Participação feminina no Poder Judiciário Federal

7 de março de 2020

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A participação feminina no Poder Judiciário é fundamental para a democracia. Apesar disso, existe um déficit de representatividade feminina no Poder Judiciário brasileiro. As pesquisas indicam que as mulheres correspondem a 51,6% da população brasileira, enquanto as juízas representam apenas 38,8% do total de magistrados no País. Deste já baixo percentual, quase a metade dele, 45,7%, é formado por juízas federais substitutas, contingente bem superior aos 25,7%, correspondente ao número de desembargadoras.

Esse último dado revela a sobre-representação feminina nos níveis mais baixos da carreira, apontando para o fenômeno denominado teto de vidro. O glass ceiling representa a circunstância na qual as mulheres, embora tenham aumentado sua participação no mercado de trabalho nas últimas décadas do Século XX, têm encontrado obstáculos à ascensão aos cargos mais elevados. Ele não é prerrogativa do Poder Judiciário. É encontrado no Parlamento, nas universidades, nas empresas e nos escritórios de advocacia.

Além da baixa representatividade feminina e da presença elevada das mulheres nos cargos de menor hierarquia, as pesquisas apontam para o que poder ser considerada uma estagnação da participação delas nos cargos de segunda instância. O percentual de 25,7% de mulheres nos tribunais é muito parecido com a média dos últimos dez anos, que é de 24,9%.

Esse último dado desafia a noção do senso comum, de que a passagem do tempo seria suficiente para dar conta de ampliar o número de mulheres nos cargos de maior nível hierárquico.

As disparidades, no entanto, diferem de acordo com a região e entre as justiças dos estados, Federal, do Trabalho e Militar. São também mais acentuadas na Justiça Federal do que na média geral.

A pesquisa “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”, promovida e divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em março de 2019, revela que houve uma redução do contingente de magistradas federais, de 34,6% em 2008 para 31,2% em 2018. Entre as desembargadoras federais, a redução do contingente foi ainda mais  acentuada. A porcentagem atual de 20,3% é menor do que a média da participação feminina neste seguimento hierárquico nos últimos dez anos, que é de 24,5%.

O maior contingente na Justiça Federal é de juízas federais substitutas, 37,1% em comparação a 29,5% das juízas federais titulares, o que reproduz o padrão já anteriormente observado, da sobre-representação feminina nos níveis mais baixos da carreira.

Pesquisas desenvolvidas pela Comissão Ajufe Mulheres apresentam um quadro ainda mais detalhado sobre essa realidade. Em março de 2019, a Comissão publicou a Nota Técnica nº 2, resultado da análise de dados solicitados, a pedido da Comissão, pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) aos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs) do País, a qual revela informações sobre a participação feminina no Poder Judiciário Federal.

Informações coletadas nos TRFs da 2ª Região, 3a Região e 4a Região apontam significativa diferença entre as porcentagens de promoção por antiguidade e por merecimento entre mulheres. Enquanto no TRF2 a promoção por antiguidade entre mulheres é da ordem de 40%, as promoções por merecimento atingem o baixo percentual de 11%. No TRF3, as promoções por antiguidade e por merecimento correspondem a 40% e 29%, respectivamente, enquanto no TRF4 essa diferença é de 35% para 18%.

O TRF5 constitui, no entanto, o caso mais emblemático: entre os 15 cargos de desembargador federal, nenhum deles é ocupado por uma mulher, e na sua história, jamais uma juíza foi promovida a desembargadora.

Diversos fatores podem ser apontados para explicar a baixa ascensão das mulheres na carreira. Há quem argumente que as mulheres promovem menos porque o número delas é menor na base, ou porque as juízas se candidatam menos às promoções, em comparação aos colegas juízes. Não há até o momento pesquisas que comprovem, nem que refutem, essa dinâmica.

De qualquer modo, a comparação entre promoções por merecimento e por antiguidade, entre mulheres, neutraliza esses argumentos. Para essa análise, não importa se a proporção de mulheres é menor na base, ou se elas concorrem mais ou menos às promoções dos que os homens, porque a comparação se dá entre as própria mulheres. Sob esse ângulo, importa reconhecer que elas promovem em proporções significativamente menores quando o critério é subjetivo – merecimento – em comparação a um critério objetivo – antiguidade – revelando a presença de fatores que interferem nos critérios subjetivos de escolha.

A Comissão Ajufe Mulheres também se debruçou sobre os dados a respeito da participação feminina em bancas e concurso na Justiça Federal. Embora as mulheres correspondam a mais do que a metade da população e a aproximadamente 39% do total de juízes no País, sua participação média como membro titular em bancas de concurso perfaz algo em torno de 10%. O TRF4 e o TRF5 são os que apresentam a menor taxa de representatividade feminina, 3,5% e 4,65%, respectivamente, enquanto no TRF3 essa porcentagem é de 25,5%.

A baixa representatividade feminina nas bancas de concursos, espaço institucional de enorme relevância, reforça o afirmação de que as mulheres encontram maiores dificuldades de inserção nos espaços nos quais as escolhas são determinadas por critérios subjetivos.

Esse breve apanhado de informações confere um panorama na participação de mulheres na magistratura, do qual pode-se extrair como conclusão: baixa representatividade das mulheres no Poder Judiciário, sobre-representação feminina nos níveis mais baixos da carreira e estagnação do número de mulheres em cargos de segunda instância. Especificamente na Justiça Federal, há indicadores que demonstram uma retração do números de magistradas na média geral, circunstância que se acentua nos cargos de segundo grau. É possível apontar ainda, maiores dificuldades de ascensão na carreira e acesso a cargos, quando eles ocorrem por critérios subjetivos.

Ajufe Mulheres – Preocupada com as consequências em termos de pluralidade que essa realidade impõe aos tribunais no País, a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) criou em 2017 a Comissão Ajufe Mulheres, fórum permanente de discussão sobre representatividade feminina no Poder Judiciário e de reflexão sobre as dinâmicas que conduzem as mulheres, enquanto categoria, a lugares de invisibilidade.

A atuação da Comissão se dá, basicamente, sobre três eixos: pesquisas, publicações e eventos científicos. As pesquisas, além de apresentar os números sobre a participação das mulheres na carreira, são indispensáveis para identificar obstáculos a essa participação, entender sua evolução, identificar causas e propor caminhos para trajetórias mais plurais.

No propósito de alcançar tais objetivos, a Comissão promoveu diversas pesquisas. Entre elas encontra-se um questionário voltado às juízas federais sobre o perfil das magistradas, bem como sobre sua opinião a respeito das dificuldades relacionadas à condição feminina, cujos dados estão disponíveis na Nota Técnica 01. Conforme já referido, a Comissão publicou, em março de 2019, a Nota Técnica 02, a qual revela o panorama da participação feminina no Poder Judiciário Federal, desde a inscrição no concurso, até as promoções aos Tribunais, inclusive comparando promoções por merecimento, com promoções por antiguidade, passando por dados de bancas de concurso. Digna de nota, ainda, é a pesquisa sobre a representatividade feminina nas bancas de concurso, cujas informações já foram apresentadas anteriormente.

Além disso, o Ajufe Mulheres também atua junto aos órgãos gestores do Poder Judiciário para requerer o desenvolvimento de pesquisas mais amplas, cujo resultado, entre outros, é o relatório “Diagnóstico da Participação Feminina no Poder Judiciário”, promovida e divulgada pelo CNJ em março de 2019. Essa pesquisa, pela primeira vez, contemplou juízas e servidoras de todo o Brasil, com recortes por ramo da Justiça, tribunal, cargo e nível na carreira, mediante análise da evolução nos últimos dez anos.

A Comissão também atua com publicações. Entre as mais relevantes, a obra “Magistratura equidade: estudos sobre raça e gênero no Poder Judiciário”, a qual contempla artigos escritos majoritariamente por juízas e juízes, que abrangem tanto a questão da paridade de gênero, quanto refletem sobre os viéses implícitos, expectativas e estereótipos que influenciam a prática cotidiana dos juízes.

A coletânea “Conhecendo as Juízas Federais” é uma publicação que, por meio de entrevistas com juízas federais de várias regiões do País, procura dar a conhecer ao público em geral quem elas são e, a partir das suas narrativas, conhecer suas experiências profissionais e compartilhar suas percepções sobre a carreira.

A Comissão também se dedica a promover e participar de eventos científicos. O de maior destaque é o Seminário anual “Mulheres no Sistema de Justiça”, cuja quarta edição acontecerá em abril de 2020. Tais eventos, com a participação de juízas e juízes federais, assim como de professores e pesquisadores de reconhecimento acadêmico, procuram abrir espaço de reflexão sobre causas e consequências da baixa representatividade feminina nos espaços de poder, entre eles o Poder Judiciário, assim como suas interações com as dinâmicas e contextos sociais.

Nesse breve caminho trilhado pela Comissão Ajufe Mulheres, foi possível reconhecer a importância de trajetórias mais plurais nos espaços institucionais, não apenas como meio de cumprir o princípio da igualdade entre homens e mulheres, a partir da identificação e remoção de obstáculos à participação igualitária nos espaços públicos.

Uma composição plural das instâncias de poder é um pressuposto não apenas do princípio da igualdade, mas também um imperativo democrático. A democracia pressupõe que as decisões tomadas pelos poderes constituídos, entre eles o Poder Judiciário, sejam representativas dos mais variados espectros da sociedade.

Em razão de condicionamentos de ordem histórica e cultural, as mulheres experienciam o mundo a partir de perspectivas distintas. Sua maior representatividade nas instâncias de poder agrega novos olhares e perspectivas, o que traz repercussões em termos de pluralidade e legitimidade nas decisões judiciais. Para que o Poder Judiciário seja democrático, pressupõe que seja abrangente da maior gama de perspectivas e valores do conjunto total, e não parcial, dos destinatários de suas ordens. O Poder Judiciário será tão mais democrático, quanto mais plural for a sua composição.

Notas___________________________________

1 Diagnóstico da participação feminina do Poder Judiciário,  Disponível em: http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/arquivo/2019/05/7e318ad139f1ab3572856786078942df.pdf.

2 Relatório disponível em: http://ajufe.org.br/images/2019/PDF2019/Nota-Tecnica-Mulheres-2.pdf

3 Relatório disponível em: http://ajufe.org.br/images/pdf/NotaTecnica01Mulheres.pdf

4 Relatório disponível em: http://ajufe.org.br/images/2019/PDF2019/Nota-Tecnica-Mulheres-2.pdf.

5 Disponível em http://ajufe.org.br/images/pdf/MulheresnaJusticaFederalLivreto.pdf

6 Disponível em: https://ajufe.org.br/publicacoes/outras-publicacoes/10465-magistratura-e-equidade.