a transportadora e dormiu mais tranquila aquela noite, sonhando com o encontro do amado e a prometida lua-de-mel.
Passados dois dias, nova informação da transportadora. A encomenda chegou no Brasil, mas a alfândega no Aeroporto de Guarulhos apreendeu a mercadoria e, como era dinheiro, tinha imposto de renda a ser pago: três mil reais.
Heloísa ficou desesperada com a má notícia. Mandou mensagem para o alemão, que repetiu o argumento da conversa anterior e disse que ela poderia se ressarcir desses prejuízos com o dinheiro que estava no cofre. Parecia razoável, só que agora não tinha a quem recorrer. Passou a noite em claro e, no meio da madrugada, encontrou a solução: ligar para um ex-patrão, que certamente haveria de lhe adiantar a quantia.
Ansiosa por resolver o contratempo, às sete da manhã em ponto, telefonou para pedir o dinheiro. Apesar do sono, o ex-patrão escuta atentamente. Então, uma revelação: “Heloísa, não pague nada. Infelizmente, você caiu em um golpe”.
Sim, Heloísa caiu no golpe do falso presente, também chamado de golpe do amor. O nome da vítima foi trocado, mas o resto da história aconteceu. Há variações dessas armadilhas. No caso, era dinheiro em um cofre. Há outros em que a encomenda esperada são documentos para se dar entrada no pedido de habilitação do casamento. O perfil falso de militar contribui para o criminoso se proteger durante o desenrolar da artimanha, alegando que sua profissão impõe confidencialidade com relação a certas informações pessoais. E, como me contou um amigo policial, a fraude não é nova e faz vítimas todos os dias, sendo que a maioria não registra a ocorrência.
Matéria de Kevin Peachey, da BBC News, aponta que a maior parte das vítimas desses esquemas tem em torno de 50 anos e é composta por mulheres. O ano base foi 2018, na Inglaterra, indicando que a média de prejuízo das pessoas que reportaram o delito foi de 11.145 libras e que esses casos de fraude aumentam a cada ano.
Quanto aos Estados Unidos, a Comissão Federal de Comércio (FTC), voltada para a proteção dos consumidores, revelou que as perdas sofridas com golpes sentimentais em 2021 foram de pelo menos 547 milhões de dólares, sendo as criptomoedas a forma de pagamento mais usada. Considerando a subnotificação, essa cifra certamente é bem mais alta.
Por fim, o enredo aqui tratado é menos sofisticado do que, por exemplo, o da série “O Golpista do Tinder”, na qual o estelionatário primeiro impressiona as vítimas com uma vida luxuosa para então lhes tirar o dinheiro. Mas, em comum, causam danos financeiro e emocional, sendo mulheres a maioria das vítimas.
Portanto, esses golpes precisam ser conhecidos para que as pessoas consigam detectar os seus sinais o quanto antes, prevenindo sua ocorrência. Do contrário, reviveremos no Século XXI a estratégia grega que derrubou Troia.