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Os projetos de Código Comercial e a revisão da legislação empresarial

8 de abril de 2019

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Tramitam no Congresso Nacional dois projetos de lei que têm por escopo instituir um novo Código Comercial brasileiro. O primeiro deles é o Projeto de Lei no 1.572/2011, da Câmara dos Deputados; o segundo, o Projeto de Lei no 487/2013, do Senado Federal.

O Projeto da Câmara, de autoria do Deputado Vicente Cândido (PT-SP), foi objeto de inúmeros debates junto a entidades representativas de classe, entidades políticas e sociedade civil, e contou com os trabalhos de uma Comissão de Juristas para assessorar a Comissão Especial instituída para proferir parecer acerca da proposição. O Projeto do Senado originou-se de um anteprojeto elaborado por uma Comissão de Juristas, sendo formalmente apresentado pelo Senador Renan Calheiros (MDB-AL).

A proposta legislativa da Câmara dos Deputados teve seu texto bastante aproximado ao do Senado Federal, a partir do Substitutivo ofertado pela aludida Comissão Especial, tendo por relator-geral o Deputado Paes Landim (PTB-PI).

A concepção de um novo Código Comercial arrima-se no sentimento de que o Direito Comercial vem passando por uma crise de identidade a partir da unificação das relações de Direito Privado promovida pelo Código Civil de 2002. A sugestão de criação do novo digesto mercantil vem justificada pelos seus proponentes como o meio adequado de dotar o sistema jurídico brasileiro de um ordenamento específico e afeito ao Direito Comercial, levando em consideração sua especialidade e ainda a importância de suas regras para o desenvolvimento econômico e social do País. Essa codificação, mesmo persistindo algumas leis esparsas, tem por premissa maior o encontro da sistematicidade e da unicidade no universo jurídico comercial.

Sobre os textos propostos, podem ser destacados diversos pontos de convergência conceitual. Em ambos os projetos, como atualmente postos, optou-se por manter as disciplinas das Sociedades Anônimas e da Crise da Empresa em diplomas especiais e hoje vigentes: as Leis no 6.404/76 e no 11.101/2005, respectivamente. Nesta última, as proposições limitam-se a dispor, no corpo normativo do Código, sobre os princípios aplicáveis à falência e à recuperação de empresas, a contemplar a falência transnacional ou transfronteiriça – sendo esta verdadeira lacuna deixada pela lei de 2005 – além de apresentar alterações pontuais na Lei no 11.101, visando aperfeiçoá-la.

As proposições legislativas, é pertinente o destaque, procuram oferecer um Código principiológico, não só listando os princípios informadores do Direito Comercial, mas também explicitando o seu conteúdo. Essa opção tem sido alvo de opiniões divergentes e debates acalorados por seus defensores e opositores. É um ponto de efetiva sensibilidade.

Aqueles que são favoráveis à ideia partem da premissa de que o Direito Comercial é dotado de princípios que lhe são próprios, mas que, por restarem esgarçados e dispersos, não têm sido prestigiados em inúmeras decisões judiciais, fator esse irradiador de graves riscos à segurança jurídica. Acreditam que a enunciação desses princípios na ordem positivada se apresenta como eficaz remédio a esse quadro de insegurança vislumbrado.

Em posição contrária, alinha-se o argumento de que a delimitação dos princípios, a partir da explicitação de seu conteúdo nos dispositivos normativos, proposta nos textos projetados, não será suficiente antídoto para o que se tem experimentado e nominado de “farra principiológica”, mas, ao revés, poderá se apresentar como fonte de abastecimento da multiplicação dos conflitos envolvendo regras e princípios.

Dentre os eixos temáticos abordados em ambos os projetos, destaco como positivos:

a) drástica redução da dicotomia entre as atividades empresárias e não empresárias no plano do Direito societário. Passa a não mais existir a distinção entre sociedade simples e empresária. Assim, independentemente do objeto social ou da forma de o explorar, a sociedade estará sujeita ao regime do Direito Comercial. São passíveis de ser excluídas desse regime as “sociedades profissionais”, que poderão ter características e regras próprias, a partir de disciplina traçada em lei especial;

b) uniformização das regras sobre operações societárias, eliminando-se a duplicidade de regimes hoje existentes, a partir da entrada em vigor do Código Civil de 2002. Adota-se o regramento da Lei do Anonimato para a disciplina das operações de fusão, cisão, incorporação e transformação, com adaptações apenas em relação a sua utilização em outros tipos societários;

c) alteração do regime jurídico da sociedade limitada, apresentando uma disciplina mais flexível e simplificada, própria desse tipo societário, muito utilizado por micro, pequenas e médias empresas. Prestigiam a contratualidade da limitada, permitindo mais autonomia aos sócios para definir as suas relações societárias, além de consagrar a sociedade limitada unipessoal;

d) modernização da legislação da duplicata, prestigiando o título como um documento essencialmente eletrônico;

e) aperfeiçoamento da disciplina da desconsideração da personalidade jurídica, visando aclarar seus limites de aplicação; e

f) fortalecimento das normas de autorregulação, reconhecendo-as como fonte normativa do Direito Comercial.

As críticas frequentes aos projetos de Código Comercial convergem em dois pontos fundamentais: a própria falta da necessidade de uma nova codificação e os impactos econômicos de uma revisão ampla e profunda da legislação comercial.

Sem querer entrar no mérito desses posicionamentos, os quais suscitam reflexões profundas e muitas delas com pertinência – até mesmo por falta de adequação à forma dessa simples resenha – o certo é que o aprimoramento e a atualização da legislação são demandas cada vez mais frequentes numa economia globalizada. Seja por meio de um novo diploma codificado, seja através de reformas pontuais na legislação em vigor, parece-me que as matérias acima destacadas retratam substancial demanda de efetiva parcela dos empresários e profissionais ligados ao Direito empresarial. Não se deve deixar passar esse momento de reflexão e discussão para propor essa revisão positiva da legislação, seja em espectro mais amplo como o de um Código, seja em uma dimensão mais reduzida, com modificações específicas na legislação vigente, naqueles pontos em que não mais responde aos paradigmas de uma legislação empresarial contemporânea.