O sistema de precedentes no Código de Processo Civil e o papel uniformizador da jurisprudência do STJ

13 de janeiro de 2020

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O legislador constituinte, no artigo 104 da Carta Magna, criou o Superior Tribunal de Justiça (STJ), com o propósito de uniformizar a interpretação da legislação federal em todo país.

Entretanto, sem um sistema de precedentes ao tempo da Constituição de 1988, e sob a vigência do Código de Processo Civil de 1973, o que se viu foi um tribunal que produzia sua próprio jurisprudência, notadamente nos recursos especiais, mas não conseguia cumprir seu papel uniformizador, na medida em que tribunais de segundo grau e juízes de primeiro grau, não estavam obrigados a seguir a orientação da Corte Superior, sendo certo, ainda, que a reforma de decisões inferiores que contrariavam o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, não raro, esbarravam naquilo que se decidiu chamar de “jurisprudência defensiva”.

Muito embora não seja o tema central deste artigo, vale transcrever o comentário de José Carlos Barbosa Moreira acerca do efeito provocado nas partes e seus defensores, causados a partir da aplicação excessiva da jurisprudência defensiva: “É inevitável o travo de insatisfação deixado por decisões de não conhecimento; elas lembram refeições em que, após os aperitivos e os hors d’oeuvre, se despedissem os convidados sem o anunciado prato principal”.

Muito bem.  Com o propósito de organizar um sistema de precedentes que pudesse prestigiar, dentre outras, a função uniformizadora do Superior Tribunal de Justiça, o Código de Processo Civil de 2015, no artigo 926, contemplou a previsão de que os tribunais “devem” uniformizar a sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

A valorização da jurisprudência está presente em inúmeros dispositivos do Código de Processo Civil de 2015, com destaque para o instituto da tutela de evidência (art. 311, II); improcedência liminar do pedido (art. 332) e, ainda, o cabimento de reclamação (art. 988), entre outras hipóteses.

Mas, definitivamente, sobressai o papel uniformizador do Superior Tribunal de Justiça, a partir do que dispôs o artigo 927 do Código de 2015, que elencou diversos provimentos judiciais que passam a ser vinculantes e, portanto, de observância obrigatória.

Rapidamente, a doutrina se debruçou sobre esses dispositivos que tratam do sistema de precedentes e teve início o debate a respeito do alcance dessas normas processuais, notadamente qual seria a correta interpretação semântica do termo “observarão” contido no art. 927, caput, do NCPC.

Ninguém melhor e com maior autoridade do que o próprio Superior Tribunal de Justiça para decidir essa questão, no âmbito do Poder Judiciário, sem prejuízo do papel que é reservado à doutrina na ciência jurídica.

O ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ, no Agravo Interno em Agravo em Recurso Especial n. 1.427.771-SP, julgado no dia 24 de junho de 2019, enfrentou essa questão quando decidiu o seguinte:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRODUÇÃO DE PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. SUFICIÊNCIA DAS PROVAS. DEVER DE MOTIVAÇÃO. ART. 927 DO CPC. ACÓRDÃO E SENTENÇA DAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. NÃO CONSTAM DO ROL PRECEDENTES VINCULANTES. INEXISTÊNCIA DO DEVER DE ANÁLISE PORMENORIZADA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. HONORÁRIOS RECURSAIS. MAJORAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. REVISÃO INVIÁVEL. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

(…)

4. Com exceção dos precedentes vinculantes previstos no rol do art. 927 do CPC, inexiste obrigação do julgador em analisar e afastar todos os precedentes, acórdãos e sentenças, suscitados pelas partes.

(…)

Portanto, o que se tem a partir da interpretação do Superior Tribunal de Justiça é que o alcance do vocábulo “observarão” remete o julgador aos incisos do artigo 927 do Código de Processo Civil que elenca os precedentes vinculantes,  dotados, conforme o caso, de eficácia normativa ou intermediária, na lição do i. ministro Luiz Roberto Barroso.

Para além disso, não é obrigado o magistrado ou a Corte, imiscuir-se nos “precedentes, acórdãos e sentenças suscitados pelas partes”, conforme se lê do voto do ministro Luiz Felipe Salomão, do STJ.

O que se extrai do caso concreto é que a parte pretendia que o tribunal estadual aplicasse o mecanismo de associação ou distinção entre a situação retratada nos autos e outra assemelhada enfrentada noutro julgamento, tanto em primeira como em segunda instância, indicado a título de “precedente”.

O relator, então, afastou a violação aos artigos 489 e 1.022 do NCPC, aduzindo com propriedade que “a referida sentença, bem como o acórdão supracitado não constam do rol do art. 927 do CPC, o qual aponta lista dos precedentes qualificados de observância obrigatória dos julgadores, os quais, quando não aplicados, necessitam de distinção expressa e fundamentada para serem afastados”.

Portanto, andou muito bem o Superior Tribunal de Justiça, a partir do voto do ministro Luiz Felipe Salomão, no caso acima indicado, no exercício da função uniformizadora da Corte, ao lançar luzes sobre o alcance da expressão semântica “observarão” contida no artigo 927 do Código de Processo Civil, com o propósito de segregar decisões com eficácia normativa de outras com perfil meramente persuasivos, com o propósito de valorizar o sistema de precedentes brasileiro de caráter vinculante e torna-lo seguro para os operadores do sistema de justiça.

É bem verdade que essa decisão da Quarta Turma do STJ não possui a natureza de precedente qualificado e de observância obrigatória, já que está fora do elenco do artigo 927 do CPC; entretanto, por se tratar de uma decisão alicerçada em fatos relevantes e totalmente inovadora, certamente  assume a posição de precedente e influenciará nos casos futuros, inegavelmente.

Notas________________________

1 Prática adotada pelos tribunais brasileiros, em especial, as cortes superiores, para o não conhecimento dos recursos em razão do apego formal e rigidez excessiva em relação aos pressupostos de admissibilidade recursal.

2 Restrições ilegítimas ao conhecimento dos recursos”, Forense, Rio de Janeiro, v. 386, 2006, p. 155.

3 https://www.conjur.com.br/dl/artigo-trabalhando-logica-ascensao.pdf