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O uso da mediação nos processos de insolvência

16 de abril de 2020

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Embora não exista previsão expressa na Lei nº 11.101/2005 acerca da possibilidade de utilização da mediação em processos de insolvência, desde 2015, com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) e da Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015), o instituto vem se desenvolvendo e sendo utilizado em processos de recuperação judicial e falência.

A mediação é um método alternativo de resolução de conflitos que busca facilitar o diálogo entre as partes, permitindo que elas cheguem a uma solução consensual. O mediador reduz a temperatura emocional presente na maioria dos conflitos, ajudando as partes a enxergarem situações ou soluções que estavam escondidas ou fora do foco. Ele não impõe decisões, não diz quem está certou ou errado e nem propõe formas de acordo. Ele auxilia na comunicação entre as partes para que elas, juntas, alcancem o consenso.

No contexto atual de forte judicialização, contando o Poder Judiciário brasileiro com acervo de mais de 80 milhões de processos aguardando julgamento, investir e incentivar em métodos alternativos de solução de controvérsias deve ser um objetivo comum. Não há como se ter dúvidas de que negociar, acordar, conciliar ou mediar sempre será melhor do que litigar. A busca pelo consenso, pela pacificação social e pela desjudicialização é um projeto que merece ser abraçado por todos.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou recentemente a Recomendação 58/2019 que, como o próprio nome indica, recomenda a todos os magistrados responsáveis pelo processamento e julgamento dos processos de recuperação empresarial e falências, de varas especializadas ou não, que promovam, sempre que possível, nos termos da Lei nº 13.105/2015 e da Lei nº 13.140/2015, o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo.

A mediação pode ser implementada em várias hipóteses nos processos de insolvência, cabendo citar os seguintes exemplos:

I – nos incidentes de verificação de crédito, permitindo que devedor e credores cheguem a acordo quanto ao valor do crédito e escolham critérios legalmente aceitos para atribuição de valores aos bens gravados com direito real de garantia, otimizando o trabalho do Poder Judiciário e conferindo celeridade à elaboração do Quadro Geral de Credores;

II – para auxiliar na negociação de um plano de recuperação judicial, aumentando suas chances de aprovação pela Assembleia Geral de Credores sem a necessidade de sucessivas suspensões da Assembleia;

III – para que devedor e credores possam pactuar, em conjunto, nos casos de consolidação processual, se haverá também consolidação substancial;

IV – para solucionar disputas entre os sócios/acionistas do devedor;

V – em casos de concessionárias/permissionárias de serviços públicos e órgãos reguladores, para pactuar acerca da participação dos entes reguladores no processo; e

VI – nas diversas situações que envolvam credores não sujeitos à recuperação, nos termos do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, ou demais credores extraconcursais.

Os acordos realizados serão homologados pelo magistrado responsável pela condução do processo de recuperação ou falência, que sempre poderá exercer o controle de legalidade sobre o acordo.

A mediação pode ser feita extrajudicialmente ou judicialmente, podendo o magistrado nomear o mediador que auxiliará as partes. Pode se dar entre duas ou mais partes, dependendo do seu objeto.

O procedimento de mediação pode ser conduzido de forma presencial ou virtual. O uso de plataformas online pode ser estimulado, por exemplo, em processos de insolvência que tenham muitos credores, em diferentes localidades do Brasil e até no exterior.

Aliás, a solução online de controvérsias – em inglês ODR, online dispute resolution – em recuperações e falências está em perfeita sintonia com o art. 334, §7º do CPC e o art. 46 da Lei de Mediação, que preveem a realização de audiências de mediação por meios eletrônicos.

O Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que mediação é compatível com os processos de insolvência. Ao apreciar o Pedido de Tutela Provisória nº 1.409-RJ, o relator autorizou a realização da mediação do Grupo Oi (em recuperação judicial) com seus credores, sob o fundamento de que “a Lei nº 11.101/2005 não traz qualquer vedação à aplicabilidade da instauração do procedimento de mediação no curso de processos de Recuperação Judicial e Falência”.

Em outro julgado, o STJ também autorizou a instauração de mediação entre empresa em recuperação judicial e credor com garantia fiduciária, após pedido das partes nos autos do Recurso Especial nº 1.692.985-SP, ao considerar que “o Código de Processo Civil de 2015 impõe ao Poder Judiciário o dever de estimular os métodos de solução consensual de conflitos, inclusive no curso do processo judicial e em qualquer fase que se encontre (art. 3º, § 3º, CPC/2015)”.

O Conselho da Justiça Federal editou, nas Jornadas de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígio, o Enunciado 45, segundo o qual “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.

Como exemplo de mediação exitosa, podemos citar o caso emblemático da recuperação judicial do Grupo Oi. O juízo da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro instaurou mediações entre as recuperandas e credores estratégicos relevantes, acionistas e até mesmo com a agência reguladora do sistema de telefonia.

Além dessas mediações presenciais e estratégicas, ao longo do processo foram instaurados três grandes procedimentos de mediação online: (i) Programa de Acordo com Credores – até R$ 50 mil; (ii) Mediação dos Incidentes Processuais; e (iii) Mediação de Créditos Ilíquidos. Já foram celebrados mais de 50 mil acordos na plataforma criada para esse fim, com a extinção de milhares de demandas.

Há outros vários casos de mediações bem sucedidas e, certamente, com a nova Recomendação do CNJ, o uso da mediação em processos de insolvências tende a aumentar. O caminho para a mudança da cultura da judicialização é longo e árduo, mas quanto mais falarmos sobre métodos alternativos de solução de controvérsias, mais rápido chegaremos lá.