Páginas verde-amarelas

22 de abril de 2015

Compartilhe:

verde_amarelaFoi lançada, na manhã do dia 5 de fevereiro, no prédio da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio de Janeiro, a obra “Estudos de Direito Constitucional: Homenagem a J. Bernardo Cabral”, que registra a passagem do primeiro quarto da chamada “Constituição Cidadã”. A Carta de 1988, um marco no constitucionalismo nacional e na história da estabilidade política do Brasil, destaca-se por uma peculiaridade: nenhuma outra constituição, de qualquer nação, contou com tantas cabeças, braços e corações para sua elaboração. Pensando nisso, a Editora JC produziu, com o apoio da OAB/RJ, um livro com artigos de destacadas personalidades do meio jurídico brasileiro, como Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Francisco Rezek, Luiz Fux, Luis Felipe Salomão, Felix Fischer, Ernane Galvêas e Ives Gandra da Silva Martins, com o objetivo de homenagear o Senador Bernardo Cabral, por sua exemplar e inspiradora atuação como relator-geral da Assembleia Constituinte.

A cerimônia, realizada pela Editora JC e pela OAB/RJ com o apoio do Instituto Justiça & Cidadania, contou com a presença do presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz; do desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho, presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro; do presidente do Instituto dos Advogados do Brasil (IAB), Técio Lins e Silva; da desembargadora Salete Maccalóz, corregedora-geral do Tribunal Regional Federal da 2ª Região; do Dr. Álvaro Quintão, presidente do Sindicato dos Advogados do Rio de Janeiro; do jornalista Orpheu Salles, editor da Revista Justiça & Cidadania; e de Tiago Salles, presidente do Instituto Justiça & Cidadania; além do homenageado do dia, o advogado e senador José Bernardo Cabral.

Superação e coragem

Felipe Santa Cruz deu início à solenidade oficial de lançamento da obra e lembrou que esta foi produzida com o propósito de prestar homenagem à trajetória do “grande homem e advogado” Bernardo Cabral. Segundo Felipe, o relator-geral da Assembleia Constituinte de 1988 deu o seu melhor à Ordem dos Advogados do Brasil, inclusive superando momentos adversos de forma “voluntária e gratuita”.

O presidente da OAB/RJ ressaltou a coragem do homenageado nos tempos da ditadura: “Às vésperas do AI-5, Bernardo disse, em seu discurso, que preferiria ver a Câmara fechada a funcionando sem dignidade, sacrificando a própria trajetória por um bem maior, pelos princípios que constroem a República”.

A desembargadora Salete Maccalóz também elogiou a atuação do senador durante os anos de chumbo até a redemocratização. “Sua participação na Assembleia Geral Constituinte foi primorosa. Nós, do mundo jurídico, temos uma dívida muito grande com o senhor”, disse. “A sua honradez passou a certeza de que a Constituição era correta. Pensávamos, à época, ‘esta é a Constituição possível neste momento’, buscando aperfeiçoá-la com o tempo. Infelizmente não foi possível, ainda. Esperamos que o senhor mais uma vez nos ajude nisso”. E completa: “As minhas palavras para o senhor são de reconhecimento e agradecimento”.

Em sua fala, Técio Lins e Silva descreveu o senador Bernardo Cabral como um símbolo “pela sua figura humana, por sua capacidade de articulação, por ser uma pessoa fraterna e afetiva. Conheci o Bernardo ‘menino’ e estivemos a vida inteira juntos; com sua personalidade de cidadão brasileiro, de amigo, sempre presente nos eventos da classe. Um amigo sempre disposto a ouvir, atender, com um olhar generoso com o outro. E sempre com uma palavra de incentivo e amizade. Todas as suas qualidades estão postas no livro”. O presidente do IAB também lembrou que Cabral foi “vítima da ditadura, que deu a volta por cima e se fez senador”. Técio terminou sua fala com um agradecimento ao Instituto Justiça & Cidadania, nas pessoas de Orpheu Salles e Tiago Salles, pelo “grande serviço intelectual e jurídico que prestam ao País”.

 “Até o seu não é generoso”

A plateia divertiu-se quando o editor da Revista Justiça & Cidadania, Orpheu Salles, iniciou sua fala: “Uma das vantagens de um cidadão jovem como eu é poder ver as pessoas que construíram alguma coisa, como Bernardo Cabral. Eu ganho, até por osmose, no contato com ele, que até hoje me faz vibrar. Conheci as grandes personalidades políticas do País, sou um privilegiado”. Orpheu também citou a corajosa participação do advogado Técio Lins e Silva e do então deputado do MDB, Cabral, durante o governo militar. “Quando sofríamos nas prisões, eram pessoas como Técio e Bernardo que enfrentavam a ditadura por nós. Temos de continuar a luta deles. É preciso que lutemos irmanados contra a impunidade, a favor da moralidade e, para isso, Bernardo Cabral é um exemplo. O que nós precisamos é que todos lutem para melhorar este Brasil, que precisa ser engrandecido.”

O presidente do TJRJ, desembargador Luiz Fernando Ribeiro, falou de sua relação com o homenageado. “Acompanhei o senador quando foi relator-geral da Constituinte. Tive a sorte de vê-lo com um grupo de magistrados. Ele nos recebia com fidalguia e generosidade. Era difícil ouvi-lo dizer não. Até o seu ‘não’ era generoso.” Em seguida, Luiz Fernando comentou o trabalho de Cabral junto a Ulysses Guimarães: “A sua articulação política na Assembleia Constituinte fez que fundisse à Constituinte e ao relator-geral o papel de advogado. Bernardo Cabral e Dr. Ulysses (Guimarães) foram as figuras símbolo da Constituinte e do nosso País”. O presidente do TJRJ arrancou mais risos dos presentes: “Cabral não pertence só à advocacia. Este ‘monopólio’ seria ‘inconstitucional’. Graças a Bernardo Cabral, a advocacia tem função essencial para a Justiça. Ele honra a advocacia, sendo partícipe efetivo da reconstrução da democracia no Brasil”.

Em casa

O homenageado, durante seu tão esperado discurso, lembrou, emocionado, da relação que teve com o pai do presidente da OAB/RJ (Fernando Santa Cruz, preso e possivelmente assassinado pelo regime militar, pois seu corpo nunca foi encontrado). “A morte de seu pai e minha vivência nos une muito, Felipe.” E completa: “Estou em minha casa aqui (na OAB)”.

Cabral lembrou ainda de uma história que o desembargador Luiz Fernando Ribeiro de Carvalho contou durante a cerimônia de sua posse como presidente do TJRJ para o biênio 2015-2017. “Luiz Fernando, no alto da presidência do Tribunal de Justiça do Rio, trouxe à tona um antigo episódio em que eu havia profetizado sua posse justamente como presidente do TJ.” Cabral também ressaltou um dos seus “maiores orgulhos”, referindo-se a outro componente da mesa: “Pelas minhas mãos, Técio Lins e Silva entrou no Instituto dos Advogados Brasileiros”.

Bernardo Cabral segue citando (e agradecendo) os convidados da mesa: “Quero agradecer pela colaboração de Orpheu, assim como a de Tiago Salles e Felipe Santa Cruz. Eu me pergunto como foi possível colocarem tantos textos neste livro, uma missão árdua, e agradeço de público por isso”. Cabral contou uma passagem do livro, quando lhe perguntaram qual foi, dos cargos que já exerceu, o que lhe deu mais satisfação: “Respondi: ‘presidente da OAB’. Repito: aqui é minha casa”.

Sobre seu início na política, Cabral declarou: “Quando concluímos o curso de Direito, fizemos uma campanha pela Assembleia de nosso estado (Amazonas), que era fraca. Éramos cinco advogados jovens concorrendo ao cargo de deputado estadual. Fui eleito. Então veio o golpe militar. Um general foi a Manaus comandar a eleição indireta para governador. Fui contra, lembrando que, quando a vacância se desse antes dos dois anos, deveria haver eleição direta. Considerei isso um ‘estupro constitucional’.” O episódio quase desestimulou Cabral. “Eu ia desistir de ser político, mas ser advogado está nas veias”, lembra, orgulhoso. “Éramos trinta deputados estaduais, votei contra o nome indicado pela ‘revolução’ e ninguém me seguiu. Tornei-me líder da oposição, mas fui poupado de ser cassado. Em seguida, fui lançado a deputado federal, o mais votado do Amazonas. Éramos no MDB uns trinta deputados jovens, na casa dos 30 anos, e cheguei a fazer um discurso violento contra a ‘internacionalização’ da Amazônia. E na véspera do AI-5, no dia 12 de dezembro (de 1968), eu disse à imprensa que preferiria ver a Casa fechada a sem legitimidade.”

Da cassação à Constituinte

“Veio o AI-5 e o Congresso foi posto em recesso. Fui para o Rio, esperando que a coisa melhorasse. Mas vieram as cassações. Fui cassado duas vezes. Isso porque eles (os militares) não sabiam que José Bernardo Cabral e Bernardo Cabral eram a mesma pessoa. Já cassado, fui convidado a trabalhar nos Diários Associados por João Calmon (diretor-geral, ligado à Arena) e não aceitei. Eu disse: ‘Vou vencer no Rio sem ser empregado de ninguém’. E comecei em 1970 a frequentar o IAB. Lá, minha amizade com Sobral Pinto (1893-1991) cresceu muito. Acabei conselheiro da Ordem. Fui um dos três escolhidos como representante do IAB. A minha maior honra foi, sem dúvida, ter sido conselheiro federal da OAB. Depois, saí candidato avulso à secretário-geral da Ordem. Já no cargo, fui ameaçado pela ditadura, mas a OAB foi firme e suportou a pressão dos militares. José Ribeiro de Castro Filho foi o maior presidente da entidade na época da ditadura, um sujeito audacioso. E quando vieram as eleições de 1986, eu era ex-presidente da OAB, novamente candidato a deputado federal e reeleito. Mais tarde disputei a vaga de relator-geral da Assembleia Constituinte com Fernando Henrique Cardoso e Pimenta da Veiga. Durante o meu discurso, defendi minha candidatura dizendo que FHC vinha de outra área, sociólogo, e que Pimenta da Veiga não tinha a mesma experiência que eu, ex-presidente da OAB – além de deputado federal cassado, sem nenhum compromisso com os militares ou presidente. Pois FHC teve 81 votos e eu e Pimenta, 86. Fomos para o segundo turno. Pimenta teve 90 votos e eu, cento e onze, eleito relator. Devo tudo isso à OAB.”

Igualdade entre gêneros e defesa da advocacia

“Salete Maccalóz, aqui presente, digna e segura, sempre repetia nessa época a expressão ladies first, em defesa das mulheres. E eu, com todo o respeito, a corrigia: ladies ALWAYS first”, sob palmas do auditório. “Em seguida, incluí o inciso onde mulheres e homens são ‘iguais perante à lei’, como queria Salete. E também saí a defender a minha classe, com a emenda que trazia o advogado como indispensável para a administração da Justiça. O senador Roberto Campos (PDS) fez um discurso primoroso contra a emenda. Dizia: ‘E por que o médico – e outras categorias – não está aqui, igualmente indispensável para a saúde?’ Foi aplaudidíssimo. Segundo Campos, eu queria ‘reserva de mercado’ para o advogado. Mas antes que ele descesse da tribuna do Plenário, eu intercedi: ‘Senador, enquanto fui conselheiro federal da OAB, advogados foram presos encapuçados. Confundem o direito do advogado com credo. O advogado só quer saber se o direito do seu Cliente está sendo usurpado’.” E completou: “Senador, Napoleão dizia que se pudesse cortaria a língua dos advogados, mas, quando foi preso, buscou justamente os advogados para defendê-lo. Espero que nunca lhe cortem a língua. E logrei a vitória”.

Riocentro e Ministério

“Quando houve o atentado no Riocentro estive em Belo Horizonte e um repórter do jornal mais lido de Minas Gerais me procurou na OAB, para falar sobre o assunto: ‘A quem o senhor atribui o episódio da bomba?’ Respondi: ‘Você tem de procurar nos quintais do Palácio do Planalto.’ Quando fui Ministro da Justiça, a chefe de gabinete me entregou um processo de aposentadoria. Era justamente do delegado que havia me interrogado. Ela me disse em seguida que ele queria que eu o recebesse para que pudesse me agradecer. Contei à chefe de gabinete toda a história. ‘Diga ao delegado que não quero humilhá-lo como ele nos humilhava’.” Bernardo Cabral então encerra a sua fala e lembra mais uma vez do “orgulho de ter sido presidente do Conselho federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Muito obrigado”.

Aula Magna e mais homenagens na cidade natal

Já em solo amazonense, no início da manhã do dia 16 de março, Bernardo Cabral ministrou no Plenário Desembargador Ataliba David Antonio, sede do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM), a Palestra de Abertura do Ano Acadêmico da Escola Superior de Magistratura do Amazonas (Esmam). Na aula magna, o jurista voltou a destacar (como já havia feito semanas antes, no Rio de Janeiro) sua experiência como deputado-constituinte e relator, citando trechos da “Constituição Cidadã” de 1988. Após ministrar a palestra, Cabral foi condecorado com a Medalha do Mérito Acadêmico da Esmam. Logo após, o plenário abrigou o lançamento do livro em homenagem ao ex-senador manauara. Estiveram presentes autoridades como a presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, desembargadora Graça Figueiredo; o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello; o governador do Amazonas, professor José Melo; o presidente do Tribunal de Contas do Estado, Josué Filho; o prefeito de Manaus, Artur Virgílio Neto; o desembargador-corregedor do TJAM, Flávio Pascarelli; o desembargador-coordenador da Esman, Cláudio Roessing; os desembargadores João Simões, Domingos Chalub e Wellington Araújo; e o presidente do Instituto Justiça & Cidadania e editor da obra, Tiago Salles.

Orgulho amazonense

Em discurso, a desembargadora Graça Figueiredo destacou que, mesmo quando Bernardo Cabral teve o mandato cassado durante a ditadura militar, ele continuou trabalhando por um Brasil mais justo. “Por meio de sua profícua atuação parlamentar, lutou bravamente pela Justiça e pela igualdade dos homens durante períodos tristes e tenebrosos de nossa História. Mesmo quando foi cassado, nunca desistiu de sua causa maior: a defesa da liberdade e da democracia”, declarou. O governador José Melo lembrou que Cabral é um jurista reconhecido em todo o Brasil. “Pai de família exemplar, amazonense que tem defendido o nosso Estado em todos os diapasões. Na Constituinte, colocou a Zona Franca de Manaus de forma perene, o que representou para o Amazonas a retirada de sua dependência em relação com o resto do País.” E completou: “Qualquer homenagem a este homem é pouco pelo muito que ele já fez pelo País e por nosso Estado”. Para o ministro do STF Marco Aurélio Mello, que veio a Manaus especialmente para o evento, o Brasil não precisa de mais leis, “mas de homens públicos que observem o arcabouço normativo. Precisamos de um banho de ética. Bernardo Cabral, de trajetória marcante, honra a Amazônia”. Coordenador da Esman, o desembargador Cláudio Rosseing elogiou a atuação de Cabral como relator-geral da Constituição de 1988. “Bernardo Cabral é um cidadão dotado de inigualável saber jurídico, relator da lei maior do País e motivo de orgulho para o nosso Amazonas. Que sirva de exemplo para todos os operadores do Direito”, destacou Roessing.

Após ser homenageado em suas duas casas (na sede da OAB/RJ e em Manaus), o ex-senador falou, com exclusividade, à Revista Justiça & Cidadania.

Leia a íntegra:

Revista Justiça & Cidadania – Com base na sua experiência, como o senhor vê a Constituição Brasileira em relação a de outros países? 

Bernardo Cabral – Se for lembrado o instante histórico em que a atual Constituição Brasileira foi elaborada ela é, sem dúvida, em relação a outros países, a mais adiantada, sobretudo no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, Capítulos I e II. E, fora dele, o Capítulo VI, da Ordem Social, que trata do Meio Ambiente, foi pioneiro em consagrar, mundialmente, o tema a nível constitucional e hoje serve de exemplo para o resto do mundo.

RJC Estamos mais próximos de uma democracia plena do que na época em que o senhor foi relator-geral da Constituinte (1988)? 

BC – Sim. E isso se deve exatamente à Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988, porque soterrou ela a época do obscurantismo e firmou a liberdade de expressão, a liberdade de comunicação, o acesso à informação, o sigilo da fonte, o fim da censura, entre tantos comandos constitucionais do mais alto valor significativo.

RJC – Quais foram os avanços mais importantes que o senhor destacaria no Judiciário nos últimos anos – na área do Direito Constitucional – e os maiores desafios ainda enfrentados? 

BC – Os avanços foram muitos, mas citaria apenas alguns: o alongamento das garantias fundamentais, com ênfase para o habeas data, o mandato de injunção, a garantia do devido processo legal, o mandato de segurança coletivo, a imprescritibilidade de certos delitos gravíssimos etc. Além do que se consagrou o fortalecimento do Ministério Público, com o combate sem trégua à corrupção, tornando-o uma instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais disponíveis. O maior desafio a ser enfrentado – e já se deu a partida com o Novo Código de Processo Civil – será a maior celeridade na prestação jurisdicional.

RJC – Como o senhor vê o momento político do País?

BC – Vejo com apreensão, para não usar a expressão com tristeza. O Governo não conseguiu pagar um centavo dos R$ 311 bilhões de juros sobre a dívida pública e, ao contrário, registrou um “déficit primário” de R$ 32,5 bilhões e elevou a dívida pública a 63,4% do PIB. E o problema sério da Petrobras. Daí o clamor popular nas ruas, nas casas, nos bares, agravados pela especulação de um impeachment.

RJC – O aprimoramento do ensino de cidadania ainda na educação básica – incluindo direitos e deveres presentes na Constituição Federal – seria uma forma de aproximar o aluno das leis e, por conseguinte, contribuir para a conscientização sociológica, política e jurídica da sociedade?

BC – Sem dúvida. E o fio condutor filosófico da Constituição é nesse sentido, porque o aluno irá entender que nós conseguimos sair, a partir de 1988, de uma excepcionalidade institucional para um reordenamento constitucional. E será nesse aprimoramento da cidadania que o aluno compreenderá que não se pode conviver com o fantasma de períodos autoritários, e sim respirando o ar saudável das liberdades públicas e civis. Vale dizer: é uma forma de “contribuir para a conscientização sociológica, política e jurídica da sociedade”.

RJC – Quais são para o senhor, no atual momento do País, as bandeiras prioritárias que signifiquem uma real mudança de rumo? E como os Três Poderes devem trabalhar para que elas sejam implementadas?

BC – Basta uma bandeira: realizar a Constituição, tarefa superior pela qual são responsáveis principais os agentes políticos dos três Poderes da República: os Congressistas, porque lhes cabe o dever primário de complementar e integrar o texto da Constituição; os Magistrados nacionais, especialmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, uma vez que muitos dispositivos da Constituição são imediata e diretamente aplicáveis, mas o Judiciário não lhes explorou as virtualidades; e, finalmente, o próprio Presidente da República que, lamentavelmente, até hoje mantém, qualquer que seja ele, o vezo eventual da hegemonia do Executivo, dando-lhe ares de presidencialismo imperial.

RJC – O senhor se diz, antes de tudo, advogado, e fala com muito orgulho da profissão, sobretudo por ter sido presidente do Conselho Federal da OAB. Qual a maior contribuição que o exercício da advocacia traz – e ainda pode vir a trazer – à sociedade?

BC – Tenho repetido, reiteradas vezes, que o cargo que mais me honrou, ao longo da minha intensa vida pública – exatamente 50 anos – foi o de ter exercido o de Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (biênio 1983-1985). A contribuição que o exercício da advocacia traz à sociedade é que ela, por meio da OAB, cresce muito no conceito popular quando a repressão é aguda, instante em que o Estado de Direito está adormecido e, portanto, as prerrogativas constitucionais desaparecem. E aí a sua luta para reordenamento democrático – a volta plena ao Estado de Direito – é incessante, corajosa, destemida. E ao cessar essa anormalidade, a OAB passa a desfraldar outras bandeiras, tais como a melhoria do Poder Judiciário; o aprimoramento do ensino jurídico etc. Na minha gestão, lutei muito pelo aprimoramento do ensino jurídico e consegui inclusive, junto ao Ministro da Educação de então (Rubem Ludwig), fechar uma chamada Faculdade de Direito de fins de semana, por praticar o ensino como comércio. Só não consegui tornar o exame da Ordem obrigatório, que havia sido instituído pelo Estatuto da Ordem, de 1963. Hoje, no entanto, ele é uma realidade, altamente satisfatória, porque na reforma estatutária de 1994 passou a ser obrigatório para o ingresso nos seus Quadros. Ademais, a OAB é ouvida pelo Ministério da Educação quanto à criação de novas Faculdades, o que representa grande contribuição à sociedade. Isso porque a criação de novas Faculdades passa pelo crivo de formar bacharéis à altura e o exame de Ordem obrigará ao advogado ser capaz de estar mais bem preparado para defender os direitos e patrocinar os interesses dos seus eventuais clientes.